Um fen�meno incentivado pela eleva��o das taxas de desemprego e pela necessidade de isolamento social, que obrigou milhares de restaurantes e estabelecimentos comerciais a manter as portas fechadas ou a funcionar com restri��o ao atendimento aos clientes, obrigou um contingente adicional de 11,4 milh�es de brasileiros a recorrer aos aplicativos para garantir uma parcela ou a totalidade de sua renda, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva obtida com exclusividade pelo Estad�o.
Segundo o levantamento, com esse crescimento durante o �ltimo ano, o Brasil tem hoje aproximadamente 20% de sua popula��o adulta - o equivalente a 32,4 milh�es de pessoas - que utilizam algum tipo de app para trabalhar. Em fevereiro do ano passado - ou seja, antes do in�cio da pandemia de covid-19 -, essa fatia era de 13%.
A pesquisa do Locomotiva ouviu 1,5 mil pessoas de uma amostra selecionada por meio dos par�metros da Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lios (Pnad), indicador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) que serve de par�metro das caracter�sticas socioecon�micas do Brasil. As entrevistas foram feitas entre os dias 12 e 19 de mar�o.
O m�todo do instituto inclui n�o apenas os apps que captam prestadores de servi�os diretamente - como os servi�os de transporte e de delivery -, mas tamb�m ferramentas que indiretamente contribuem para que as empresas e profissionais se comuniquem ou captem novos clientes no mundo virtual.
O presidente do Locomotiva, Renato Meirelles, afirma que o tamanho da depend�ncia dessas plataformas de tecnologia ficou al�m das expectativas dos idealizadores do levantamento. "� um n�mero muito grande. O dado inclui o brasileiro sem renda e que n�o conseguiu viver apenas com o aux�lio emergencial. Isso mostra que os aplicativos se tornaram os maiores empregadores no Brasil hoje", afirma.
Em tempos de isolamento social, diz Meirelles, os aplicativos ajudaram empreendedores a fazer contato com clientes e a entregar seus produtos. "N�o se trata apenas de subemprego, os aplicativos ajudaram muito para que diversas empresas conseguissem se manter em p�. Houve um processo forte de digitaliza��o na pandemia e esse � um caminho sem volta."
Ferramentas
Entre as ferramentas mais utilizadas para quem lan�a m�o da tecnologia para encontrar uma atividade, 34% dos entrevistados citaram os apps de redes sociais, como o Facebook, e 33%, os de mensagens, como o WhatsApp.
Tamb�m entram na conta as ferramentas de transporte, como Uber e 99, que foram utilizadas por 28% daqueles que acessaram os aplicativos para obter trabalho ou renda. J� 26% desse contingente recorreram a tecnologias de vendas online, como Mercado Livre e Magazine Luiza, e 14% �s de entrega, caso de Rappi, iFood e Uber Eats.
A pesquisa mostra ainda a relev�ncia dos aplicativos no total da renda de milhares de pessoas. Dos 32,4 milh�es de brasileiros que t�m renda via aplicativos, 16% deles afirmaram que essa tem sido a �nica fonte de renda e outros 15% disseram que os aplicativos respondem por metade dos ganhos (leia quadro acima).
Os aplicativos, contudo, tamb�m s�o usados como uma esp�cie de "bico". Para 24% dos entrevistados, os apps s�o apenas um trabalho eventual, utilizados para dar um impulso �s vendas de um neg�cio que existe fora do mundo virtual, por exemplo.
Salto na demanda
Os apps sentiram a alta da demanda em meio ao fechamento da economia. O vice-presidente financeiro e de estrat�gia do aplicativo de entregas iFood, Diogo Barreto, conta que o n�mero de pedidos pelo aplicativo passou de 30 milh�es, antes da pandemia, para 48 milh�es, no fim do ano passado.
O total de estabelecimentos conectados ao app passou de 150 mil para 230 mil, na mesma compara��o. Barreto conta que restaurantes de "nicho", como veganos, que antes preferiam ficar de fora do iFood, entraram no aplicativo. Outros, como as churrascarias que funcionam em sistema de rod�zio, reinventaram seu neg�cio para atuar com delivery.
O executivo do iFood diz ainda que outros estabelecimentos tamb�m surfaram a onda, como as padarias, que come�aram a vender pizzas ou a entregar outros itens de alimenta��o para garantir uma receita extra.
Apesar desse crescimento da demanda, Barreto diz que a empresa decidiu n�o expandir o n�mero de entregadores na mesma propor��o. A estrat�gia foi adotada para evitar que a renda dos entregadores profissionais tivesse uma queda. Por isso, ao longo destes 12 meses de pandemia, o total de profissionais cadastrados cresceu em ritmo bem menor, passando de 150 mil para 160 mil.
Mudan�a veio para ficar
O professor da FEA/USP e especialista em Mercado de Trabalho, Wilson Amorim, destaca que a tecnologia, no mundo atual, "dirige o processo produtivo" - e isso afeta as rela��es de trabalho. "O que temos � uma realidade incontorn�vel. Essas empresas agora s�o parte da paisagem da vida moderna, estando no meio do caminho entre a oferta e a demanda de produtos e servi�os, como um intermedi�rio".
Na vis�o do especialista, � preciso olhar o fen�meno dos apps para celulares sob dois prismas. Ao mesmo tempo em que os aplicativos trazem alternativas de ocupa��o, de outro oferecem pouco poder de barganha para quem presta servi�os ou faz vendas em sua plataforma.
O coordenador do curso de gradua��o em Economia da Funda��o Getulio Vargas (FGV), Joelson Sampaio, destaca que, com as medidas de restri��o e mobilidade impostas pela necessidade de conter o cont�gio da covid-19, os aplicativos tiveram o papel de minimizar o impacto negativo da crise para muitas fam�lias.
"V�rias empresas e fam�lias est�o usando os aplicativos como forma de receita direta. Tem as pessoas que est�o atuando em log�stica, caso dos entregadores, mas n�o � s� isso. H� muitos pequenos empreendedores que passaram a utilizar os aplicativos para viabilizarem seus neg�cios", diz.
Bolsa como objetivo
No come�o da pandemia, Weidson Barbosa da Silva trabalhava em uma empresa terceirizada da Ambev, com a instala��o e manuten��o de m�quinas de gelo, refrigerantes e chopeiras. Em abril, ele foi surpreendido por uma demiss�o, pois o discurso inicial da companhia tinha sido de que seriam adotadas as medidas de redu��o de jornada e sal�rio para garantir a manuten��o do trabalho.
"Como pai de fam�lia, entrei em desespero. A gente sabe que arrumar um trabalho � complicado. Minha �nica solu��o foi come�ar a trabalhar com aplicativo", conta Weidson, pai de duas meninas, uma de 9 anos e outra de 2.
No come�o do trabalho com entregas, Weidson conta que a experi�ncia de novato foi dif�cil - ainda sem pontua��o no aplicativo, as jornadas eram muito extensas e, no fim das contas, tinha sempre pouco dinheiro para levar para casa.
"No come�o foi muito complicado levantar 'score'. Nessa pandemia, meu mundo foi abaixo e, com o aplicativo, eu consegui fazer alguma coisa. A dificuldade que a gente tem na rua � a carga hor�ria muito extensa, mas � um dinheiro que vem suprindo minhas necessidades em casa", conta.
O dia de trabalho, muitas vezes de domingo a domingo, segundo ele, envolve e 18 a 20 horas na rua, j� que quanto mais entregas faz, mais dinheiro consegue levar para casa.
Perto de completar um ano de trabalho via aplicativo, Weidson conta que, com o aumento da experi�ncia, a situa��o foi melhorando e o trabalho ficou um pouco mais f�cil. Hoje, por exemplo, ele n�o pensa em abandonar as entregas.
Isso ocorre porque ele j� come�ou a bolar um novo plano profissional. De olho no bom momento da Bolsa de Valores, ele est� fazendo um curso para se tornar um 'trader', como s�o chamados os profissionais que ganham dinheiro com opera��es de curto prazo na Bolsa.
"Estou estudando como louco para dar uma qualidade de vida melhor para minhas filhas e esposa. Quero estabilidade financeira, mas o aplicativo vai ficar como meu subterf�gio", afirma Weidson. Nos planos est� ainda a retomada do curso universit�rio, que trancou pouco antes da pandemia.
Vegetariano
Badalado endere�o vegetariano na Vila Madalena, em S�o Paulo, o restaurante Quincho, da chef Mari Sciotti, sempre teve foco no atendimento local. O delivery n�o era, at� o in�cio da pandemia, uma op��o, pois o sal�o estava sempre cheio e com fila de espera.
A percep��o era de que o fluxo de entregadores de aplicativos poderia atrapalhar a din�mica local. "A gente tinha planos de trabalhar com o delivery, mas ainda n�o tinha come�ado antes da pandemia. Ainda est�vamos estudando o melhor caminho", conta Mari.
Com o baque nos neg�cios no in�cio da pandemia, quando o restaurante teve que fechar as portas - situa��o que hoje se repete -, a solu��o foi come�ar a vender aos clientes alguns pratos cuja encomenda tinha que ser feita previamente e cuja entrega era realizada pelos pr�prios funcion�rios. Mais adiante, o Quincho entrou nos aplicativos.
Com o tempo, conta Mari, foram sendo testados pratos que poderiam "viajar" melhor at� o cliente, assim como a embalagem ideal para a entrega e que refletisse o prop�sito da casa - o que levou tempo e dinheiro. "Fomos entendendo os problemas de transporte, temperatura... S�o quest�es operacionais que a gente come�a a entender � medida que come�a a servir."
A decis�o n�o tinha sido tomada antes porque, devido ao volume de pedidos vindo do pr�prio sal�o do restaurante, a cozinha j� estava sobrecarregada. "A gente estava construindo uma cozinha de produ��o, para atender � demanda do delivery, mas, com a pandemia, tivemos que �s pressas fazer o lan�amento", diz. Quando o restaurante est� de portas abertas, nas fases mais brandas da pandemia, o delivery responde por cerca de 20% a 30% do faturamento.
Por entender que o delivery ser� parte relevante da receita em um prazo mais longo, o Quincho est� na fase final de instala��o de sua cozinha industrial voltada a entregas. Ser� de l� de onde sair�o n�o s� os pratos do restaurante, mas tamb�m uma linha de congelados. Para se tornar menos ref�m dos apps - a venda feita por eles reduz a receita do prato vendido em cerca de 30% -, Mari conta que j� est� sendo elaborado um projeto de delivery pr�prio em maior escala. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.
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