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Bolsonaro faz Brasil perder dinheiro internacional para Amaz�nia, diz analista

Para Natalie Unterstell, pa�ses como Col�mbia e Indon�sia est�o ocupando 'v�cuo' deixado pelo Brasil em negocia��es sobre o clima para receber doa��es voltadas � preserva��o de florestas.


28/04/2021 06:59 - atualizado 28/04/2021 08:26


Incêndio na Amazônia, em foto de arquivo; desmatamento na região atingiu em 2020 o maior índice nos últimos 12 anos(foto: Reuters)
Inc�ndio na Amaz�nia, em foto de arquivo; desmatamento na regi�o atingiu em 2020 o maior �ndice nos �ltimos 12 anos (foto: Reuters)

A postura do governo Jair Bolsonaro em rela��o ao meio ambiente est� fazendo com que o Brasil perca espa�o e recursos em negocia��es internacionais sobre o clima, diz � BBC News Brasil Natalie Unterstell, fundadora e diretora do think tank (centro de pesquisas e debates) Talanoa, voltado a pol�ticas ambientais e clim�ticas.

J� pa�ses como Col�mbia e Indon�sia, segundo ela, est�o aproveitando as oportunidades que se abrem para na��es com grandes florestas tropicais — cuja preserva��o � considerada crucial para o combate � mudan�a do clima.

"Se o Brasil deixar, e o Brasil est� deixando, esse espa�o ser� ocupado por outros pa�ses", afirma Unterstell em entrevista � BBC News Brasil.

As negocia��es globais sobre a prote��o de florestas ganharam um impulso com a posse de Joe Biden como presidente dos EUA, em janeiro. Na campanha, Biden prop�s que pa�ses ricos se re�nam para fornecer US$ 20 bilh�es para a preserva��o da Amaz�nia.

O americano convocou na semana passada uma reuni�o virtual sobre as mudan�as clim�ticas com l�deres de 40 pa�ses, entre os quais o Brasil. No encontro, foi anunciada uma iniciativa entre EUA, Reino Unido, Noruega e empresas privadas para canalizar doa��es voltadas � preserva��o de florestas mundo afora.


Segundo Natalie Unterstell, países dificilmente vão investir mais recursos antes de o governo Bolsonaro destravar os mais de R$ 2 bilhões paralisados no Fundo Amazônia, que foram doados por Noruega e Alemanha(foto: REUTERS )
Segundo Natalie Unterstell, pa�ses dificilmente v�o investir mais recursos antes de o governo Bolsonaro destravar os mais de R$ 2 bilh�es paralisados no Fundo Amaz�nia, que foram doados por Noruega e Alemanha (foto: REUTERS )

A iniciativa, que j� conta com US$ 1 bilh�o, foi comparada ao Fundo Amaz�nia — mecanismo paralisado no governo Bolsonaro e que tinha o Brasil como �nico benefici�rio. Agora, se quiser participar da nova iniciativa, o Brasil ter� de concorrer com outras na��es.

Unterstell afirma ainda que, embora o governo federal cobre recursos internacionais para a preserva��o da Amaz�nia, h� hoje cerca de R$ 3,4 bilh�es em caixa que poderiam ser usados para esse fim.

O valor � a soma de recursos do Fundo Amaz�nia (R$ 2,9 bilh�es) e do Fundo Verde do Clima (R$ 522 milh�es) que foram doados ao Brasil, mas jamais gastos.

At� que os impasses que travam os pagamentos sejam sanados, diz ela, � improv�vel que o pa�s receba novas doa��es.

Formada em administra��o de empresas pela FGV (Funda��o Get�lio Vargas), Unterstell acompanhou como observadora da sociedade civil a negocia��o do acordo que criou o Fundo Amaz�nia, em 2008.

Abastecido principalmente pela Noruega (93,8%) e Alemanha (5,7%), o fundo busca estimular a��es de preven��o, monitoramento e combate ao desmatamento na Amaz�nia brasileira.

Os doadores suspenderam o funcionamento do fundo quando o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tentou reduzir o papel da sociedade civil no conselho que gere os repasses.

Unterstell trabalhou ainda no governo do Amazonas e, entre 2011 e 2013, foi negociadora do Minist�rio do Meio Ambiente em debates internacionais sobre a prote��o de florestas. Em 2018, candidatou-se a deputada federal pelo Podemos, mas n�o se elegeu.

Neste ano, Unterstell se candidatou outra vez — agora a uma vaga no conselho de supervisores (Board of Overseers) da Universidade Harvard, onde fez mestrado em Administra��o P�blica entre 2015 e 2016.


Bolsonaro e Ricardo Salles na cúpula climática convocada por Joe Biden, na semana passada; presidente brasileiro
Bolsonaro e Ricardo Salles na c�pula clim�tica convocada por Joe Biden, na semana passada; presidente brasileiro "claramente mudou o tom %u2014 aquele tom mais ofensivo que existiu, por exemplo, nas �ltimas assembleias gerais da ONU %u2014 para um tom bastante defensivo" (foto: Reuters)

Formado por ex-alunos, o conselho � respons�vel por aprovar a escolha do presidente da universidade e seus dirigentes.

Unterstell integra um movimento que cobra a universidade a deixar de investir em empresas de combust�veis f�sseis.

Uma das mais renomadas universidades do mundo, Harvard tem cerca de US$ 41 bilh�es em investimentos, usados para financiar a institui��o. A elei��o se encerra em 18 de maio.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

BBC News Brasil - Qual o saldo para o mundo do evento sobre o clima convocado por Biden?

Natalie Unterstell - Segundo a Conven��o-Quadro da ONU sobre Clima, estamos em uma rota que nos levar� a um aumento de 3,6 graus da temperatura at� o final do s�culo.

Seria um cen�rio catastr�fico, em que todos os recifes de corais ficariam esbranqui�ados, haveria degelo da calota polar e uma grande instabilidade clim�tica.

Essa c�pula foi marcada pra tentar melhorar as ofertas dos grandes emissores. Dos 18 maiores emissores, s� dois tinham colocado metas mais progressistas na mesa: o Reino Unido e a Uni�o Europeia.

Foi um bom come�o principalmente porque os EUA colocam uma meta muito, muito ambiciosa — de reduzir entre 50 e 52% suas emiss�es at� 2030 (em rela��o a 2005). E isso fez o ponteiro mexer, criou-se uma efeito domin� positivo.

O Jap�o melhorou de 26% para 46% a sua oferta de redu��o de emiss�es para 2030. O Canad� tamb�m melhorou.

Os EUA muito habilmente colocaram sua diplomacia para trabalhar com os pa�ses que mais dependem de carv�o: Jap�o, China, �ndia, Coreia do Sul. E foram bem sucedidos.

A Coreia do Sul anunciou que n�o vai mais financiar a extra��o de carv�o no exterior. A pr�pria China disse que vai reduzir o consumo de carv�o. Ent�o acho que se come�ou a asfixiar realmente essa tecnologia decadente.

BBC News Brasil - Os an�ncios s�o suficientes para evitarmos o aumento de 3,6 graus?

Unterstell - N�o. Dados preliminares do Climate Action Tracker (organiza��o de cientistas que calcula o impacto das metas de emiss�es dos pa�ses) mostram que as novas metas reduziram em 12% a 14% a previs�o de emiss�es globais at� 2030.

� insuficiente. Vamos precisar de novas rodadas at� o final do ano para que pa�ses que n�o colocaram novidades na mesa, como a China e a �ndia, melhorem suas metas.

BBC News Brasil - Biden diz que o combate �s mudan�as clim�ticas ser� um dos eixos de seu governo. Qual o impacto disso para o resto do mundo?

Unterstell - Um � a mobiliza��o do setor privado americano para a transi��o energ�tica (rumo a fontes menos poluentes). Isso gera novos padr�es e tem um efeito cascata para o resto do mundo.


Para Natalie Unterstell, discurso de Bolsonaro em evento de Joe Biden sobre o clima não convenceu grandes atores internacionais(foto: Arquivo pessoal)
Para Natalie Unterstell, discurso de Bolsonaro em evento de Joe Biden sobre o clima n�o convenceu grandes atores internacionais (foto: Arquivo pessoal)

Os EUA est�o usando o setor privado para conversar com os outros pa�ses. Com a �ndia, por exemplo, est�o tentando mobilizar investidores e financiadores privados americanos para a transi��o energ�tica naquele pa�s. Poucos pa�ses t�m uma alavanca com essa dimens�o e capilaridade.

O outro ponto � em rela��o a com�rcio. Em seu plano de governo, Biden disse que levaria em conta riscos clim�ticos ao estabelecer acordos comerciais. Eles est�o numa via de alinhamento com a Uni�o Europeia nesse sentido.

Vamos come�ar a ver uma converg�ncia de padr�es tanto de investimento quanto de com�rcio levando em conta a quest�o da mudan�a do clima. Isso muda tudo.

BBC News Brasil - E qual foi o saldo para o Brasil do evento de Biden?

Unterstell - O saldo n�o � positivo. Bolsonaro claramente mudou o tom — aquele tom mais ofensivo que existiu, por exemplo, nas �ltimas assembleias gerais da ONU — para um tom bastante defensivo.

Mas n�o apresentou nenhuma meta nova para 2030. V�rios pa�ses firmaram acordos bilaterais com os Estados Unidos na agenda de clima. O Brasil n�o firmou nada bilateral, isso tamb�m � not�vel.

Outro ponto � que a confer�ncia anunciou um mecanismo global para florestas, indicando que a gente perdeu a oportunidade de ter um mecanismo s� para a gente.

BBC News Brasil - Voc� se refere � LEAF (sigla em ingl�s para "diminuindo o desmatamento por meio da acelera��o do financiamento florestal", iniciativa anunciada por EUA, Noruega, Reino Unido e empresas privadas). O que achou do mecanismo?

Unterstell - Vejo-o com muitos bons olhos porque ele vai buscar recursos privados para fazer um pagamento por resultado. A ideia foi concebida aqui no Brasil (no Fundo Amaz�nia).

Tem v�rias grandes empresas envolvidas, como Amazon, Nestl� e Airbnb. Isso vai possibilitar que jurisdi��es que consigam demonstrar resultados de redu��o do desmatamento recebam recompensas.

Tamb�m acho muito interessante que a LEAF n�o mire s� governos nacionais, mas tamb�m governos subnacionais, como estados e munic�pios.

A gente ainda n�o sabe quem vai operar o mecanismo, h� muitos detalhes a serem esclarecidos, mas me parece um novo boost de energia para a quest�o da redu��o do desmatamento.

BBC News Brasil- Governadores de Estados amaz�nicos t�m tentado sem sucesso destravar os repasses do Fundo Amaz�nia. O LEAF poderia ser uma alternativa para eles?

Unterstell - Acho que essa � a melhor chance de acessarmos o LEAF. Vinte e quatro governos estaduais — exceto Rond�nia, Roraima e Santa Catarina — enviaram uma carta ao Biden indicando sua disposi��o e interesse em atrair investimentos diretamente para zerar as emiss�es e zerar o desmatamento.

Acho bastante positivo. Por�m, esses governos n�o t�m jurisdi��o total sobre seus territ�rios. H� neles terras que s�o de compet�ncia da Uni�o, como terras ind�genas, parques nacionais e terras devolutas federais.

Mesmo que existam recursos para esses governos estaduais, eles n�o v�o poder resolver o problema nas terras federais, ent�o a gente n�o pode esquecer da responsabilidade da Uni�o em fazer a li��o de casa.


Bolsonaro disse em reunião convocada por Biden que dobraria os recursos destinados à fiscalização ambiental, mas orçamento recém-aprovado reduziu verba do setor(foto: Ministério da Defesa)
Bolsonaro disse em reuni�o convocada por Biden que dobraria os recursos destinados � fiscaliza��o ambiental, mas or�amento rec�m-aprovado reduziu verba do setor (foto: Minist�rio da Defesa)

BBC News Brasil - Por mais que estejam se mobilizando para atrair recursos, v�rios Estados amaz�nicos est�o hoje sob forte influ�ncia de pol�ticos que defendem reduzir unidades de conserva��o, privatizar terras p�blicas e anistiar grileiros. Qual a chance de prevalecer a vis�o conservacionista?

Unterstell - De fato tem um jogo de for�as, e estamos vendo esse jogo pender para o desmatamento em regi�es que antes eram conservadas, como o sul do Amazonas.

� muito preocupante. Isso diz respeito a algo que ainda precisa ser melhor elaborado na sociedade brasileira, que � a tradu��o das oportunidades de conserva��o no local.

Isso ainda n�o est� claro em todos os lugares, e acho que esse � o grande desafio que a gente tem agora. Vamos imaginar que venham recursos vultuosos para governos subnacionais na Amaz�nia no pr�ximo ano. Como que isso vai fazer com que o jogo vire localmente?

Sou relativamente otimista porque no passado a gente j� viu esse jogo acontecer. A gente teve momentos de enfrentamento dessas for�as e, por algum tempo, foi poss�vel que for�as mais reformistas e pr�-conserva��o vencessem. Ent�o � uma quest�o de equilibrar o jogo, que hoje est� muito balanceado para o lado da destrui��o.

Tamb�m � sempre bom lembrar que o resto do mundo est� adotando novos padr�es de com�rcio e de investimento. Fala-se de um mundo livre de desmatamento. Isso cada vez mais vai fazer press�o no �mbito nacional, cada vez vai percolar mais e vai chegar mais na ponta. E a� acho que algumas dessas for�as v�o ser moderadas.

BBC News Brasil - H� outros pa�ses ocupando hoje o espa�o que o Brasil j� ocupou nos debates sobre a prote��o das florestas?

Unterstell - Com certeza. Pa�ses vizinhos, como a Col�mbia, est�o percebendo a oportunidade e um v�cuo que o Brasil est� deixando em rela��o � prote��o da Amaz�nia e se posicionando super bem para estabelecer acordos bilaterais para participar de v�rios mecanismos.

L� fora, a Indon�sia tem muitos problemas, mas est� muito ciente das oportunidades que existem. N�o � toa, tem feito in�meros projetos para captar recursos p�blicos internacionais para a quest�o de clima e tentado criar mecanismos privados.

Se o Brasil deixar, e o Brasil est� deixando, esse espa�o ser� ocupado por outros pa�ses.

BBC News Brasil - O governo federal diz que o Brasil deve ser pago pela comunidade internacional por resultados j� alcan�ados no passado. Qual sua opini�o?

Unterstell - Essa � uma pol�mica que foi instalada pelo pr�prio governo federal. Sim, existe um mecanismo para ser pago por resultados, o Green Climate Fund (Fundo Verde do Clima).

O Brasil pegou US$ 96 milh�es desse mecanismo, e s� n�o pegou mais porque n�o executou o recurso.

O governo federal diz que temos resultados do passado a receber, e temos, mas a gente s� n�o recebeu ainda porque n�o gastamos o que j� recebemos.

Isso � bastante contradit�rio com o discurso do governo atual. E tem uma outra quest�o tamb�m, que � a do pr�prio Fundo Amaz�nia continuar travado h� dois anos. A governan�a foi desestabelecida.

A gente n�o tem mais o Comit� Orientador do Fundo Amaz�nia e, com isso, existem R$ 2,9 bilh�es parados no fundo.

O sinal que isso gera para qualquer outro potencial parceiro internacional � muito ruim. Primeiro porque n�o h� confian�a na governan�a. N�o se tem certeza se o Brasil, se entrar num acordo, n�o vai quebr�-lo como fez com a Noruega e a Alemanha no caso do Fundo Amaz�nia.

E se o Brasil tem R$ 2,9 bilh�es parados, por que grandes empresas e outros governos v�o priorizar dar recursos ao Brasil? Esse fechamento do espa�o � baseado em evid�ncias muito concretas de que o Brasil n�o est� a fim, est� mal posicionado nesse jogo.


Incêndio no Pantanal em foto de 2020;
Inc�ndio no Pantanal em foto de 2020; "existe um trabalho em torno de manter uma floresta em p� al�m do que est� na lei, cuidar de terra ind�gena, garantir vigil�ncia. Tudo isso tem um valor para a sociedade brasileira e global", diz analista (foto: Reuters)

N�o � que esteja faltando recurso. Tem novas promessas vindo a�, o Biden disse que vai colocar aquilo que tinha prometido, a Fran�a dobrou sua contribui��o. Ent�o as perspectivas s�o de que quem chegar com bons projetos, com boas justificativas vai conseguir levar.

BBC News Brasil - Muito se fala sobre a necessidade de remunerar as pessoas na ponta que preservam a floresta. H� discuss�es internacionais sobre esse tema?

Unterstell - Elas nunca chegam nesse n�vel, porque isso tem a ver com a soberania nacional de cada pa�s. Cada pa�s � livre para estabelecer seus mecanismos.

Mas eu acho que cada vez mais se v� isso como um servi�o que precisa ser pago. Afinal, existe um trabalho em torno de manter uma floresta em p� al�m do que est� na lei, cuidar de terra ind�gena, garantir vigil�ncia. Tudo isso tem um valor para a sociedade brasileira e global.

Estamos come�ando a pensar nisso como empregos. Tem uma coisa muito legal no plano do Biden que poderia nos inspirar. � a ideia de ter o que eles se chamam de Civilian Conservation Corps (brigadas civis de conserva��o).

Foi assim que o (ex-presidente Franklin Delano) Roosevelt, l� no New Deal (1933-1937), conseguiu empregar 3 milh�es de pessoas nos Estados Unidos fazendo-os restaurar a vegeta��o e cuidar de parques.

Biden colocou isso no programa dele, e essa seria uma discuss�o superinteressante aqui, e pr�tica.

Digamos que existam recursos — e existem — para a gente captar a coopera��o internacional. Para onde vai isso? Por que n�o pensar, por exemplo, que o Pantanal precisa ser restaurado?

Isso geraria emprego na ponta, faria as pessoas serem pagas por um servi�o, por alguma entrega concreta. Mas infelizmente o nosso n�vel de discuss�o no Brasil est� muito opaco, a gente ainda n�o consegue nem pensar em sair da pandemia.

BBC News Brasil - O que achou do programa Floresta +, lan�ado recentemente pelo governo Bolsonaro, e que tamb�m prev� remunerar quem preserva o meio ambiente?

Unterstell - Pode ser um programa interessante, mas ainda tem pouca informa��o p�blica a respeito dele — sobre sua governan�a, por exemplo.

A gente precisaria entender com mais clareza quem est� de fato o guiando, e se a sociedade participa. Por exemplo: eles falam em pagar povos ind�genas. Quem s�o os povos ind�genas que est�o sendo chamados para essa conversa?

BBC News Brasil - Temos visto muitas grandes empresas anunciando medidas contra as mudan�as clim�ticas. O quanto disso � marketing, e o quanto isso realmente muda o jogo?

Unterstell - Tem as duas coisas. Alguns segmentos est�o sob muita press�o — o dos frigor�ficos, por exemplo. E ele sabem muito bem que n�o vai bastar fazer um servi�o de rela��es p�blicas. N�o � � toa que uma grande empresa do setor anunciou recentemente o compromisso de chegar ao net zero (equil�brio entre emiss�o e absor��o de carbono em suas atividades) em 2040.

Depois uma concorrente anunciou a mesma coisa, e outra foi mais ambiciosa e puxou a meta para 2035.

H� raz�es muito concretas para essa corrida, que � o acesso a mercados internacionais, a quest�o da reputa��o, e tamb�m motivos financeiros. O desinvestimento (retirada de recursos por parte de investidores) j� � um risco material para alguns desses setores.


Metas anunciadas em conferência climática foram ambiciosas, mas será preciso mais para evitar catástrofe, diz analista; acima, protesto em Washington por ações contra mudanças climáticas(foto: Reuters)
Metas anunciadas em confer�ncia clim�tica foram ambiciosas, mas ser� preciso mais para evitar cat�strofe, diz analista; acima, protesto em Washington por a��es contra mudan�as clim�ticas (foto: Reuters)

Mas isso precisa ser para valer. Precisamos pensar no Brasil na accountability, no monitoramento desses compromissos.

O grande risco que eu vejo hoje � que tem uma corrida para o net zero no mundo inteiro, mas no Brasil muitos acham que basta fazer a conta de emiss�es e comprar cr�ditos para compensar.

S� que os cr�ditos foram criados para serem transit�rios. � preciso investir para trocar tecnologias e zerar as emiss�es.

BBC News Brasil - O que acha do movimento de grandes empresas brasileiras que, diante da alta no desmatamento na Amaz�nia, t�m se manifestado publicamente e cobrado o governo a agir? Isso � novo?

Unterstell - � bem novo. Me chamou muito a aten��o que, em agosto de 2019, 230 investidores e asset managers (administradores de fundos de investimento) globais, incluindo dois brasileiros, tenham mandado uma carta ao presidente da Rep�blica sobre controlar as queimadas.

Nunca tinha visto uma carta de investidores endere�ada ao chefe de Estado, e depois dessa arrancada come�ou uma onda de ativismo corporativo aqui no Brasil bastante relevante. A gente v� uma mobiliza��o, e isso elevou bastante a percep��o de que a pauta ambiental tamb�m � econ�mica.

O empresariado j� se ligou que a gente est� vivendo num mundo em que meio ambiente, a mudan�a do clima imp�em riscos financeiros, n�o s� reputacionais. � positivo.

Agora, isso vai controlar o desmatamento? N�o. Se a gente n�o tiver a��o de Estado para regular e fazer cobran�a das empresas, pode ser que tudo isso s� fique no plano ret�rico.

BBC News Brasil- O clima e o meio ambiente s�o hoje temas centrais na pol�tica da Europa e dos EUA. Como compara esse cen�rio ao da pol�tica no Brasil?

Unterstell - O que vem acontecendo nesses pa�ses � uma esp�cie de insurg�ncia verde para al�m dos partidos verdes. Nos EUA, a quest�o ambiental se conectou com demandas de sa�de e com demandas de emprego locais.

N�o � � toa que Biden se elege prometendo criar empregos na transi��o clim�tica, porque � isso que as pessoas querem, empregos de boa qualidade.

No Brasil, n�o estamos ainda formando um pipeline de pol�ticos e de partidos com capacidade de disputar espa�o com essa mesma leitura.

A gente produziu uma Constituinte nos anos 80 com um cap�tulo de meio ambiente e um cap�tulo de povos ind�genas. Houve uma constru��o superbonita em rela��o � democracia, � participa��o, ent�o a nossa democracia conseguiu produzir uma coisa fant�stica l� atr�s.

Mas a gente at� hoje n�o viu de nenhum partido qualquer proposta de Green New Deal (plano de investimentos governamentais focado em tecnologias verdes; o termo � inspirado no New Deal, programa que tirou os EUA da grande recess�o de 1929).

E, mesmo com todos os desafios que a gente teve nesses �ltimos dois anos, como Brumadinho, o vazamento de �leo no Nordeste, as queimadas na Amaz�nia e no Pantanal, a gente n�o viu uma produ��o legislativa para dar resposta.

� preocupante. N�o vejo o mesmo n�vel de interesse e de compreens�o sobre o tema entre os pol�ticos brasileiros.

BBC News Brasil- Nem na esquerda?

Unterstell - Nem na direita, nem na esquerda. Seria muito importante que o PT, que possivelmente vai ter um candidato majorit�rio na pr�xima elei��o, olhasse a quest�o do pr�-sal e a quest�o do petr�leo � luz dos desafios da mudan�a do clima.

Essa discuss�o precisa ser feita, j� que o partido e seu maior expoente continuam falando desse mundo e apostando nele, sem reconhecer os desafios que a gente tem na pauta clim�tica.

E a Petrobr�s precisa ter uma vis�o estrat�gica em rela��o � transi��o, de como ela vai voltar a investir em fontes renov�veis — os investimentos dela hoje s�o p�fios nessa �rea.

Pensar qual � a vida �til dessas reservas e como o pa�s pode melhor utilizar esses recursos. Como as regi�es hoje dependentes das arrecada��es do petr�leo v�o ficar? Esses planos de transi��o s�o inevit�veis.


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