H� 15 anos produzindo objetos e utens�lios de pedra-sab�o, Eliomar Vila�a e a mulher, Claudia, precisaram de reserva financeira para manter
o neg�cio (foto: Fotos: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 21/5/21)
Ouro Preto – Minas tem na pedra-sab�o um dos pilares da sua arte, cultura e hist�ria. Foi com essa mat�ria-prima que o mestre do Barroco, Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), esculpiu os 12 profetas de Congonhas, imprimiu seu talento � portada das igrejas de Ouro Preto e marcou monumentos que atraem visitantes do mundo inteiro e se tornaram patrim�nios da humanidade. Ao longo do tempo, a pedra – tecnicamente chamada esteatita – ganhou espa�o cada vez maior e se multiplicou em objetos utilit�rios, a exemplo de panelas de cozinha, e itens variados de decora��o.
Quem j� foi a Ouro Preto, Mariana e Congonhas, na Regi�o Central de Minas, certamente levou como suvenir uma pe�a na forma de pir�mide, imagem de santo ou caneca. A maioria delas � feita nos distritos de Santa Rita, em Ouro Preto, e Cachoeira do Brumado, em Mariana.
Com a pandemia, turistas em fuga e o munic�pio mergulhado muitas vezes na onda roxa do programa estadual Minas Consciente, que criou diretrizes para a flexibiliza��o das atividades econ�micas, artes�os de Santa Rita, considerada a Capital Mundial da Pedra-sab�o, amargaram preju�zos. Houve longo per�odo de lojas fechadas e o cancelamento de feiras ao ar livre, que respondem por boa parte das encomendas. Mas, se na vida e na arte a criatividade vale ouro, nos neg�cios se torna fundamental, pois garante a sobreviv�ncia.
Esse sentimento � demonstrado em v�rios relatos feitos ao Estado de Minas, que acompanhou o trabalho de artes�os em Ouro Preto. Nesta mat�ria, a quinta reportagem da s�rie “Reinven��o das nossas tradi��es”, que o EM publica desde domingo, eles falam dos problemas encontrados para tentar driblar os efeitos da pandemia de COVID-19 sobre as vendas de produtos t�picos e identificados com a cultura das cidades hist�ricas de Minas.
“No in�cio, fiquei com a loja fechada durante 60 dias, ent�o tive que segurar as pontas, pois tenho 40 empregados, todos pais e m�es de fam�lia. N�o podia demitir ningu�m”, conta Eliomar Ricardo Vila�a, dono da Bras'Art, atuando h� 15 anos no mercado de pe�as em pedra-sab�o e com vendas em Minas, S�o Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paran�. A produ��o di�ria � de 500 pe�as.
Para evitar a dispensa de funcion�rios, Eliomar usou suas reservas financeiras. “Fomos fazendo e estocando, e mantive todos aqui. J� pensou? Quarenta pessoas desempregadas representam 40 fam�lias sem dinheiro no fim do m�s”, afirma, ao lado da mulher, Claudia. “Ainda n�o sa�mos das dificuldades, o turismo est� fraco, acho que s� depois de todo mundo vacinado poderemos respirar mais aliviados. Ent�o, � pro ano que vem.” Atualmente na onda amarela, fase menos restritiva do Minas Consciente, Ouro Preto tem um programa para atender artes�os cadastrados, que recebem cesta b�sica e, desde a semana passada, ajuda de custo em tr�s parcelas de R$ 300.
Mostrando uma das pe�as da loja, Eliomar brinca com Claudia: “Somos, aqui, a tampa e a panela”. O funcion�rio Amaury Oliveira, de 24, complementa no mesmo tom: “At� quando a gente descansa carrega pedra”. Com efeito, h� muito mais do que panelas de pedra no estabelecimento, localizado na Rua do Engenho. Os turistas que aparecem encontram outras utilidades dom�sticas, a exemplo de f�rmas para pizza, provoloneiras (para o queijo Provolone), jogos, cubos de gelo e, claro, pe�as de decora��o variadas e at� mesmo a panela de press�o feita da pedra-sab�o.
Mais dif�cil
Perto dali, o artes�o Fernando Muniz da Silva, de 67, sente os efeitos da crise, que bateu forte: “Estou vivendo da minha aposentadoria”, conta. Mesmo com as vendas minguando, ele n�o perdeu o pique durante alguns meses e continuou produzindo, em fam�lia, pir�mides, copos e outros objetos com a pedra que faz a fama de Santa Rita. Agora, em agosto, as atividades do artes�o paralisaram.Para quem trabalha na informalidade ainda est� dif�cil encontrar o caminho das pedras. Outro artes�o revela ter parado de trabalhar h� seis meses. “Tenho dois ajudantes e n�o dispensei ningu�m. Usei um dinheirinho que tinha guardado, e vou esperar um m�s para tentar voltar ao normal. Na zona rural, a situa��o de artes�os (chamados popularmente de ‘paneleiros’) ficou mais dif�cil do que na cidade”.
Ajuda no frete
No hist�rico distrito de Cachoeira do Brumado, em Mariana, predominam duas atividades: o artesanato das panelas de pedra e a produ��o de pe�as em sisal. “Aqui, sabemos fazer esse trabalho e vivemos dele”, informa o presidente da Associa��o dos Artes�os e Produtores Caseiros, Vicente Paulo de Carvalho, que trabalha no setor h� 30 anos. “S� Deus sabe como ser�. Agora, conhecemos apenas dificuldades”, lamenta. O n�mero de fam�lias dedicadas ao artesanato � incerto, “praticamente todo o distrito”, e , assim, a roda da economia local emperrou. “Muita gente pensa em parar, eu vou aqui 'arranhando' at� a hora em que houver mudan�a.”
A situa��o est� t�o dif�cil que o presidente da associa��o pediu socorro ao prefeito de Mariana, Juliano Duarte, e teve retorno, conforme disse ao EM o chefe do Executivo local. “A pedra-sab�o para fazer a panela vem da regi�o de Santa B�rbara, e o pre�o do frete � muito caro. Ent�o, diante da gravidade, e como a associa��o tem declara��o de utilidade p�blica municipal, a prefeitura vai pagar o frete na totalidade, come�ando no momento em que nos for entregue toda a documenta��o necess�ria”, explicou. Outra medida para ajudar os artes�os, disse o prefeito, est� na limpeza dos locais de produ��o, que geram muitos res�duos. O servi�o ser� feito com uma retroescavadeira e caminh�o.
O artes�o Fernando Muniz conta com a aposentadoria at� poder retomar a produ��o, que suspendeu neste m�s
Eternizada por Aleijadinho
No trevo de entrada de Santa Rita, distrito localizado a 30 quil�metros da sede de Ouro Preto, o monumento “Escultor”, com 5 metros de altura e pesando quase 18 toneladas, d� as boas-vindas e mostra que o local � a Capital Mundial da Pedra-sab�o. Vale, ent�o, conhecer melhor a origem do t�tulo. Especialistas dizem que a hist�ria da pedra-sab�o em Minas se mistura ao Ciclo do Ouro, pois o material foi amplamente usado, na �poca da coloniza��o para fabrica��o de pe�as da constru��o civil. Como refer�ncia, o material eternizou obras do maior �cone da arte barroca brasileira, o escultor, entalhador e arquiteto Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que usou a mat�ria-prima em portadas, altares e imagens.
Foi a pedra-sab�o, por exemplo, a mat�ria-prima usada pelo mestre do Barroco no frontisp�cio da fachada da Igreja S�o Francisco de Assis, no Centro Hist�rico de Ouro Preto. De acordo com pesquisas, a pedra-sab�o � uma mat�ria-prima muito resistente e de uso ilimitado. A resist�ncia costuma ser comparada � do m�rmore, com a vantagem de ser refrat�ria, podendo suportar temperaturas bastante elevadas. Usada na fabrica��o de artigos de decora��o, como esculturas e ornamentos para jardins, tem destino certo tamb�m como panelas, lareiras e lavabos.
Patrim�nio da humanidade, Santu�rio Bas�lica Bom Jesus de Matosinhos est� de portas abertas para o retorno dos turistas
(foto: Eliane Gouveia/divulga��o %u2013 28/1/19)
� espera dos fi�is visitantes
Na Cidade dos Profetas, apelido de Congonhas, a incerteza domina os dias do artes�o Ant�nio Nascimento, de 72 anos, envolvido no of�cio desde os 10. “Estou parado, trabalhando mais por encomenda. Antes fazia umas 20 panelas por dia, agora no m�ximo cinco. O pior mesmo � a incerteza, n�o d� para comprar mat�ria-prima se n�o tiver venda.”
Ant�nio Nascimento mant�m uma loja perto do Santu�rio Bas�lica Senhor Bom Jesus de Matosinhos, reconhecido como patrim�nio da humanidade. Uma luz pode ser a volta dos turistas, j� que o templo barroco est� abrindo as portas de ter�a a sexta-feira, das 6h �s 16h; e aos s�bados e domingos, das 6h �s 12h (sem necessidade de agendamento). Durante a semana do jubileu (7 a 17 de setembro), estar� fechado. A programa��o ser� toda on-line.
Escultor renomado, Luciomar Sebasti�o de Jesus se preocupa com os artes�os da pedra-sab�o e tamb�m com os mestres-canteiros
(foto: Funda��o Ana Vl�dia/Divulga��o. - 25/11/20)
Escultor renomado de pe�as sacras, Luciomar Sebasti�o de Jesus exalta o potencial da pedra-sab�o. “Nessa regi�o de Santa Rita de Ouro Preto, Cachoeira do Brumado e Congonhas, at� Piranga, h� muitos artes�os. A pedra-sab�o tem uma caracter�stica importante: � t�rmica, mant�m o calor dos alimentos. A f�rma de pizza, por exemplo, deixa essa del�cia borbulhante por muito tempo.”
Luciomar destaca ainda o trabalho dos mestres-canteiros, capacitados para a arte de talhar a rocha bruta e transform�-la em chafarizes, e, nas igrejas, balaustrada, colunatas, pin�culos e outras partes. Resta, ent�o, esperar que novos ventos soprem para garantir trabalho, renda e a perenidade de of�cios tradicionais que retratam a hist�ria de Minas – em beleza, criatividade e sabor.