
A resist�ncia �s crises c�clicas da economia brasileira faz parte da hist�ria das comunidades que preservam a centen�ria tradi��o mineira da coleta das flores sempre-vivas na por��o meridional da Serra do Espinha�o, regi�o do Vale do Jequitinhonha. Como a express�o bem define, essa beleza natural representa o conjunto da diversidade da flora local capaz de manter sua estrutura, colora��o e firmeza ap�s a colheita e o processo de secagem, imprimindo originalidade ao artesanato t�pico.

O Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha-MG) tem registradas em seu Cadastro do Patrim�nio Cultural 12 popula��es que desenvolvem esse sistema agr�cola tradicional, reconhecido como parte do programa Sistemas Importantes do Patrim�nio Agr�cola Mundial (Sipam) pela Organiza��o das Na��es Unidas para a Alimenta��o e a Agricultura (FAO). A certifica��o foi concedida no come�o de mar�o de 2020, quando a COVID-19 havia sido recentemente declarada emerg�ncia nacional de sa�de p�blica e o v�rus assustava com o surgimento dos primeiros casos de contamina��o e as informa��es ainda preliminares sobre como combater a doen�a.

Passado quase um ano e meio, a coleta das sempre-vivas se mant�m, assim como o artesanato, avan�ando com algumas iniciativas para inclus�o em mercados de consumo e desenvolvimento de design do artesanato, por meio de parceria com escolas para cria��o de pe�as e mais produtos. Sinais de recupera��o s�o tamb�m vistos nas casas de Piedade dos Gerais, distante 100 quil�metros de Belo Horizonte, polo produtor de flores artesanais, que j� atravessaram as fronteiras do pa�s para ser vendidas nas lojas da gigante varejista espanhola El Corte Ingl�s e em mercados de Om�, no Oriente M�dio.
Reunidas no grupo batizado de Gente Nossa, 15 artes�s est�o produzindo flores em chit�o, malha, fuxico e croch�, entre outras t�cnicas e materiais, com a meta de levar ao menos 10 mil unidades � 32ª Feira Nacional de Artesanato, marcada para 7 a 12 de dezembro pr�ximo, no centro de conven��es Expominas, em Belo Horizonte. Os relatos � reportagem nesta mat�ria, que encerra a s�rie “Reinven��o das nossas tradi��es”, publicada desde domingo pelo Estado de Minas, mostram como a dedica��o, coragem para readapta��o e mudan�a contribu�ram para a continuidade de of�cios antigos e carregados de identidade cultural.
A reabertura das atividades econ�micas neste ano, a retomada de viagens e do turismo j� come�am a ser sentidos na demanda pelo artesanato variado e de grande riqueza de detalhes de Minas, segundo Cl�udia Aparecida da Silva Santos, gerente do Centro de Artesanato Mineiro. “O momento � de recupera��o e que se amplia com o retorno das feiras e eventos”, afirma.
Est�o anunciados e liberados tr�s grandes eventos dedicados � mostra do artesanato brasileiro nos pr�ximos meses. O 14º Sal�o do Artesanato – Ra�zes Brasileiras ser� realizado de 1º a 5 de setembro, em Bras�lia, com vers�o on-line e presencial. A Feira Nacional de Artesanato deve receber cerca de 3 mil artes�os de todo o pa�s e p�blico de 90 mil visitantes, com protocolos sanit�rios, e vers�o digital, de 7 a 12 dezembro. A 21ª edi��o da Feira Nacional de Neg�cios do Artesanato (Fenearte) tem data marcada para 10 a 19 de dezembro, no Centro de Conven��es de Olinda, na Regi�o Metropolitana de Recife (PE).
Os turistas t�m sido os principais clientes do artesanato de Minas. Nas instala��es do Centro Mineiro de Artesanato, dentro das depend�ncias do Pal�cio das Artes, em BH, al�m das sempre-vivas s�o vendidos buqu�s de flores confeccionadas em tecidos, como chita, de Cataguazes, na Zona da Mata mineira. A representa��o da flora do munic�pio se juntou ao contexto hist�rico e � religiosidade que o produto traduz.
Antes de chegar �s prateleiras do varejo, esse delicado artesanato surgiu das m�os de mulheres de Cataguases que desejavam enfeitar a Igreja de Santa Rita, lembra Cl�udia Santos. “S�o produtos com identidade cultural e que t�m uma hist�ria tamb�m levada e reconhecida pelo consumidor”, diz.
Transforma��o Entre as comunidades tradicionais apanhadoras de flores e que obt�m da coleta e venda das sempre-vivas a sua principal fonte de sustenta��o, os efeitos da crise sanit�ria foram intensos, tendo provocado queda de renda ao redor de 50% durante o longo per�odo de fechamento do com�rcio e do sumi�o dos turistas. O reconhecimento como patrim�nio agr�cola mundial pela FAO/ONU ajudou as fam�lias, ao permitir melhor acesso a pol�ticas sociais e programas de compras governamentais de alimentos, outra atividade a que elas se dedicam, observa Maria de F�tima Alves, uma das coordenadoras da Comiss�o de Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas (Codecex).
“As vendas ainda n�o se recuperaram, considerando que estamos em crise econ�mica e que as flores n�o s�o produtos de primeira necessidade. As comunidades se valeram da sua hist�rica resili�ncia em per�odos de crise”, afirma. Al�m de medidas visando � inclus�o em mercados e cria��o de produtos com assessoria de escolas de design, previstas no Plano de Conserva��o Din�mica, – elaborado por organiza��es ligadas a governos e da sociedade civil –, est� sendo discutida proposta de assist�ncia t�cnica para a agroecologia e agroextrativismo.
Ess�ncia da venda presencial
Pesquisa realizada neste m�s pelo Instituto Centro Cape, organiza��o n�o governamental que promove a Feira Nacional de Artesanato (FNA), mostrou cen�rio ainda complicado de recupera��o para o setor. Da amostra de 148 artes�os ouvidos de Minas e outros estados, 37,2% est�o vendendo de 10% a 20% do volume comercializado em 2019. Outros 23% n�o veem rea��o do neg�cio, permanecendo, na pr�tica, sem faturar.
Quase 47% t�m usado as redes sociais para vender seus produtos, mas boa parte, de 34,5%, n�o vendem pela internet. T�nia Machado, presidente do Centro Cape, v� tend�ncia de retomada das vendas, que dependem do comportamento da demanda do com�rcio lojista, do turismo, e da volta das feiras e eventos. “As vendas pela internet nunca ser�o o principal canal do artes�o. O consumidor tem de se identificar com a pe�a, sentir a emo��o que leva � compra, quer saber da hist�ria daquele produto e valoriza o diferente”, afirma.
Amanda Guimar�es, analista do Sebrae Minas, concorda, observando que a entidade tem oferecido capacita��o para vendas e marketing digital, �reas nas quais boa parte dos artes�os tem pouca experi�ncia, assim como na etapa do escoamento da produ��o. “Esse p�blico se reinventou e passou a participar das redes sociais. A presen�a digital cresceu , mas veio para somar e n�o excluir ou substituir o com�rcio presencial”, afirma.
Nas investidas no mundo da internet, T�nia Machado diz que tem tentado mostrar aos artes�os a necessidade de persistirem na divulga��o e com�rcio pelas redes sociais, alimentando todo dia a presen�a de seus produtos em busca das tais curtidas que v�o transformar usu�rios em clientes. (MV)
Milhares de modelos em produ��o
O retorno das encomendas, embora devagar, ap�s cerca de seis meses de suspens�o de pedidos, e a libera��o da Feira Nacional de Artesanato (FNA) em dezembro reacenderam as esperan�as de Luciani Ribeiro de Amorim, coordenadora do grupo de 15 artes�s de flores Gente Nossa, de Piedade dos Gerais. Outra boa not�cia foi a decis�o da prefeitura local de reativar o espa�o dedicado aos trabalhos artesanais na Casa da Cultura do pequeno munic�pio, de 5 mil habitantes.
As vendas realizadas tanto em Minas quanto em estados como Rio de Janeiro s�o resultado de encomendas, das quais boa parte contratadas em feiras. Na �ltima d�cada, a exposi��o das flores nas edi��es da FNA, em BH, garantiu contratos e vendas durante todo o ano �s artes�s, inclusive o fornecimento, em 2012 e 2013, � rede El Corte Ingl�s e a clientes conquistados � �poca em Om�.
Com essa din�mica, as dificuldades, de fato, foram grandes desde o ano passado, com pedidos dos lojistas paralisados por ao menos seis meses devido ao per�odo de fechamento do com�rcio, como medida necess�ria para conter o avan�o da COVID-19. A recupera��o passou a ser observada neste ano, ap�s a reabertura das atividades econ�micas, e anima o grupo, em sua maioria composto de mulheres dedicadas � arte por paix�o e busca de renda complementar para a fam�lia, com 50 a 60 anos de idade.
“A gente n�o para e agora cuidamos do estoque para o fim do ano. � um trabalho que leva tempo e exige preparo de tecidos com anteced�ncia”, diz Luciani Amorim. Com modelos variados, cores fortes e uma presen�a muito particular no ambiente, as flores de Piedade dos Gerais t�m sido demandadas pelos clientes da loja de Sabrina Campos Albuquerque, em BH, que mescla trabalhos de tr�s dezenas de artes�os de Minas e outros estados com presentes da chamada ind�stria criativa.
O movimento tem crescido, segundo lojista, ap�s a flexibiliza��o da circula��o de pessoas neste ano, a rebertura do com�rcio e, ainda, o avan�o da vacina��o, embora lenta no Brasil. “A demanda tende a crescer. O produto artesanal � uma pe�a que tem hist�ria e identidade”, diz Sabrina Albuquerque. Decidida a ampliar a participa��o do artesanato no estoque, a lojista afirma que a arte popular oferece ainda a diversidade e, depois da pandemia de COVID-19, a sensa��o de acongecho que o consumidor passou a buscar, com a sensibilidade aflorada pelos efeitos da pr�pria crise sanit�ria. (MV)
Uma ‘revolu��o’ mineira

Antigos of�cios em Minas Gerais, parte deles reconhecida como patrim�nio cultural e hist�rico do estado, t�m revelado a capacidade de preservar a tradi��o, com medidas que renovaram as formas de oferecer esses trabalhos ao p�blico consumidor, resistindo aos duros efeitos da COVID-19 sobre a economia. Contudo, a recupera��o ainda � dif�cil e exige grande esfor�o. Foi o que mostrou a s�rie de reportagens “Reinven��o das nossas tradi��es”, publicada pelo Estado de Minas desde domingo.