
H� mais de 50 anos, quando o pequizeiro era uma �rvore ainda pouco valorizada, a preserva��o e o aproveitamento de seu fruto ganharam um grande defensor. O compositor T�o Azevedo, de 76 anos, � considerado o brasileiro vivo com mais m�sicas gravadas, cerca de 2.500 can��es. Parte desse acervo n�o s� teve inspira��o na planta do cerrado, como ajudou a promover a explora��o sustent�vel do pequi e seus derivados.
Em conversa com o Estado de Minas , T�o Azevedo afirma que considera o pequizeiro a �rvore mais importante do cerrado. “O pequi � o alimento do sert�o e serve como rem�dio; al�m disso, na �poca da safra, tamb�m ocupa m�o de obra e d� emprego e renda para ao povo pobre. O dinheiro que o agricultor ganha da venda do pequi serve para comprar outras coisas na cidade como �leo de soja e roupas.” Ele considera, ainda, que o aproveitamento do fruto gerou maior conscientiza��o sobre a necessidade de preservar a �rvore. Este � o tema da �ltima reportagem da s�rie “Pequi S/A”, na qual o EM abordou a import�ncia socioecon�mica e cultural do pequizeiro, hoje disputada por tr�s estados, os quais desejam reconhecimento sobre o dom�nio do fruto, Minas, Goi�s e Tocantins.
Natural do distrito de Alto Belo, no munic�pio de Bocaiuva, no Norte de Minas Gerais, o compositor viveu por longo tempo em S�o Paulo, at� que decidiu voltar �s origens. Vive, hoje, em Montes Claros, cidade polo do Norte do estado e n�o se esquece dos la�os criados com o pequizeiro. “Desde os meus tempos de crian�a, defendo o pequi. Lembro que via as pessoas derrubarem os pequizeiros sem consci�ncia de que aquilo era um milagre do cerrado, que poderia fazer falta mais tarde. O povo derrubava p� de pequi para fazer lenha”, recorda T�o Azevedo.
O compositor ressalta que muitos pequizeiros foram derrubados no Norte do estado para constru��o da estrada de ferro da antiga Central do Brasil, que chegou � regi�o na segunda d�cada do s�culo XX. “A madeira do pequizeiro era muito cobi�ada antigamente. Muitos dormentes da estrada de ferro eram feitos do pequizeiro. Foram muitas �rvores do cerrado derrubadas para a implanta��o da linha f�rrea, principalmente a partir de Sete Lagoas (na regi�o Central do estado) at� o Norte de Minas”, afirma Azevedo.
Na opini�o desse defensor do pequi, foi o aproveitamento do fruto que levou �s pessoas a conscientiza��o em rela��o ao fruto-simbolo do cerrado. “De uns tempos pra c�, o pequi passou a mais aceito. Quase n�o tem ningu�m cortando os pequizeiros. Hoje em dia, o p� de pequi � uma fonte de renda, como se fosse um p� de laranja, um p� de jaca ou de outra fruta qualquer”, observa.
O artista defensor da natureza destaca que � o Norte de Minas � o local com mais tradi��es ligadas ao chamado “ouro do cerrado”. “O pequi est� enraizado na cultura do Norte de Minas, onde existem lendas, cren�as e supersti��es ligadas ao fruto.” Arvore-s�mbolo do cerrado, o pequizeiro tem imponente e frondosa copa, folhas grandes e pode crescer a 12 metros. Com o nome cient�fico de Caryocar brasiliense, pequi significa pele espinhenta no idioma Tupi.
Sobre a disputa e a pol�mica no Congresso Nacional, entre os parlamentares de Minas, Goi�s e Tocantins sobre uma esp�cie de paternidade do pequi, T�o Azevedo comenta que o fruto “� do Brasil”. “Est� em v�rios estados. � uma �rvore do cerrado. Existe na Amaz�nia, no Cear� (Serra do Araripe), assim como na Bahia”.
O compositor critica o fato de que muitos pequizeiros foram derrubados em Goi�s para dar lugar �s planta��es de soja. Ele festeja o cerrado, como bioma mais importante do Brasil. “Mais do que a Mata Atl�ntica, mais do que a Floresta Amaz�nica, o cerrado � generoso, como o pequi”, sustenta.
Associativismo As rela��es cultural e socicoecon�mica dos moradores de pequenas comunidades do Norte de Minas Gerais com o pequizeiro s�o de fato, profundas, como descreve o compositor T�o Azevedo em sua obra. Para aproveitar melhor o fruto e seus derivados, eles est�o se organizando, atitude que ajuda tamb�m na supera��o das dificuldades impostas � atividade pela pandemia do coronav�rus.
Essa uni�o e planejamento s�o verificados na comunidade de S�o Bento, no munic�pio de Janu�ria. Foi criada na localidade a Associa��o dos Usu�rios da Sub-Bacia do Rio dos Coxos (Assusbac). Os moradores filiados � entidade encontraram no associativismo estrat�gia para produzir derivados do pequi, agregando valor ao fruto e estendendo o per�odo de comercializa��o dos produtos, e, com isso, a renda apurada.
O presidente da associa��o comunit�ria de S�o Bento, Jacy Borges de Souza, lembra que antes do investimento que vem sendo feito no potencial do fruto, a maior parte do pequi da regi�o “perdia no mato” e os moradores o catavam somente para satisfazer o consumo pr�prio.
“Hoje, al�m da venda do pequi in natura, por meio da nossa associa��o, s�o produzidos e vendidos v�rios derivados como �leo, farofa, creme, castanha e doce de pequi”, afirma Jacy. A entidade tem uma unidade de processamento do pequi e conta com 15 fam�lias associadas. Por�m, a localidade re�ne cerca de 50 fam�lias que catam o fruto nativo e obt�m alguma renda com o produto.
“A renda proveniente do pequi tem sido muito importante para a agricultura familiar, que sofre muitos impactos em nossa regi�o, seja por causa da seca, do desequil�brio ambiental ou pela crise econ�mica. Com essa pandemia, a renda do extrativismo, retirada do pequi e de outros frutos do cerrado, tem ajudado as fam�lias a vencer as dificuldades e tamb�m a garantir uma alimenta��o saud�vel”, relata o l�der comunit�rio.

"Mais do que a Mata Atl�ntica, mais do que a Floresta Amaz�nica, o cerrado � generoso, como o pequi"
T�o Azevedo, compositor e um grande defensor do pequizeiro
Inova��o
A uni�o tamb�m faz a for�a e melhora o aproveitamento do pequi na regi�o do Vale do Perua�u, no munic�pio de Itacarambi. A Cooperativa dos Agricultores Familiares e Agroextrativistas do Vale do Perua�u (Cooperua�u) conta com 56 cooperados, envolvendo 14 comunidades e oito associa��es comunit�rias.
O tesoureiro da Cooperua�u, Valdomiro da Mota Brito, o Buda, salienta que a entidade produz derivados como �leo, farofa, castanha, creme, polpa, pa�oca e molho de pequi (com e sem pimenta). Nesse sentido, inovou em alguns processos, como a aquisi��o de uma maquina usada para extra��o da castanha do pequi.
“No fim de 2020 e in�cio deste ano, a Cooperua�u enfrentou dificuldades e se dedicou exclusivamente ao comercio do pequi in natura, alcan�ando o total de 15 toneladas do produto vendidas. Com a pandemia, a nossa cooperativa teve que inovar para dar um suporte aos cooperados na venda do fruto in natura nas ruas e feiras das cidades vizinhas”, informa Valdomiro Brito.
Ajuda em dobro Em Salto, Zona rural do munic�pio Cora��o de Jesus, 25 fam�lias coletam o pequi e vendem o fruto in natura ou os derivados dele. “Se nos anos anteriores, o pequi j� ajudava muito as fam�lias, por causa da pandemia, em 2020 e neste ano a ajuda tornou-se maior ainda”, afirma Marlene Soares Nunes, presidente da Asssocia��o dos Agricutores Familiares de Salto. Ela preside o Nucleo Pr�-Pequi, que re�ne associa��es extrativistas da regi�o.
Marlene Nunes enfatiza que, na pr�tica, o fruto-s�mbolo do cerrado movimenta a economia regional durante todo o ano. “Passada uma safra do pequi, os pequenos produtores do Norte de Minas vivem o resto do ano contando os dias para a chegada da safra do pequi. J� ficam fazendo planos para compras na �poca que puderem catar pequi novamente e melhorar alguma coisa na vida”, diz a presidente da associa��o..

M�sica e engajamento
T�o Azevedo gravou seu primeiro disco em 1963, em Belo Horizonte, ap�s servir ao Ex�rcito. Permaneceu na Capital Mineira at� 1969, quando se transferiu para S�o Paulo, onde construiu a carreira art�stica. Em 1974, T�o lan�ou seu primeiro LP em vinil, “Grito Selvagem”, pela gravadora Central Park, que hoje � considerado o primeiro disco de samba-rock lan�ado no Brasil, e foi relan�ado em 2017 em CD.
Entre suas obras est� o livreto de literatura em cordel “A Hist�ria de Nossa Senhora Aparecida / 1717-2017 / 300 Anos de F� e Milagres”, pela Editora Santu�rio. O trabalho chegou �s m�os do Papa Francisco, que enviou carta de agradecimento ao autor. Entre diversas premia��es, em 2013, T�o Azevedo foi vencedor pr�mio Grammy Latino, com o disco de m�sica de raiz “Salve Gonzag�o – 100 Anos”, que homenageia o Rei do Bai�o, Luiz Gonzaga.
Pelo fim das queimadas
A presidente da Associa��o dos Agricultores Familiares de Salto, no munic�pio de Cora�ao de Jesus, Marlene Soares Nunes, chama aten��o para a necessidade de preserva��o ambiental como garantia da renda do extrativismo. “A gente precisa valorizar e cuidar mais do nosso cerrado. Precisamos levar em conta a import�ncia dos frutos n�o somente para os agricultores, mas tamb�m paras pessoas da cidade, que na �poca da safra, revendem o pequi nas ruas”, afirma.
De acordo com Marlene Nunes, os pequenos agricultores criaram a consci�ncia da necessidade de preserva��o do pequizeiro e de outras esp�cies nativas. Eles fazem a conserva��o, evitando as queimadas, os desmatamentos e os agrot�xicos. “Estamos trabalhando para n�o deixar o cerrado morrer. Mas, precisamos das ajuda dos �rg�os ambientais”, observa.
Em rela��o a quest�o ambiental, a bi�loga Sarah Alves de Melo Teixeira alerta para os cuidados que devem ser adotados no extrativismo. “Alguns extrativistas t�m praticado o extrativismo predat�rio com a derrubada de frutos verdes, flores, quebram galhos e coletam todos os frutos do p�, e isso � insustent�vel para a manuten��o da cadeia produtiva. J� estamos sofrendo isso agora, a produ��o de pequi tem ca�do ano ap�s ano.”
Desde 1992, o pequizeiro � protegido pela lei estadual 10.883. A cultura do extrativismo, consumo e comercializa��o � t�o forte em Minas que o pequizeiro foi eleito como a �rvore s�mbolo do estado em 2001, por meio de concurso promovido pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF). (LR)