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'Saga' de desempregada de 62 anos por carne acaba com 3 quilos de carca�a e pele por R$ 12

Para n�o passar fome, fam�lias vivem uma saga em busca de doa��es, sobras e alimentos que antes eram jogados no lixo


14/10/2021 07:56 - atualizado 14/10/2021 09:11

Um quilo de lingui�a por R$ 18. Peito de frango por R$ 15,99, p� a R$ 7,99 e pesco�o, R$ 5,29. A passadeira Lindinalva Maria da Silva Nascimento, de 62 anos, olha todas as op��es na vitrine do a�ougue, mas todas s�o muito caras para os R$ 20 que ela tem para comprar carne para ela, o marido, um filho e dois netos comerem durante uma semana.

Dona Lindinalva olha o balcão do açougue e checa preços pra ver o que vai dar pra comprar
Dona Lindinalva olha o balc�o do a�ougue e checa pre�os pra ver o que vai dar pra comprar (foto: FELIX LIMA/ BBC NEWS BRASIL)
A BBC News Brasil a acompanhou em quatro a�ougues no Itaim Paulista, bairro do extremo leste de S�o Paulo, onde ela mora. Depois de quase duas horas, ela encontrou a �nica prote�na animal que conseguiu comprar com R$ 12 para a fam�lia: 3 kg de carca�as e peles de frango.

Lindinalva trabalhava como passadeira em uma confec��o no Bom Retiro, no centro de S�o Paulo, a cidade mais rica da Am�rica Latina. Com a chegada da pandemia, em 2020, foi dispensada, segundo ela, por fazer parte do grupo de risco.

Desde ent�o, est� desempregada e com a geladeira vazia.

"Antes da pandemia, a gente comprava alcatra � v�cuo. Para quem estava acostumado a trabalhar, entra em p�nico numa situa��o dessas. Eu tinha a geladeira lotada de carne. Hoje, tem uns frascos de �leo feito com osso de boi e pele de frango e um coentro congelado que meu vizinho doou", diz chorando � reportagem, ao lado da geladeira aberta.

Uma das pessoas que tamb�m a ajudam � a Maria Am�lia, presidente da associa��o Canto Nascimento, que distribui cestas para fam�lias pobres do bairro. "Sempre me d� um mantimento quando estou desesperada", diz Lindinalva � reportagem.

Peregrina��o por sobras

A perda generalizada de renda e emprego, a alta da infla��o, al�m dos constantes aumentos dos combust�veis e do g�s, arrastou multid�es para a pobreza. Com tanta concorr�ncia em busca de sobras para colocar o m�nimo de comida no prato da fam�lia, Lindinalva passa o dia em uma peregrina��o em busca de a�ougues e av�colas que vendem ossos e carca�as de aves.

"Muitos dizem que n�o v�o mais vender os ossos e que est�o em falta. Mandaram eu passar aqui de novo umas 17h ou 18h para eles arrumarem uns ossos para eu comprar", disse depois de sair de um a�ougue perto da casa dela.

Lindinalva explica que, tanto os ossos quanto as peles de frango que ela compra, custam cerca de R$ 4 cada quilo.

"Os ossos eu cozinho e depois tiro os pedacinhos de carne que sobram para a gente se alimentar. Aproveito para colocar no feij�o para ficar um gostinho de carne. Ontem foi assim. Com R$ 12 j� d� para comer dois dias. Verdura n�o d� mais para comprar, est� muito caro", afirmou.

J� a pele do frango, ela conta que frita numa panela sem �leo. A gordura que acumula no recipiente, Lindinalva guarda em potes vazios de maionese e de requeij�o para depois fritar outros alimentos e usar no preparo de outras refei��es.

O aumento no n�mero de brasileiros passando fome passou de 10,3 milh�es em 2018, para 19,1 milh�es em 2020 (quase 10% da popula��o), o que representa um crescimento de 85% em dois anos. Essa alta ainda n�o reflete a piora da crise, agravada pela pandemia no Brasil.

Essas pessoas fazem parte de um contingente de 116,8 milh�es de brasileiros que convivem com algum grau de inseguran�a alimentar — quando uma fam�lia diz ter preocupa��o com a falta de alimentos em casa ou j� enfrenta dificuldades para conseguir fazer todas as refei��es. Esse n�mero corresponde a 55,2% dos domic�lios do pa�s, segundo o Inqu�rito Nacional sobre Inseguran�a Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado pela Rede Penssan.

A renda da fam�lia de Lindinalva � composta pela aposentadoria que ela recebe, no valor de R$ 1.200, dos bicos do marido como pintor (R$ 800) e do Bolsa Fam�lia, de R$ 200, recebido pelo neto.

Por outro lado, a fam�lia gasta R$ 600 todos os meses com aluguel e R$ 200 para comprar os rem�dios. Com pouco dinheiro, a rotina da fam�lia tem sido de escolhas di�rias. No m�s de outubro, ela deixou de pagar as contas de luz e de �gua para poder comprar um botij�o de g�s.

"Foi muito triste passar tr�s dias sem g�s. Deixei de pagar a �gua e a luz para comprar um botij�o que custa R$ 110. Comprar uma fruta, verdura ou doce, nem pensar. Antes, eu tinha o congelador cheio de carnes e legumes. A geladeira tinha couve, tomate, cebola, era fartura. Hoje, ela est� vazia e s� tenho uma cebola na fruteira", diz chorando � reportagem.

Em 2021, o consumo de carne bovina no Brasil dever� ser de 26,4 quilos por pessoa, uma queda de quase 14% em rela��o a 2019, ano anterior � pandemia, e de 4% ante 2020.

Esse � o menor n�vel registrado para consumo de carne bovina no pa�s em 26 anos, segundo a s�rie hist�rica da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), com in�cio em 1996.

At� agosto, as carnes acumulavam aumento de pre�o de 30,8% em 12 meses, bem acima da alta de 9,68% da infla��o geral, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica).

Lindinalva disse que j� tentou de tudo para voltar ao mercado de trabalho, mas n�o consegue um emprego desde que foi demitida no in�cio da pandemia. S� na �ltima semana, ela disse ter distribu�do 20 curr�culos.

"Eu estou desesperada. N�o sei mais o que fazer. Eles dizem que n�o tenho mais idade para trabalhar e que precisam de pessoas mais novas. Eu sou uma �tima funcion�ria, vou trabalhar at� doente e n�o reclamo de nada. Eu s� queria uma oportunidade", afirmou.

Dados da consultoria Kantar mostram que, em 17% dos lares brasileiros, ao menos uma pessoa perdeu o emprego em 2021. Destes, 80% eram das classes C, D e E.

A taxa teve uma melhora em rela��o ao final de 2020, quando 28% disseram que ao menos uma pessoa foi demitida.

Sopa de sobras

Os relatos de fome e desespero em busca de uma alimenta��o se multiplicam em todo o pa�s.

Todas as tardes, dezenas de pessoas formam uma fila na porta de uma associa��o no centro de Recife, capital de Pernambuco. Minutos depois, cada uma delas deixa o local carregando um copo pl�stico com um caldo quente. A sopa � feita com as sobras de refei��es doadas por um restaurante da regi�o.

A empregada dom�stica Maria do Carmo Santana, de 57 anos, disse que recorre � doa��o todos os dias porque n�o teria condi��es de fazer tr�s refei��es em casa.

"Meu marido � pintor e o trabalho dele mal paga as contas. Recebo R$ 150 de Bolsa Fam�lia que mal d� para comprar o g�s, ent�o a gente depende da ajuda dos outros, principalmente de quem mora na nossa comunidade", diz.

Ela, que vive com o marido em um barraco no Beco do Esparadrapo, diz que a refei��o � a salva��o para a fam�lia n�o passar fome.

"Com essa sopa, eu fa�o uma refei��o a menos em casa. Hoje tem arroz, macarr�o e salsicha. Agora, vou s� comprar um p�o para comer � noite. Meu marido � pintor e o sal�rio dele mal paga as contas da casa, ent�o quanto menos a gente cozinhar e gastar g�s, melhor", disse � BBC News Brasil.

O Instituto Casa Amarela Social � um dos que ajudam fam�lias pobres de Recife, distribuindo cestas b�sicas e refei��es. O grupo faz diversas campanhas para arrecadar doa��es.


O G10 Favelas, grupo que re�ne as 10 maiores comunidades do pa�s, criou uma central de arrecada��o para ajudar fam�lias de baixa renda de todo o pa�s.

A alta de pre�os da carne come�ou antes da pandemia, puxada pela demanda da China, cujo rebanho su�no foi fortemente afetado pela peste su�na africana.

A tend�ncia foi acentuada no ano passado pela alta do d�lar, que estimula as exporta��es, reduzindo a oferta do produto no mercado interno.

Pesaram ainda a seca, que piora a qualidade do pasto e aumenta a necessidade de uso de ra��o, elevando o custo de produ��o; e o menor abate de f�meas, que s�o retidas pelos pecuaristas para produzir novos animais, aproveitando a alta de pre�os.

Com a somat�ria desses fatores, o resultado tem sido o sumi�o da carne vermelha no prato dos brasileiros mais pobres. Isso for�ou pessoas no Brasil inteiro, como a Lindinalva e a Maria do Carmo, a terem apenas as sobras como op��o.

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