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Estado de Minas ECONOMIA

'Temos de acreditar na terceira via', diz Roberto Setubal


17/10/2021 17:06

O banqueiro Roberto Setubal, copresidente do conselho de administra��o do Ita� Unibanco, afirma que o Pa�s precisa de um candidato � Presid�ncia da Rep�blica que possa se contrapor � polariza��o atual. Acredita que os favoritos � disputa hoje - o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula - j� tiveram sua chance, mas n�o conseguiram fazer as reformas necess�rias para o crescimento sustentado do Brasil. No caso de Bolsonaro, diz que a gest�o � decepcionante em rela��o ao que foi prometido na campanha. Nesta entrevista, ele tamb�m fala da situa��o econ�mica, sobre a agenda de diversidade nas empresas e as mudan�as em curso no Ita�.

Infla��o alta de novo, desemprego gigantesco e ainda tem a pandemia. A impress�o que temos n�o � apenas de que o Pa�s est� parado, mas, pior, que ele est� desandando. � poss�vel reverter esse cen�rio a curto prazo, ainda mais levando em conta que teremos uma elei��o que promete ser tensa ano que vem?

N�o, n�o � poss�vel. Na verdade, vejo a economia brasileira em decad�ncia. Estamos h� aproximadamente 40 anos sem crescimento da renda per capita. Isso � grav�ssimo e, de certa forma, � diferente do que aconteceu no mundo. V�rios pa�ses eram pobres h� 50 anos e, hoje, est�o se aproximando da renda dos pa�ses desenvolvidos. N�s, nos �ltimos 40 anos, tivemos momentos de melhora, como quando se controlou a infla��o. Mas, de forma geral, continuamos no mesmo n�vel de renda de 40 anos atr�s. Isso � um desastre do ponto de vista social. N�o vamos melhorar a renda das pessoas sem crescimento. Eu acho que o Pa�s n�o vem focando no crescimento.

O que o sr. chama de focar no crescimento?

A economia precisa de um choque. Precisamos entrar numa agenda forte de reformas, que precisam focar no aumento da produtividade da economia e no aumento dos investimentos. Penso, por exemplo, em uma reforma trabalhista que aumente a produtividade. Abertura econ�mica tamb�m aumenta a produtividade. Sem falar numa reforma tribut�ria. Temos um sistema tribut�rio muito complexo e repleto de distor��es, que foi sendo criado por remendos com objetivo �nico de aumentar a arrecada��o. N�o tem qualquer objetivo de justi�a social, nem de fazer a economia alocar recursos eficientemente.

Mas houve uma reforma trabalhista em 2017. O sr. acha que � preciso mudar mais coisas?

Acho que melhorou alguma coisa, mas acredito que ainda est� longe de ser o que n�s precisamos de verdade para tornar o Brasil mais competitivo.

O sr. espera alguma reforma ainda neste governo?

Dif�cil, mas n�o � s� pelo governo. N�o culpo s� esse governo, ou o governo anterior, ou o outro. A estrutura partid�ria do Brasil hoje, com, sei l�, mais de 30 partidos no Congresso, torna muito dif�cil conseguir uma maioria efetiva para aprovar reformas. Quando se prop�e uma mudan�a hoje, com 30 partidos, para se formar essa maioria acaba fazendo muitas concess�es, muitas coisas que acabam descaracterizando os projetos. Isso quando se consegue aprovar. � necess�rio reduzir o n�mero de partidos.

Nos �ltimos meses, empres�rios, empresas e associa��es t�m manifestado inquieta��o com os rumos do Pa�s, com uma �nfase que n�o se via antes. Foram cartas e declara��es em defesa do meio ambiente, das reformas e da democracia. O que fez voc�s se exporem mais, principalmente contra posi��es do governo?

� importante a sociedade civil se manifestar. Mostrar sua preocupa��o, a import�ncia de se ter um ambiente pol�tico mais est�vel, menos extremado. � o in�cio de uma conscientiza��o de que precisamos fazer mudan�as no Pa�s. Acho que talvez seja o in�cio de um processo pol�tico mais amplo. E, a meu ver, tem um impacto junto aos pol�ticos. A pr�pria Febraban fez uma manifesta��o, o que � uma certa novidade. Sempre foi muito low profile, e dessa vez se colocou um pouco mais claramente em rela��o a todos esses problemas. Quando se olha a lista de todo mundo que se manifestou, as entidades, principalmente, � algo muito significativo.

Tamb�m h� empres�rios e executivos importantes vindo a p�blico manifestar o apoio a uma terceira via nas elei��es presidenciais do ano que vem, em contraponto ao presidente Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. O que o sr. pensa disso?

Eu tamb�m gostaria que n�s tiv�ssemos uma terceira via bem mais forte, com reais chances de ganhar a elei��o. Acho que os �ltimos governos, alguns candidatos que est�o a�, j� tiveram a sua chance e n�o fizeram a renda per capita brasileira crescer, n�o fizeram as reformas necess�rias. Gostaria de ver um candidato com mais inten��es reformistas, mais agenda de crescimento econ�mico, acho que seria importante para sairmos dessa in�rcia em que nos encontramos. O mundo anda, e n�s estamos ficando para tr�s.

Mas o sr. acredita que apare�a um terceiro candidato para fazer frente aos dois favoritos de hoje?

Tenho de acreditar. Hoje h� dois candidatos fortes, e isso, obviamente, torna uma terceira via mais dif�cil. Mas temos de acreditar. � muito importante que haja uma uni�o do centro para que isso possa ocorrer, para que haja um �nico candidato mais forte. Elei��o � o tipo de coisa que muda r�pido, n�s j� vimos pr�vias um ano antes mudarem completamente... Eu acho que estamos em um ambiente de mudan�as, todo mundo est� querendo mudan�as, porque tem muita coisa que n�o est� andando como deveria. Acho que esse ambiente favorece uma terceira via, se for bem trabalhada. Ent�o, eu vejo, sim, chances de que ela possa ganhar uma elei��o. Tenho a impress�o de que, se um candidato da terceira via chegar ao segundo turno, as chances de ganhar s�o muito grandes.

Como o sr. avalia o governo Jair Bolsonaro?

De certa forma, � uma decep��o em rela��o �quilo que foi prometido na campanha. Ele foi mudando radicalmente ao longo do seu mandato. A gente imaginava muito mais reformas, muito mais mudan�as, e elas acabaram n�o acontecendo. Claro, pode-se dizer que teve pandemia, que teve uma s�rie de coisas, mas o fato � que as coisas n�o aconteceram como n�s gostar�amos.

Mudando de assunto, o mercado tem visto nos �ltimos anos a ascens�o de fintechs e bancos digitais, que passaram a competir com as institui��es tradicionais. Como o sr. v� esse movimento?

As novas tecnologias tiraram muitas vantagens competitivas que os bancos constru�ram ao longo de sua hist�ria. Por exemplo, antes era muito dif�cil um banco novo chegar ao mercado, porque precisava construir uma rede de ag�ncias. Hoje, n�o se precisa mais disso. A arena de competi��o mudou. Mas, para os bancos grandes, que desenvolveram sua tecnologia ao longo de 40 anos, � um desafio mudar essa tecnologia. � como trocar a turbina do avi�o em pleno voo. No caso do Ita�, n�s estamos com 15%, 20% do banco j� na nova tecnologia. No final do ano que vem, n�s imaginamos j� ter uns 50% do banco na nova tecnologia. Acho que em 2023 j� estaremos bem adiantados nesse processo, e a� seremos bastante competitivos com as fintechs.

E, no fim, o que acontece? Os grandes bancos v�o comprar as fintechs?

Como em todas as �reas onde as tecnologias novas est�o tendo grande impacto, tem algumas empresas novas que v�o ter sucesso, e outras, n�o. Dentre as fintechs, tamb�m vamos ter uma situa��o dessas. Aquelas que tiverem sucesso v�o se transformar em empresas grandes, importantes. As que n�o tiverem sucesso, enfim, ou v�o desaparecer ou v�o ser compradas, acho que esse � um pouco o final da hist�ria.

Mas os bancos maiores v�m pleiteando uma mudan�a na regula��o das fintechs, certo?

Nessa pol�tica de permitir a expans�o das fintechs, o Banco Central relaxou um pouco a exig�ncia de capital dessas empresas. Hoje, elas t�m um tratamento diferenciado. O que os bancos v�m pleiteando � a uniformidade das regras. Quer dizer, as regras de Basileia (o �ndice de Basileia mede a rela��o entre o capital do banco e quanto ele empresta) preveem que empresas muito pequenas tenham pouco capital, e isso vai crescendo � medida que elas v�o tendo um certo risco sist�mico, porque a� pode dar problema no sistema financeiro. Na medida em que vai aumentando o tamanho da empresa, mais capital � necess�rio. E j� temos empresas no sistema financeiro que n�o s�o mais pequenas, mas ainda seguem uma regra de capital menos exigente, s�o beneficiadas. � uma coisa que os bancos est�o - acredito que com raz�o - pleiteando no Banco Central.

A Ita�sa (holding que det�m 37% do capital do Ita�) vem diversificando bastante nos �ltimos tempos. Qual � a estrat�gia?

Bom, a Ita�sa tem feito uma transforma��o de portf�lio muito relevante. S� para lembrar, t�nhamos uma empresa que nem existe mais, a Itautec. Acabamos vendendo as partes e o que sobrou, fechamos. T�nhamos a Elekeiroz, que era uma empresa pequena, da �rea qu�mica, e que tamb�m foi vendida. Hoje, temos participa��es na Alpargatas (cal�ados e artigos esportivos), na NTS (gasodutos), na Aegea (saneamento), na Copagaz (g�s de cozinha)... Mudamos bastante o portf�lio. E a ideia � continuar crescendo.

Como ficou a quest�o da participa��o na XP?

N�s j� declaramos que a XP n�o � um investimento estrat�gico, ou seja, n�o � um investimento que pretendemos ter no longo prazo. At� porque � uma competidora do banco. A ideia � que, de alguma forma, ao longo dos pr�ximos cinco anos provavelmente vamos nos desfazer desse investimento. E isso � bastante relevante, porque o investimento que o banco fez na XP, que chegava a 48% no in�cio, representou agora, nesse momento da cis�o, cerca de 20% do valor do banco. Ao longo do tempo, vamos trocar esse investimento na XP por outros investimentos. Ou at� distribuir alguma coisa para os acionistas. N�o � uma decis�o ainda tomada, mas, enfim, ela abre espa�o para uma diversifica��o maior.

Deu um conflito a� entre as duas empresas, mas o retorno foi�

Foi espetacular, sem d�vida. Mas o que precisa ser entendido � que, originalmente, o acordo era que, ao longo do tempo, o Ita� chegaria ao controle da XP. Tinha todo um processo. Mas, na hora em que o Banco Central reprovou essa chegada ao controle, ficou um neg�cio super conflituoso. Ao virarmos concorrentes diretos, como � que fica eu ter uma presen�a no conselho da XP? Como � que fica eu estar l�, no comit� de auditoria? Tudo isso teve de ser repensado. E, enfim, se � um concorrente do banco, eu n�o posso t�-lo dentro do banco. Ent�o, o primeiro passo foi tirar de dentro do banco. A Ita�sa recebeu essas a��es e, ao longo do tempo, vai se desfazer, acabando de vez com qualquer conflito. Mas foi um �timo investimento, espetacular. E acho que foi bom para eles tamb�m. O Ita� deu a eles um respaldo que acelerou muito o crescimento deles.

Voc�s hoje est�o bem?

Estamos bem. N�o tenho problema com o Guilherme Benchimol, com a XP. �bvio, somos competidores. Como tamb�m nos damos bem com o presidente do Banco do Brasil, do Bradesco, do Santander. Enfim, conversamos, estamos no mesmo mundo, h� uma conviv�ncia natural.

A agenda ESG (sigla em ingl�s para as a��es ambientais, sociais e de governan�a) ganhou mais impulso dentro das empresas durante a pandemia. Em que medida o sr. acha que essa agenda veio para ficar?

Veio para ficar, com certeza. A quest�o ambiental � parte relevante dessas preocupa��es, mas h� tamb�m a quest�o da diversidade e da inclus�o social. S�o demandas muito claras da sociedade, s�o justas, e voc� se ajusta para atend�-las ou fica fora da realidade.

Como voc�s tratam disso no Ita�?

De forma geral, temos mais mulheres do que homens, embora nas posi��es mais altas o n�mero de homens ainda seja maior. Temos de 15% a 20% de negros e pardos, e 6% de funcion�rios que se declaram LGBTQIA+. Estamos trabalhando para aumentar esses n�meros. Nossa ideia � dar mais oportunidade de entrada a essas pessoas nas contrata��es e ajud�-las a subir na carreira. No caso das mulheres, por exemplo, elas est�o muito concentradas no atendimento de clientes. Como abrir espa�o? Aqui no banco temos um comit� de promo��o. De gerente para cima, o chefe j� n�o pode mais decidir sozinho a promo��o de uma pessoa que ele gosta. Tem de submeter isso a um comit�, que leva em conta a diversidade. E o que estamos caminhando para fazer � incluir, obrigatoriamente, uma mulher entre as pessoas que v�o disputar o cargo.

O sr. falou da import�ncia da mudan�a tecnol�gica dentro do mercado financeiro. A escolha do Milton Maluhy para a presid�ncia do banco (ele assumiu o comando em fevereiro, em substitui��o a Candido Bracher) teve a ver com essa quest�o?

Nas nossas discuss�es, quando chegou pr�ximo da sucess�o, come�amos a olhar pra frente e vimos que precis�vamos de muita mudan�a. Importante esse ponto de olhar para a frente e n�o para tr�s, para entregar medalhas. N�o necessariamente o Milton � aquele que mais fez pelo banco at� hoje. Outros candidatos at� fizeram muito mais e eram merecedores, digamos assim, de uma promo��o para a presid�ncia do banco. Mas olhamos para a frente, para as mudan�as, para o futuro. Ent�o, a escolha do Milton veio com um objetivo de mudan�a. � uma miss�o dele, e ele tem energia para isso, tem a idade para isso, est� com 40 e poucos anos. Estamos muito satisfeitos com a escolha, com o que ele j� est� fazendo no banco, a motiva��o, o dinamismo que ele trouxe, que s�o elementos essenciais nesse processo de mudan�a. Muito aberto pra ouvir, muito aberto pra mudar. Estamos bastante satisfeitos com a escolha que fizemos.

� uma mudan�a de cultura no banco?

Sim. Fala-se muito em tecnologia pensando nos bytes e bits, nas coisas mais ligadas a programa��o, mas na verdade isso tem de vir acompanhado de uma mudan�a cultural muito grande, na forma como o banco se organiza. O que temos feito � organizar o banco n�o mais na forma hier�rquica tradicional, mas sim no que a gente chama de comunidades e squads. S�o agrupadas pessoas de v�rias expertises - uma pessoa de produto, uma pessoa do comercial, de atendimento ao cliente, da �rea de tecnologia, uma pessoa, da �rea, de sei l�, tributa��o, se for o caso. Todos eles trabalhando juntos, o que torna os processos muito mais r�pidos.

Quando o sr. busca um executivo, que tipo de qualidade procura nele hoje?

Eu sempre falo assim: todo mundo que fez uma faculdade de primeira linha vai chegar no banco a gerente, superintendente, caso se dedique minimamente. A partir dessa ger�ncia m�dia, s�o necess�rias muitas qualidades, chamadas de soft skills, para subir: capacidade de lideran�a, motiva��o, intera��o com as pessoas, � um elemento muito mais humano do que t�cnico. N�o basta conhecer profundamente algum tema se voc�, num banco como este, onde precisa interagir permanentemente com as pessoas, n�o tiver capacidade de comunica��o, de intera��o, de criar empatia com as pessoas. Voc� n�o vai progredir, porque n�o consegue realizar coisas. A sua capacidade de realiza��o estar� muito ligada � sua capacidade de liderar, motivar, de fazer todo mundo trabalhar naquele objetivo que voc� est� propondo. Ent�o, esse � um elemento fundamental, na minha forma de ver, e de import�ncia crescente.

O sr. j� foi presidente executivo, agora est� como copresidente do conselho (ao lado de Pedro Moreira Salles). O que vem pela frente? Qual � o pr�ximo passo para quem j� fez tudo?

Primeiro, eu estou muito satisfeito, feliz com o banco, com o que estamos vendo aqui dentro, as transforma��es em andamento. No meu caso e no do Pedro, n�s nos entendemos muito bem. Somos muito complementares. � uma intera��o muito agrad�vel, muito positiva, muito construtiva, ele me ouve, eu o ou�o. Ent�o, estou muito confiante com o banco. �bvio que eu vou continuar ainda v�rios anos como presidente do conselho do banco. Quero contribuir pra isso, para que as coisas caminhem bem. N�o tenho nenhuma outra ambi��o profissional. Acho que eu j� tive uma vida profissional de muitas conquistas, muitas realiza��es. Hoje eu penso muito mais na minha vida pessoal, cuidar desse meu lado, que praticamente n�o tive durante o per�odo em que fui presidente do banco, porque a agenda de um CEO do Ita� � extenuante, exigente, voc� n�o tem muito tempo para voc� mesmo. Eu olho hoje muito mais sob essa �tica. Obviamente hoje, como presidente do conselho, tenho uma agenda muito menos intensa do que eu j� tive, posso olhar outras coisas, outros interesses. Minha busca agora � uma realiza��o muito mais pessoal.

O que, por exemplo, o sr. faz hoje e n�o conseguia fazer antes?

Eu leio mais, eu viajo mais. Me casei de novo recentemente. Enfim, s�o coisas que a vida agora me permite.


As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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