
Com a conta de luz nas alturas e a bandeira tarif�ria acionada durante a maior parte de 2021 devido � forte seca que se abateu sobre o pa�s no ano passado, o empres�rio Fredy Rodrigues, dono de duas padarias em Santos, no litoral de S�o Paulo, procurava uma forma de reduzir seu gasto com energia el�trica.
"Fizemos o or�amento para instala��o de placas solares no telhado. Mas nosso im�vel n�o � pr�prio e o investimento seria muito alto", lembra Rodrigues.
Diante do custo do p�ozinho e do aluguel pressionados pela infla��o, e de receitas em queda, devido �s universidades e pr�dios comerciais fechados em meio � pandemia, ele ent�o conheceu a energia solar por assinatura.
Com o servi�o, tem economizado em m�dia 12% ao m�s na conta de luz.
"Uma conta de luz de padaria vai de R$ 12 mil a R$ 20 mil por m�s. No ver�o, temos que ligar todos os aparelhos de ar condicionado da loja. No inverno, o forno trabalha mais, ent�o a gente usa muita eletricidade", explica o empres�rio.
"Com uma economia de 10% a 15%, s�o menos R$ 2 mil por m�s de gasto. No ano, estamos falando em R$ 48 mil de economia e usando uma energia limpa. J� falei com a �rea de marketing da empresa para fazermos essa propaganda, porque estamos no meio de tr�s universidades e a molecada mais nova tem um olhar diferente para isso."
As padarias de Fredy fazem parte de um grupo ainda pequeno, mas que cresce ano a ano.
Em mar�o deste ano, o Brasil somava 5.635 unidades consumidoras atendidas pela gera��o solar compartilhada, uma modalidade que se tornou poss�vel no Brasil em 2015.
Naquele primeiro ano, eram 45 consumidores usando o modelo. Dois anos depois, 376. O n�mero subiu para mais de 1.500 consumidores em 2019 e superou os 5.000 em 2021, com 1.610 unidades geradoras produzindo energia atualmente para atender esse mercado crescente.
Gera��o solar compartilhada
"A gera��o compartilhada foi criada em 2015, quando a Aneel [Ag�ncia Nacional de Energia El�trica] percebeu que a gera��o solar no Brasil n�o estava crescendo no ritmo que poderia, dado o potencial que a gente tem", afirma Guilherme Susteras, coordenador do grupo de trabalho de gera��o distribu�da da Absolar, associa��o que representa o setor.
"Um dos gargalos identificados � �poca era que 75% das unidades consumidoras n�o tinham capacidade t�cnica para receber sistemas de gera��o fotovoltaica. Estamos falando de gente que mora em apartamento, da estrutura dos telhados brasileiros e do fato de que boa parte das pessoas e dos pequenos neg�cios ocupam im�veis alugados."
A experi�ncia internacional serviu de modelo para o sistema brasileiro de gera��o compartilhada.
Com in�cio na Alemanha, tendo depois se espalhando pela Europa e Estados Unidos, o modelo de "comunidades solares" se baseava em cooperativas ou cons�rcios de consumidores, que juntos viabilizavam a instala��o de pequenas usinas, compartilhando da energia produzida, mesmo que distante do local de consumo.
Algumas empresas viram na mudan�a regulat�ria, que criou no Brasil a modalidade de gera��o remota, uma oportunidade para oferecer um novo servi�o no pa�s: a energia solar por assinatura.
'Netflix' da conta de luz
Foi o caso, por exemplo, da Sun Mobi, empresa criada em 2016 para atuar no segmento, que atende atualmente 300 clientes em 27 munic�pios do Estado de S�o Paulo.
"Surgiu a possibilidade de colocarmos a fazenda solar em uma �rea. Ela gera energia para a distribuidora e essa energia � vendida na forma de cr�ditos, que podem ser abatidos em qualquer conta de luz, desde que na mesma �rea de concess�o da distribuidora", explica Alexandre Bueno, um dos s�cios da empresa.

Por exemplo, uma resid�ncia com consumo m�dio mensal de 200 quilowatt-hora por m�s (kWh/m�s) na �rea de concess�o da Cemig, distribuidora que atua em Minas Gerais, compra cr�ditos de uma empresa de energia solar por assinatura que atue tamb�m na �rea da Cemig.
A empresa contratada "injeta" na rede a energia solar gerada e os cr�ditos s�o abatidos da conta do consumidor. No modelo, o consumidor fica livre da bandeira tarif�ria — um benef�cio estabelecido pela Aneel para estimular a produ��o de energia limpa pr�ximo aos locais de consumo.
E, em geral, negocia a energia a um valor vantajoso, em rela��o �quela comprada da distribuidora, contando tamb�m com reajustes previs�veis, conforme o contrato acertado.
"� como se o cliente tivesse um 'painel virtual', em vez de colocar o painel na edifica��o dele, ele usufrui da gera��o da usina de forma remota e a distribuidora faz a compensa��o", diz Bueno.
"Da� pensamos numa forma de adaptar esse modelo � realidade do consumidor, que hoje assina Netflix, Disney, HBO, de uma forma muito flex�vel. Ele paga enquanto usufrui do servi�o; se n�o quer mais, cancela a assinatura sem custo; e tamb�m n�o paga nada para entrar. Ent�o nesse modelo o cliente n�o investe nada e passa a usufruir da gera��o da usina de forma praticamente instant�nea, em no m�ximo 60 dias", afirma.
"Estamos trazendo o modelo do streaming para o mercado de energia."

Segundo a Absolar, cerca de 20 empresas atuam nesse mercado atualmente no Brasil, sendo Minas Gerais o Estado com a presen�a mais forte da gera��o distribu�da, que inclui outros modelos de neg�cios, al�m do por assinatura.
Al�m de possibilitar o acesso � energia solar para quem mora de aluguel, em apartamentos ou im�veis com telhados inadequados, o servi�o de assinatura tamb�m dispensa o consumidor dos custos com investimento e manuten��o dos pain�is.
A associa��o do setor estima que o investimento t�pico � de cerca de R$ 15 mil a R$ 20 mil para suprir com energia solar o consumo el�trico de uma fam�lia de quatro pessoas, o que em geral leva entre 4 e 6 anos para se pagar, com a economia gerada na conta de luz.
Um mercado que engatinha, mas com grande potencial
A gera��o de energia solar � bastante recente no Brasil.
Havia poucos projetos no pa�s at� 2014, quando foi realizado pelo governo federal o primeiro leil�o de energia com a participa��o da fonte solar fotovoltaica.
Nos leil�es, as usinas vendem contratos de energia para as distribuidoras, como Enel, Cemig, Light, e essa venda viabiliza a constru��o dos empreendimentos. � o chamado modelo de gera��o centralizada, cujas primeiras usinas entraram em opera��o a partir de 2017.
Entre 2015 e 2016, a Aneel criou o modelo de gera��o distribu�da, em que a produ��o � feita n�o em grandes usinas, mas em pequenas unidades geradoras, com capacidade de at� 5 MW (megawatts), na pr�pria unidade consumidora ou em algum local pr�ximo.
Desde 2020, a gera��o distribu�da passou a representar a maior parcela da gera��o solar fotovoltaica no Brasil, representando 67% da capacidade instalada brasileira em mar�o de 2022.

No ano passado, o Brasil foi o quarto pa�s que mais cresceu em capacidade de produ��o de energia solar fotovoltaica, com 5,7 GW (gigawatts) adicionados, atr�s apenas de China, EUA e �ndia, segundo levantamento da Ag�ncia Internacional de Energias Renov�veis (Irena, na sigla em ingl�s).
O pa�s � atualmente o 13º do mundo em capacidade instalada acumulada para essa energia, com perspectiva de adentrar o Top 10 nos pr�ximos anos.
Apesar desse crescimento, a solar ainda representava apenas 1,7% da matriz el�trica brasileira em 2020, segundo o Balan�o Energ�tico Nacional 2021 da EPE (Empresa de Pesquisa Energ�tica).
Para Susteras, da Absolar, um dos fatores que explica a participa��o ainda pequena da fonte solar na matriz el�trica brasileira � o fato de o Brasil ter entrado mais tarde do que outros pa�ses no segmento.
O pa�s tamb�m passou anos sem um marco regulat�rio para o setor, diz o representante, o que na avalia��o dele foi resolvido neste ano com a aprova��o da Lei 14.300/22, que instituiu o marco legal da microgera��o e minigera��o distribu�da.
"Com seguran�a jur�dica, o mercado de capitais deve se sentir mais confort�vel para financiar projetos", diz o coordenador.
"Como toda nova tecnologia, h� uma curva natural de ado��o ao longo do tempo. E, � medida que o custo vai caindo e a tarifa de energia vai subindo, a tecnologia se torna cada vez mais atrativa."
Historicamente, um dos principais gargalos para o desenvolvimento da gera��o solar no Brasil era o fato de que a maior parte dos equipamentos utilizados s�o importados e tem, portanto, custo em d�lares.
Susteras observa, por�m, que � medida que o mercado ganha escala, o custo da tecnologia vem caindo entre 10% a 15% ao ano. Al�m disso, o mercado local tem se tornado mais especializado, ampliando a oferta de servi�os.
Assim, o especialista v� grande potencial para o avan�o da gera��o solar distribu�da no Brasil e tamb�m dos servi�os por assinatura voltados para consumidores residenciais e pequenas empresas.
"Esse mercado mal come�ou, a verdade � essa. Se considerarmos que 75% das pessoas que querem ter energia solar n�o t�m por restri��es f�sicas [de seus im�veis], temos uma ideia do quanto esse mercado pode crescer, porque esse � um mercado que n�o tem restri��o — a n�o ser aquela geogr�fica [de o prestador de servi�o estar na mesma �rea da distribuidora que atende o consumidor]", diz Susteras.
"A energia solar pode ser muito democr�tica no Brasil. Tem muita gente que ainda nem ouviu falar, que nem sabe que j� poderia ter, mas que vai descobrir aos poucos. � quest�o de tempo."
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