
"Cara, nem sei falar como estou. Agora, um pouco melhor. Mas, quando aconteceu mesmo, eu ca� no ch�o."
Esse � o relato de Ant�nio* (nome fict�cio), um dos brasileiros que perderam suas economias ao investir na corretora de criptomoedas FTX.
No m�s passado, a empresa pediu abertura do processo de fal�ncia nos Estados Unidos.
A quebra da FTX, at� ent�o a segunda maior do mercado de criptomoedas, fez desaparecer algo estimado entre US$ 1 bilh�o e US$ 2 bilh�es que pertenciam a seus clientes - de v�rios lugares do mundo - e detonou uma nova crise de confian�a sobre as moedas virtuais.
A companhia chegou a ser avaliada em US$ 32 bilh�es em valor de mercado e tinha 1,2 milh�o de usu�rios registrados.
Nos �ltimos anos, brasileiros t�m mergulhado no universo de bitcoin e de outras criptomoedas menos conhecidas como uma alternativa de investimentos. O pa�s � o s�timo em ado��o de ativos virtuais, segundo levantamento recente da plataforma de dados Chainalysis.
Ant�nio � chef de cozinha em Santa Catarina. Ele contou � BBC News Brasil que economizou por quase 6 anos para conseguir comprar uma casa. Mais tarde, vendeu o im�vel para aplicar em criptomoedas.
Atra�do pelo "boca-a-boca" na internet sobre a ascens�o da FTX como player no mercado de criptos, ele decidiu transferir seus fundos de uma outra corretora para l�. Ant�nio estima que tinha ao redor de US$ 50 mil (aproximadamente R$ 260 mil).
A FTX funcionava como uma bolsa para transa��es entre diferentes criptomoedas (por exemplo, bitcoin e ethereum, as duas divisas virtuais mais populares entre as milhares existentes) ou para converter dinheiro convencional em criptos (e vice-versa).
Como no mercado financeiro tradicional, havia tamb�m a possibilidade de realizar modalidades mais agressivas de investimento. "Estava bem confiante de que [a cota��o] iria subir e assim fazia uns "swing trades", diz Ant�nio, referindo-se � negocia��o de curto e m�dio prazo que aposta na forte oscila��o que caracteriza os criptoativos.
Quando os rumores de que a empresa americana n�o teria capacidade para honrar seus compromissos come�aram a ficar mais fortes, ele correu para retirar suas economias. Mas era tarde.
"Tentei transferir o dinheiro. Recebi o e-mail de transfer�ncia da FTX, mas nada foi transferido. Nada se concluiu. A� o desespero pegou, n�? Meu Deus... nem � bom eu pensar de novo. N�o foi f�cil", diz Ant�nio.
"Era tudo que tinha. Fiquei no zero."
Um preju�zo de R$ 1 milh�o

O ga�cho Andr� Fauth est� em contato com o universo de criptomoedas desde 2014, quando comprou sua primeira bitcoin. Hoje, tem um canal no YouTube sobre o tema e � um defensor ferrenho dos ativos virtuais como futuro das finan�as.
Ele relata que perdeu o equivalente a R$ 1 milh�o em investimentos na FTX.
"Felizmente n�o � todo meu patrim�nio, mas � uma parte expressiva dele. Vai fazer falta sim. Minha ideia era usar esse dinheiro aplicado em im�veis e fazer outros investimentos nos pr�ximos anos. Esses sonhos eu vou ter que deixar para depois", afirma.
"Realmente foi um baque para mim. Eu demorei para aceitar, para acreditar que isso tinha acontecido. �s vezes eu acordava de manh� e pensava '� um sonho? � um pesadelo? � real?'."
Como youtuber e influencer de criptomoedas, Fauth diz que recebeu "mensagens muito negativas" de parte de seu p�blico ap�s a quebra da FTX.
"Teve gente que falou para mim: 'Voc� � especialista em criptomoedas e perde R$ 1 milh�o?'. Mas n�o tem como botar a culpa em mim. Teria sido minha culpa se eu tivesse feito uma opera��o que deu preju�zo de R$ 1 milh�o. Mas eu tive o dinheiro roubado. Foi algo diferente, fora do meu controle", afirma.
Fauth diz que, mesmo com a perda expressiva registrada na FTX, ele mant�m a confian�a nas criptomoedas como conceito. "Isso n�o muda em nada como enxergo a bitcoin, principalmente, e as outras criptomoedas."
"A gente n�o desconfia at� de fato chegar a realidade. A apar�ncia do grupo FTX era de algo forte, s�lido. Eles resgatavam outras empresas do mercado que estavam falindo. A FTX tinha um valor de mercado de R$ 32 bilh�es, eu nunca ia imaginar que havia risco para o dinheiro l�. A FTX aparecia na m�dia, dava nome para arena de esportes nos EUA e patrocinava equipe de F�rmula 1. O que ocorreu foi uma fraude."

Outro brasileiro que perdeu dinheiro na FTX, o gestor de projetos web N�lio Castro disse que confiou na corretora porque "estava listada entre as tr�s maiores do mundo. Havia diversas recomenda��es de experts. Al�m disso, a interface era muito boa de opera��o. As taxas eram zero para opera��es com ethereum e bitcoin. E as transa��es l� eram muito r�pidas. A tecnologia era impressionante".
Ele afirma que perdeu US$ 10 mil (aproximadamente R$ 52 mil) e que ficou "muito impactado psicologicamente". "Essa era uma grana que iria usar para pagar a escola de minha filha antecipada o ano todo e tamb�m ajudar na troca de meu ve�culo. � dificil demais tomar uma perda dessa de uma empresa em que voc� tinha total confian�a e que o mercado apontava como positiva."
Investidores brasileiros que conversaram com a BBC News Brasil se mostraram c�ticos sobre paticipar de a��es legais para tentar reaver o dinheiro perdido na FTX — os custos com advogados para um processo na Justi�a americana n�o compensariam todo o percurso.
Mas o empres�rio brasileiro Ray Nasser, da mineradora de criptomoedas Arthur Mining, pretende representar fundos e investidores brasileiros e latino-americanos que perderam mais de US$ 100 mil, em um total de US$ 35 milh�es de preju�zos somados, segundo o site Bloomberg L�nea. A a��o seria apresentada na Justi�a do Estado da Fl�rida.
Fauth diz que ainda avalia se far� parte do grupo.
A BBC News Brasil enviou um e-mail para o departamento de comunica��o da FTX para saber se haveria algum tipo de plano de compensa��o para investidores brasileiros, mas n�o obteve resposta.
Como a FTX convenceu 1 milh�o de pessoas e depois quebrou

A ascens�o da FTX, que rompeu a bolha da comunidade cripto e ganhava for�a como uma plataforma grande no mundo dos investimentos, se bancou bastante em cima do carisma de seu diretor-executivo (CEO) e fundador, Sam Bankman-Fried, de 30 anos.
Filho de dois professores da prestigiada Universidade Stanford, nos Estados Unidos, SBF, como era mais conhecido, foi aluno do tamb�m prestigiado Massachusetts Institute of Technology (MIT) e construiu uma imagem de "garoto de ouro" que poderia representar o futuro do mercado financeiro.
SBF entrou na lista 30 Under 30 da revista Forbes das 30 pessoas mais bem-sucedidas que t�m menos de 30 anos. Tamb�m associava sua persona ao movimento do "altru�smo eficaz", com o objetivo de "descobrir o que podem fazer na pr�tica com suas vidas para ter o maior impacto positivo poss�vel no mundo", segundo disse em entrevista � BBC.
A FTX conseguiu chegar a mais de 1 milh�o de usu�rios registrados em sua plataforma tamb�m com a ajuda de nomes influentes como o ex-casal Tom Brady e Gisele B�ndchen, o jogador de basquete Stephen Curry e a tenista Naomi Osaka como seus garotos-propaganda.
No entanto, d�vidas sobre a estabilidade financeira desse imp�rio come�aram a surgir. O site CoinDesk afirmou que havia evid�ncias de que outro empreendimento de Bankman-Fried, a Alameda Research, era financiado por uma moeda criada pelo grupo FTX, e n�o por um ativo independente e que garantiria a confiabilidade do neg�cio.
O jornal Wall Street Journal ent�o publicou que essa empresa-irm� do grupo usava os dep�sitos de clientes da FTX para empr�stimos. O come�o do fim veio quando o chefe da Binance, que � a principal concorrente da FTX, disse que venderia suas participa��es na empresa "por conta das recentes revela��es".
Isso desencadeou p�nico geral, com investidores em uma corrida desesnfreada para retirar seus fundos da corretora de criptomoedas.
Bankman-Fried deixou o cargo de diretor-executivo da empresa, que iniciou um processo de recupera��o judicial no m�s passado, e dever� ser investigado por suas a��es.
Na segunda-feira, 12 de dezembro, autoridades das Bahamas anunciaram a deten��o de Sam Bankman-Fried naquele pa�s.
A informa��o foi posteriormente confirmada pela receita federal dos Estados Unidos, que n�o informou entretanto quais acusa��es pesam sobre ele.
"Esperamos poder anunciar os termos da acusa��o na manh� de ter�a, quando daremos maiores informa��es", disse a receita americana em uma postagem no Twitter.
Segundo a Reuters, a nota da receita federal das Bahamas esclarece que a deten��o de Bankman-Fried havia sido feita como "resultado da notifica��o recebida e do material enviado" e acrescenta que o investidor "ser� mantido em cust�dia policial de acordo com as leis de extradi��o de nosso pa�s".
Nos EUA e em outros pa�ses do mundo s�o discutidos meios para regular a circula��o de ativos virtuais — algo extremamente combatido pelos partid�rios das criptos, que veem com desconfian�a interfer�ncia estatal — e garantir mais seguran�a para clientes.
Lei no Brasil
H� cerca de 10 dias foi aprovado na C�mara, depois de passar pelo Senado, o projeto que estipula diretrizes para regular servi�os que envolvem criptomoedas no Brasil. O marco regulat�rio segue agora para san��o presidencial.
Mas o Banco Central n�o ficou estabelecido explicitamente como �rg�o regulamentador, por ser uma proposta de iniciativa parlamentar. A Comiss�o de Valores Mobili�rios tamb�m poder� assumir esse papel.
Um dos principais pontos do projeto � que companhias que fazem neg�cios com criptomoedas no Brasil precisam ter sede no pa�s. As empresas que j� atuam aqui ter�o seis meses de prazo para adequa��o.
Mas ficou de fora do texto final um item apontado por especialistas como importante para dar mais seguran�a a investidores de ativos virtuais: a segrega��o patrimonial. Essa regra impediria que recursos de clientes e das operadoras se misturassem.
Em caso de fal�ncia de uma empresa, a segrega��o patrimonial poderia permitir que houvesse devolu��o dos fundos para os clientes e tamb�m dificultaria golpes estilo pir�mide financeira com criptos.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63867945