Cédulas de real

Sob Lula, sal�rio m�nimo volta a ter ganho real, mas ainda compra menos cestas b�sicas do que em 2018

Marcello Casal Jr./Ag�ncia Brasil

O novo sal�rio m�nimo de R$ 1.320 come�ou a valer nesta segunda-feira (01/05), representando uma alta de 1,4% ou R$ 18 em rela��o ao valor de R$ 1.302 que vigorava desde 1º de janeiro.

O reajuste acima da infla��o havia sido uma das promessas de campanha do presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT), que com isso retoma a valoriza��o do piso salarial, uma das marcas dos seus dois primeiros mandatos.

Mas quanto o sal�rio m�nimo se valorizou em cada governo, desde o fim da hiperinfla��o com a aprova��o do Plano Real?

E qual o impacto do reajuste desse ano e do esperado para 2024 para as contas do governo?

Perguntamos aos economistas Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Getulio Vargas), e Vilma Pinto, diretora da IFI (Institui��o Fiscal Independente) do Senado Federal.

Quanto o sal�rio m�nimo valorizou em cada governo

Tabela mostra valorização do salário mínimo nos diferentes governos, de FHC a Lula 3

Tabela mostra valoriza��o do sal�rio m�nimo nos diferentes governos, de FHC a Lula 3

BBC

 

Quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) assumiu a Presid�ncia em 1995, o sal�rio m�nimo valia R$ 70 e chegaria a R$ 240 no fim do seu segundo mandato, em 2002.

 

Sob Lula, foi de R$ 240 a R$ 545 em oito anos, entre 2003 e 2010. Sob Dilma Rousseff (PT), passou de R$ 622 a R$ 880, nos seus pouco mais de cinco anos de mandato, interrompidos pelo impeachment.

Michel Temer (MDB) assumiu o governo com o m�nimo a R$ 880 e entregou a R$ 954. Enquanto sob Jair Bolsonaro (PL), o valor foi de R$ 998 a R$ 1.212.

Agora, sob o terceiro mandato de Lula, o m�nimo come�ou janeiro em R$ 1.302 e passou a R$ 1.320 em maio.

Mas, para avaliar quanto o m�nimo se valorizou em cada governo, n�o basta olhar para os valores nominais. � preciso descontar a infla��o de cada per�odo.

Para fazer esse c�lculo, Daniel Duque, da FGV, deflacionou os valores do sal�rio m�nimo pelo IPCA, �ndice oficial de infla��o do pa�s.


Lula, Dilma e FHC em foto de arquivo

Sal�rio m�nimo se valorizou sob FHC, Lula e Dilma, em diferentes n�veis

Roberto Stuckert Filho / Presid�ncia

E o que os dados mostram � que o m�nimo se valorizou 30,5% no primeiro mandato de FHC e 7,3% no segundo, totalizando uma valoriza��o real de 40% nos oito anos do tucano.

Lula registrou a maior valoriza��o entre os presidentes que governaram o pa�s ap�s a hiperinfla��o. No seu primeiro mandato, a valoriza��o do m�nimo foi de 38,3% e no segundo, de 17,4%, totalizando 62,4% de ganhos acima da infla��o em oito anos.

No governo Dilma, com o crescimento do pa�s perdendo f�lego, os ganhos reais do sal�rio m�nimo tamb�m perderam for�a: foram de 12,4% no primeiro mandato da petista e 5,5% no segundo, somando 18,5% em seus pouco mais de cinco anos na presid�ncia, at� o impeachment.

Sob Temer e Bolsonaro, o pa�s abandonou a pol�tica de valoriza��o real do m�nimo, passando a reajustar o sal�rio base apenas pela infla��o.

Com isso o piso estagnou, registrando varia��o negativa de 0,2% nos pouco mais de dois anos de gest�o do emedebista e desvaloriza��o real de 1,2% durante os quatro anos de Bolsonaro.

Agora, com os dois reajustes j� anunciados por Lula em 2023, o m�nimo voltou a ter ganho real: de 6,1% at� maio, considerando a infla��o projetada para o m�s atual no boletim Focus.

Poder de compra em rela��o � cesta b�sica

 

Uma outra forma de avaliar o que aconteceu com o sal�rio m�nimo em cada governo � ver o poder de compra do piso em rela��o � cesta b�sica.

 

Utilizando o valor da cesta b�sica de S�o Paulo calculado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estat�stica e Estudos Socioecon�micos), Duque encontra que o poder de compra do sal�rio m�nimo cresceu 57,4% nos dois mandatos de FHC; 52,7% sob os oito anos de Lula; apenas 3,4% nos governos Dilma; 1,7% sob Temer; despencando 24,3% durante os quatro anos de governo Bolsonaro, em meio � forte alta do pre�o dos alimentos no per�odo.

Com os reajustes anunciados por Lula, e diante do valor esperado para a cesta b�sica em abril e maio, o poder de compra do m�nimo em rela��o � cesta b�sica volta a crescer este ano, em 10,4%.

Ainda assim, o sal�rio m�nimo de R$ 1.320 s� compra atualmente cerca de 1,6 cesta b�sica, ainda abaixo das 2,2 cestas que eram poss�veis comprar com o m�nimo em agosto de 2018, ponto mais alto do poder de compra do piso em rela��o � cesta b�sica, registrado durante o governo Temer.


Gráfico de linha mostrando a quantidade de cestas básicas que um salário mínimo compra ao longo do tempo

Gr�fico de linha mostrando a quantidade de cestas b�sicas que um sal�rio m�nimo compra ao longo do tempo

BBC

O que aconteceu em cada governo

"A pol�tica de valoriza��o do sal�rio m�nimo sempre teve basicamente dois vetores, que s�o muito entrela�ados: a situa��o econ�mica e a situa��o fiscal do pa�s", observa Duque.

O economista lembra que, no primeiro mandato de FHC, houve uma combina��o de bom crescimento econ�mico, com infla��o sob controle. O sal�rio m�nimo tamb�m estava muito subvalorizado, ap�s 20 anos de infla��o alta e reajustes n�o proporcionais.

"Havia bastante espa�o para fazer o reajuste, e o real supervalorizado contribuiu para uma menor infla��o de alimentos, o que tamb�m aumentou o poder de compra do sal�rio", afirma.

J� no segundo governo FHC, o cen�rio se complica, com crescimento menor e piora da situa��o das contas p�blicas. Em 1999, � implantado o chamado Trip� Macroecon�mico – conjunto de medidas que combinava c�mbio flutuante, metas de infla��o e metas fiscais.

"O maior controle fiscal pressionou para n�o haver tanto reajustes do m�nimo [j� que o sal�rio base serve de refer�ncia para gastos p�blicos como aposentadorias, benef�cios sociais e sal�rios do funcionalismo]. N�o houve perda real, mas tamb�m n�o houve grande valoriza��o no per�odo", diz Duque.

Num cen�rio de retomada do crescimento econ�mico, Lula realiza em seu primeiro mandato a maior valoriza��o do m�nimo do per�odo p�s-Plano Real.

Em 2007, essa pol�tica de valoriza��o � consolidada em uma regra, que previa a corre��o anual do m�nimo pela varia��o da infla��o do ano anterior, mais o crescimento do PIB de dois anos antes. Essa regra viraria lei em 2011.

Mesmo assim, no segundo mandato de Lula, a valoriza��o perde um pouco de for�a.

"O governo Dilma mant�m a mesma pol�tica de valoriza��o, mas num cen�rio de crescimento menor, que resulta em reajustes do m�nimo mais baixos", observa Duque.


Temer passando a faixa presidencial a Bolsonaro

Sob Temer e Bolsonaro, num cen�rio de restri��es fiscais, a pol�tica de valoriza��o do m�nimo � abandonada

Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil

Sob Temer e Bolsonaro, num cen�rio de restri��es fiscais, a pol�tica de valoriza��o do m�nimo � abandonada e os reajustes passam a ser feitos apenas pela infla��o.

Soma-se a isso, no governo Bolsonaro, uma forte alta da infla��o de alimentos – impactados pela pandemia, quebras de safra por quest�es clim�ticas e a guerra da Ucr�nia – que prejudicou ainda mais o poder de compra do sal�rio m�nimo em rela��o � cesta b�sica.

Com a volta da valoriza��o, Duque destaca a import�ncia do sal�rio b�sico.

"O sal�rio m�nimo foi bastante respons�vel por reduzir a desigualdade de renda no pa�s entre 1995 a 2015", observa o economista.

"Houve efeito importante tamb�m no combate � pobreza, devido principalmente aos benef�cios atrelados a esse valor."

Segundo o Dieese, o Brasil tem 60,3 milh�es de pessoas com rendimento referenciado no sal�rio m�nimo, sendo 24,8 milh�es de benefici�rios do INSS e 18,4 milh�es de empregados, entre outros grupos.

O m�nimo tamb�m impacta trabalhadores sem carteira e por conta pr�pria, j� que serve de refer�ncia para toda a economia.

Impacto do reajuste do m�nimo nas contas p�blicas

Apesar desses efeitos positivos, a valoriza��o do m�nimo tem um custo.

Segundo c�lculo do governo, cada R$ 1 de aumento do sal�rio m�nimo impacta em R$ 368,5 milh�es por ano as contas p�blicas.

Assim, a alta de R$ 18 que passa a valer agora em maio deve gerar um impacto de R$ 4,5 bilh�es nas contas do governo entre maio e dezembro deste ano.

Para 2024, o governo enviou o projeto da Lei de Diretrizes Or�ament�rias (PLDO) com uma previs�o de sal�rio m�nimo de R$ 1.389, que considerava apenas o reajuste pela infla��o.


Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad

'Meta de zerar o d�ficit no pr�ximo ano n�o � compat�vel com a estrutura atual de receitas e despesas do governo', diz diretora da IFI

Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil

Mas, segundo o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, o governo deve apresentar um projeto de lei ao Congresso retomando a pol�tica de valoriza��o real que vigorou nos governos petistas anteriores.

Caso a regra seja retomada, o m�nimo iria R$ 1.429 em 2024, gerando um custo de R$ 14,7 bilh�es adicionais para as contas do governo no pr�ximo ano.

Al�m disso, o governo somente at� maio j� aumentou o valor do Bolsa Fam�lia, reajustou os sal�rios do funcionalismo p�blico em 9% e anunciou o aumento da faixa de isen��o do Imposto de Renda para R$ 2.640.

Diante de tudo isso, os analistas veem com descren�a a promessa do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de zerar o d�ficit prim�rio j� em 2024.

O resultado prim�rio � a diferen�a entre receitas e despesas do governo e o d�ficit acontece quando esse resultado est� no negativo.

"A meta de zerar o d�ficit no pr�ximo ano n�o � compat�vel com a estrutura atual de receitas e despesas do governo", considera Vilma Pinto, diretora da IFI.

Assim, o governo vai ter que cortar gastos ou aumentar a arrecada��o para reequilibraras contas p�blicas.

"O governo tem sinalizado que isso deve acontecer pelo lado das receitas [isto �, com maior arrecada��o], mas a grande quest�o � que n�o pode ser uma receita n�o recorrente, tem que ser algo que gere efeito de m�dio prazo, para que haja impacto na sustentabilidade das contas p�blicas", explica a economista.

"Como nossa d�vida j� est� em n�vel elevado, se n�o conseguirmos gerar resultado que fa�a ela ficar est�vel, isso mexe na expectativa dos agentes e aumenta o risco fiscal. Isso tem consequ�ncias para a atividade econ�mica, com efeitos na infla��o e na taxa de desemprego."

Ou seja, se o desequil�brio das contas p�blicas continuar, o benef�cio do reajuste do sal�rio m�nimo acima da infla��o poder� ser corro�do por uma acelera��o dos pre�os e por menor gera��o de empregos.