Elizabeth Accioly, doutora pela Faculdade de Direito da USP é professora associada da Universidade Europeia de Lisboa.

Elizabeth Accioly, doutora pela Faculdade de Direito da USP � professora associada da Universidade Europeia de Lisboa.

(Vicente Nunes/CB/D.A Press)

Lisboa — Uma das maiores autoridades quando o assunto � o acordo entre o Mercosul e a Uni�o Europeia, que vem sendo negociado h� mais de duas d�cadas, a advogada Elizabeth Accioly, doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de S�o Paulo (USP) e professora associada da Universidade Europeia de Lisboa, v� com enorme preocupa��o a possibilidade de vit�ria do candidato de extrema direita, Javier Milei, � Presid�ncia da Argentina. Para ela, a elei��o do radical ser� uma resposta ao descontentamento da popula��o, especialmente a mais jovem, com os consecutivos erros de pol�ticas econ�micas e a falta de perspectivas para o futuro. Milei j� disse que, se vitorioso, tirar� a Argentina do Mercosul, bloco que re�ne, al�m do pa�s, Brasil, Uruguai e Paraguai.

"Os extremos est�o ganhando espa�o porque os demais partidos n�o conseguem apresentar algo que mude a percep��o de que tudo est� errado. Todos querem algo novo, porque, quando olham para o futuro, n�o veem nada que lhes d� esperan�a. No Brasil, a situa��o tamb�m est� dif�cil, a pobreza voltou, muitas pessoas est�o vivendo nas ruas", afirma a professora. No entender dela, esse descontentamento � um fen�meno mundial, decorrente da falta de lideran�as capazes de se contraporem ao radicalismo. "Tanto a Am�rica do Sul quanto a Uni�o Europeia se ressentem da falta de lideran�as. Com isso, os extremos ganham espa�o."

Muitos apostavam que, com a Espanha na presid�ncia tempor�ria da Uni�o Europeia, o acordo com o Mercosul fosse, finalmente, fechado. Mas tamb�m as turbul�ncias pol�ticas naquele pa�s e as posi��es contr�rias de Irlanda e Fran�a ao acordo, por causa de quest�es agr�colas, se impuseram no meio do caminho e frearam poss�veis avan�os. "Agora, h� a elei��o na Argentina e, no ano que vem, ocorrer�o as elei��es para o Parlamento Europeu, em que a segunda for�a poder� ser a ultradireita. Os ocupantes das principais cadeiras v�o mudar e tudo recome�ar� de novo", diz a professora, admitindo, por�m, ter esperan�a de que os dois blocos, em algum momento, se acertem. Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista ao Correio Braziliense.

H� risco de o candidato de extrema direita Javier Milei ser eleito no primeiro turno na Argentina?

Eu acho que sim, sobretudo por causa dos jovens. Creio que a juventude est� ficando cansada de tantas promessas n�o cumpridas e de consecutivos erros em pol�ticas econ�micas. Mas n�o � s� na Argentina que vemos esse movimento. Temos de olhar para o mundo, que est� mudando como um todo. Os extremos est�o ganhando espa�o porque os demais partidos n�o conseguem apresentar algo que mude a percep��o de que tudo est� errado. Todos querem algo novo, porque, quando olham para o futuro, n�o veem nada que lhes d� esperan�a. No Brasil, a situa��o tamb�m est� dif�cil, a pobreza voltou, muitas pessoas est�o vivendo nas ruas.

O Brasil est� muito caro.

Sim, muito caro, e o que vemos s�o fam�lias inteiras morando nas ruas. Assim, quando olhamos para tudo isso, pensamos: como ser� o futuro? A grande preocupa��o � essa. E, na Argentina, acho que o Milei, surpreendentemente, conseguir� se eleger, porque se posiciona como o novo, com seu radicalismo, enquanto os demais candidatos prometem mais do mesmo.

Com esse discurso radical do novo, Milei j� avisou que, se eleito, tirar� a Argentina do Mercosul. Ent�o, o acordo com a Uni�o Europeia j� era?

Nunca se deve falar que j� era, porque o Mercosul foi para a UTI v�rias vezes. J� mataram o Mercosul v�rias vezes, e ele est� a� h� mais de 30 anos. O que temos de levar em conta s�o duas palavrinhas m�gicas: interesse e oportunidade. Isso vale para todos os lados, inclusive para a Uni�o Europeia. O momento � de expectativa. A previs�o de que o acordo entre o Mercosul e a UE sairia neste segundo semestre n�o se confirmar�. Agora, tem todo esse contexto na Argentina, com a ascens�o da extrema direita. N�o podemos esquecer que o Uruguai, com a vit�ria de um governo de direita, tamb�m amea�ou sair do Mercosul, mas continua no bloco. Portanto, n�s nunca podemos dizer acabou. Temos sempre esperan�a.

Havia uma grande expectativa de que, com a Espanha na presid�ncia tempor�ria da Uni�o Europeia neste segundo semestre, o acordo entre o bloco e o Mercosul sairia. Mas nada avan�ou.

� verdade, havia uma grande expectativa de que tudo j� estivesse tra�ado. O presidente Luiz In�cio Lula da Silva esteve com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sanches. E deve-se fazer justi�a: todas as vezes em que a Espanha est� na presid�ncia da Uni�o Europeia d� um impulso muito grande. Sempre tem um marco para o Mercosul. Por isso, a expectativa grande de que o acordo avan�asse. Mas, do jeito que tudo est�, inclusive com a quest�o pol�tica na Espanha, n�o vai passar mais nada neste segundo semestre. Infelizmente.

A senhora lan�ou a quinta edi��o de seu livro Mercosul e Uni�o Europeia — Estrutura Jur�dico-Institucional e, no seu discurso, disse que estava pronta para a sexta edi��o, com o fechamento do acordo entre os dois blocos. � frustrante ver que pouco se avan�ou?

Creio que acordos funcionam quando h� vontade pol�tica. Se n�o houver vontade pol�tica, nenhum acordo sai do papel. O problema � que temos 27 atores pol�ticos de um lado e quatro do outro. Tanto para o Mercosul quanto para a Uni�o Europeia um acordo comercial seria muito bom. Do lado europeu, h� a quest�o das guerras, e o bloco j� perdeu um s�cio muito importante — o Reino Unido — em termos militares, econ�micos e de for�a pol�tica dentro da pr�pria Uni�o Europeia. O Reino Unido faz parte do Conselho de Seguran�a da ONU. Agora, a UE, dos 27 pa�ses, tem s� a Fran�a no Conselho de Seguran�a. E, de repente, olha-se outra vez para o Mercosul como um celeiro alimentar e que pode render benef�cios.

Apesar da converg�ncia de interesses, como a senhora disse, o que resolve � a pol�tica. E o problema desses acordos � que sempre h� uma elei��o no meio do caminho, como, agora, na Argentina.

Usando uma express�o futebol�stica, elei��es embolam o meio de campo, e as coisas param. Tudo entra em compasso de espera at� que se saiba o resultado das urnas. A bola da vez � a Argentina. Logo que tomou posse, o presidente Lula fez uma visita ao Uruguai, que vinha negociando um acordo em separado com a China. E ele falou que, se era para fazer um acordo com a China, que fosse pelo Mercosul. O Uruguai, assim como o Paraguai, onde tamb�m as elei��es foram recentes, est� fechado com o Mercosul.

Do lado da Europa, a resist�ncia ao acordo com o Mercosul � mais evidente na Fran�a e na Irlanda, por causa das quest�es agr�colas. O risco sempre presente de uma crise alimentar por causa de guerras como a da R�ssia com a Ucr�nia pode derrubar essa resist�ncia?

Com certeza, porque, quando h� interesses maiores, pesa a posi��o supranacional. Seria importante que a Uni�o Europeia olhasse para uma regi�o que, al�m dos interesses econ�micos, converge para as quest�es dos valores. � importante tamb�m privilegiar isso, principalmente, num momento de regress�o desses valores, como a democracia. A Am�rica Latina e o Mercosul convergem para os valores que a Uni�o Europeia defende.

A regress�o que a senhora se refere � a ascens�o da extrema direita?

Exatamente. A Uni�o Europeia est� com um grau importante e preocupante de avan�o da extrema direita. Vamos ver o que acontecer� nas elei��es europeias, em junho de 2024, que ser�o o grande term�metro. � importante ressaltar que pa�ses como a Su�cia, a Finl�ndia e a It�lia optaram por essa posi��o mais radical. Uma das grandes preocupa��es � que a segunda for�a do Parlamento Europeu pode ser a extrema direita. Ser�o eurodeputados pagos pelo bloco para estarem l� contra essa uni�o, que foi o que aconteceu com o Brexit.

E contra o Mercosul.

Muito provavelmente. No pr�ximo ano, haver� mudan�as nas cadeiras na Uni�o Europeia. Mudar� a Comiss�o Europeia, que est� trabalhando com muito afinco para o acordo entre o Mercosul e a UE. Ent�o, mudar� o presidente do Conselho Europeu, mudar�o todos os dirigentes da Uni�o Europeia e, da�, come�ar� tudo de novo.

Hoje, infelizmente, n�o se v� uma lideran�a na Europa como, por exemplo, Angela Merkel.

Realmente, lideran�as fortes fazem muita falta. Quando h� uma crise, h� muitas e n�o h� nenhuma. Vemos a atual presidente da Comiss�o Europeia, Ursula von der Leyen. �s vezes, ela avan�a em alguns assuntos que n�o caem bem dentro da Uni�o Europeia. Vemos o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, que n�o tem muita proje��o. Vemos o alto representante para a Pol�tica Externa, Josep Borrell, entre aspas, o ministro dos Neg�cios Estrangeiros, que tamb�m n�o tem muita proje��o. Ou seja, s�o tr�s, mas n�o h� nenhum. Na verdade, essas pessoas que deveriam ser o rosto da Uni�o. Antes, era a chanceler da Alemanha, que � apenas mais um membro da UE, mas havia uma dire��o, um peso e algu�m respeitado dentro da Uni�o Europeia. Hoje, realmente, h� esse v�cuo, essa falta de lideran�a.

Do que se tem hoje, o acordo � favor�vel ao Mercosul e � Uni�o Europeia. � preciso fazer algum ajuste?

Em todo acordo, as duas partes t�m de ganhar e t�m de ceder em alguns pontos. Na minha opini�o, esse acordo � importante n�o s� pela parte econ�mica — s�o 750 milh�es de habitantes envolvidos —, mas tamb�m pela parte pol�tica. Unir as pontes entre a Am�rica do Sul e a Europa � muito importante.