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Estado de Minas EDUCA��O

Lei de Cotas ainda n�o cumpriu seu objetivo e precisa ser renovada em 2022, diz reitor da Zumbi dos Palmares

Regra que reservou vagas para negros, ind�genas e estudantes de escola p�blica perde a validade no pr�ximo ano


13/02/2021 06:34 - atualizado 13/02/2021 07:57


'Na hipótese de a lei não ser prorrogada, nós teríamos todas as políticas de cotas canceladas no nosso país, o que seria um absurdo, uma perda inominável', diz José Vicente, reitor e fundador da Universidade Zumbi dos Palmares(foto: Divulgação)
'Na hip�tese de a lei n�o ser prorrogada, n�s ter�amos todas as pol�ticas de cotas canceladas no nosso pa�s, o que seria um absurdo, uma perda inomin�vel', diz Jos� Vicente, reitor e fundador da Universidade Zumbi dos Palmares (foto: Divulga��o)

Criada em 2012, a Lei de Cotas das institui��es de ensino federal (Lei 12.711/2012) perder� a validade em 2022, caso n�o seja renovada pelo Congresso.

A revis�o da lei sob o governo Jair Bolsonaro (sem partido) - que � antip�tico a ela e nega o racismo como um problema estrutural do Brasil - � fator de preocupa��o para o movimento negro, que teme retrocesso numa pol�tica amplamente avaliada como bem sucedida por estudiosos da educa��o e de pol�ticas p�blicas.

Al�m disso, o processo de revis�o, previsto no artigo s�timo da pr�pria lei, deve acontecer em pleno ano eleitoral, quando a polariza��o pol�tica estar� ainda mais exacerbada.

"N�o s� temos um temor como, justamente por conta disso, j� estamos, junto com outras institui��es, criando uma grande frente de defesa da renova��o da Lei de Cotas", diz Jos� Vicente, reitor e fundador da Universidade Zumbi dos Palmares.

Soci�logo e advogado, Vicente lembra que as cotas da magistratura, do Minist�rio P�blico e do servi�o p�blico federal tamb�m est�o subordinadas � mesma legisla��o.

"Na hip�tese de a lei n�o ser prorrogada, n�s ter�amos todas as pol�ticas de cotas canceladas no nosso pa�s, o que seria um absurdo, uma perda inomin�vel, tendo em vista que as cotas n�o conseguiram dar conta ainda do que elas se propuseram", afirma o reitor.

"Dos 20% de ju�zes negros que deveriam estar preenchendo as cotas do Judici�rio, n�o chegamos ainda a 5%. Isso acontece tamb�m no Minist�rio P�blico, nos concursos federais e, mesmo na universidade, a a��o afirmativa chegou aos bancos escolares, mas ainda n�o alcan�ou o corpo docente, a estrutura de gest�o operacional do ambiente universit�rio e a ci�ncia, nas bolsas de p�s-gradua��o de mestrado e doutorado."

Vicente avalia que a conjuntura atual imp�e um desafio adicional � revis�o da pol�tica.

"Se a luta j� estava dif�cil antes, agora com Bolsonaro e companhia vai ser uma pedreira", avalia.

"A discuss�o pode perder seu car�ter t�cnico para se transformar numa bandeira pol�tica, entrando para esse ambiente de conflito e confronto. Esse � um grande risco. E a�, os negros sozinhos n�o t�m condi��o de fazer a defesa. Ser� preciso um grande concerto nacional, uma trincheira de defesa muito grande, que vai exigir esfor�o extraordin�rio."


'Discussão pode perder seu caráter técnico para se transformar numa bandeira política', diz José Vicente(foto: Getty Images)
'Discuss�o pode perder seu car�ter t�cnico para se transformar numa bandeira pol�tica', diz Jos� Vicente (foto: Getty Images)

Pandemia e a juventude negra

Vicente, de 61 anos, � ele mesmo um exemplo do papel da educa��o na ascens�o social dos negros no Brasil.

Nascido em Mar�lia, no interior paulista, numa fam�lia de seis irm�os sustentada pela m�e boia-fria, cresceu na lavoura. Vendeu lim�o e pa�oca para ajudar em casa, foi soldado da Pol�cia Militar e estudou direito para tornar-se delegado. Anos depois, de volta aos bancos escolares, no curso de sociologia, tomou contato com o movimento negro.

Dessa experi�ncia, surgiu um cursinho preparat�rio para forma��o de estudantes para entrar na USP (Universidade de S�o Paulo), que seria o embri�o da Unipalmares. Fundada em 2004, a institui��o foi inspirada pelas universidades negras americanas, onde estudou, por exemplo, a vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, egressa da Universidade Howard.

O reitor avalia que, passado quase um ano de pandemia, j� est� evidente que a crise sanit�ria afeta os estudantes de maneira distinta.

"Os negros e os estudantes negros sofreram de uma forma mais intensa os impactos da pandemia", afirma Vicente.

"Isso por dois motivos. O primeiro � que os negros, em regra, est�o nos empregos mais fragilizados, na informalidade e nas pequenas e m�dias empresas. Foi justamente nesses espa�os que a pandemia fez um 'strike', produziu um dano terr�vel. Ent�o eles foram os primeiros a ficar sem empregos e sem gera��o de renda."

O segundo ponto, avalia o reitor, � que esse p�blico, por suas limita��es econ�micas, tem mais dificuldade de ter acesso de qualidade � internet para realizar seus estudos.

"Mesmo estando em casa, eles se defrontam com diversas outras responsabilidades e limita��es, que resultam num grau de aprendizado menos efetivo. Por esse conjunto de fatores, o jovem negro acaba sendo penalizado de uma forma muito mais intensa."


'Os negros e os estudantes negros sofreram de uma forma mais intensa os impactos da pandemia', afirma Vicente(foto: Getty Images)
'Os negros e os estudantes negros sofreram de uma forma mais intensa os impactos da pandemia', afirma Vicente (foto: Getty Images)

Ensino h�brido veio para ficar

Para Vicente, o ensino h�brido entre presencial e � dist�ncia veio para ficar. E deve continuar sendo o modelo dominante, mesmo quando o avan�o da vacina��o permitir o retorno das aulas presenciais.

"Tenho bastante convic��o de que isso veio para ficar", afirma. "� um formato novo, que foi desafiador num primeiro momento. Mas o setor conseguiu fazer a convers�o de maneira muito r�pida e os alunos, aqui em S�o Paulo, gostaram de n�o ter que se deslocar para vir at� a universidade. Ningu�m quer perder esse ganho."

"Agora, n�o tenha d�vida que acessar e usufruir desses benef�cios tem alguns pressupostos, que para a grande maioria das pessoas n�o est�o colocados e, para os negros, menos ainda. Ent�o o trabalho � construir essa ponte, de diminuir ou eliminar essa dificuldade que � o acesso do negro ao ambiente tecnol�gico."

Segundo o reitor, a evas�o na Universidade Zumbi dos Palmares em decorr�ncia da pandemia ficou dentro da m�dia do mercado. "Ainda estamos em �poca de rematr�cula, mas, num levantamento ainda informal, penso que ficamos na casa de 30% a 33% de evas�o. Antes, t�nhamos cerca de 1,8 mil alunos", diz Vicente.

Omiss�o do governo federal e desservi�o na Funda��o Palmares

O reitor avalia que, assim como na sa�de, o governo federal deixou de cumprir seu papel na educa��o durante a pandemia, que seria o de coordenar a��es num plano nacional.

"O governo deveria ter estruturado, coordenado e colocado na mesa um plano nacional de encaminhamento dessa quest�o. Trazendo todos os atores, construindo um consenso e depois liderando esse processo", afirma.

"Sem isso, as solu��es foram criadas individualmente ou no �mbito das associa��es de classe. Algo que poderia ter sido constru�do de forma mais unit�ria ficou subordinado a decis�es particulares e, assim, n�o temos at� hoje um cronograma do que vai ser em 2021."


Vicente lamenta os rumos da Fundação Palmares sob a gestão de Sérgio Camargo(foto: Reuters)
Vicente lamenta os rumos da Funda��o Palmares sob a gest�o de S�rgio Camargo (foto: Reuters)

Vicente tamb�m lamenta os rumos da Funda��o Palmares sob a gest�o de S�rgio Camargo.

"� inomin�vel. Esse � um espa�o de produ��o de pol�ticas p�blicas para a agenda e demandas dos negros. Al�m de n�o construir nenhuma dessas pol�ticas, ele [S�rgio Camargo], com sua atitude e sua postura, desconstruiu. Ele danificou e praticamente extinguiu grande parte das pol�ticas que j� se faziam necess�rias antes da pandemia e que, depois dela, se constitu�ram numa emerg�ncia."

O reitor cita como exemplo as comunidades quilombolas, que est�o sob a tutela da Funda��o Palmares. "Para colocar os quilombolas dentro das prioridades de vacina��o foi um Deus nos acuda e, para fazer os insumos chegarem a eles de forma adequada, a Funda��o Palmares at� agora n�o se apresentou", diz Vicente.

"Ent�o avalio que S�rgio Camargo presta um desservi�o ao tema. Ele coloca uma conflituosidade que est� fora de lugar e fora de tempo. Desconstitui o que foi um esfor�o coletivo extraordin�rio para se colocar esses temas dentro da agenda, produzindo uma ciz�nia entre negros e entre negros e brancos que � indevida e n�o tem racionalidade ou justificativa."

Porte de armas e excludente de ilicitude

O reitor da Universidade Zumbi dos Palmares tamb�m v� com preocupa��o a agenda enviada pelo governo ao Congresso, por ocasi�o do in�cio de mandato dos novos presidentes do Senado e da C�mara, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-AL).

Entre as 35 prioridades elencadas pela gest�o Bolsonaro, est�o uma proposta que amplia o acesso a armas e outra que prev� excludente de ilicitude para militares em opera��es de garantia da lei e da ordem. Isso num pa�s onde as maiores v�timas de mortes por armas de fogo e por policiais s�o os jovens negros.

"S�o agendas fora de lugar e de hora, que colidem com a agenda da cidadania que o Brasil precisa", afirma. "Foi um esfor�o extraordin�rio tir�-las da pauta e agora elas voltaram, com sua capacidade destrutiva e de dano. Isso significa que vai ser necess�rio novo esfor�o para retir�-las outra vez da cena, substituindo-as por quest�es mais prementes."

Na avalia��o de Vicente, a resist�ncia da sociedade civil brasileira ganha agora um refor�o com a elei��o do democrata Joe Biden nos Estados Unidos.

"A nova dire��o do governo americano � um fator moderador adicional. Isso deve refletir no Brasil, pois Bolsonaro vai ter que rever e reconstruir sua rela��o com o governo americano, que tem o meio ambiente e os direitos humanos como temas priorit�rios."


Ano de 2020 foi marcado por diversos casos rumorosos de mortes de pessoas negras no Brasil(foto: EPA)
Ano de 2020 foi marcado por diversos casos rumorosos de mortes de pessoas negras no Brasil (foto: EPA)

Vidas negras importam no Brasil?

O ano de 2020 foi marcado por diversos casos rumorosos de mortes de pessoas negras no Brasil.

Como o menino Miguel Ot�vio Santana da Silva, de 5 anos, morto ao cair do nono andar de um pr�dio no Recife; o adolescente Jo�o Pedro Mattos, de 14 anos, assassinado com um tiro de fuzil durante uma opera��o policial enquanto brincava com os primos dentro de casa em S�o Gon�alo (RJ); e Jo�o Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, espancado e morto por seguran�as numa loja do Carrefour em Porto Alegre.

Questionado sobre por que os casos brasileiros n�o geraram uma onda de protestos t�o ampla como a morte de George Floyd nos Estados Unidos, o reitor avalia que h� diferen�as culturais e hist�ricas importantes entre os dois pa�ses e na tradi��o de mobiliza��o da popula��o negra l� e c�.

Ele afirma, por�m, que medidas como a divis�o proporcional de recursos de campanha entre candidatos negros e brancos; a aprova��o de cotas de 30% para ju�zes e estagi�rios negros no Judici�rio; e a abertura de processos seletivos exclusivos para negros por empresas como Magazine Luiza e Bayer mostram que h� avan�os no debate nacional sobre o tema racial.

"Houve transforma��o social no Brasil por conta dos epis�dios de racismo e isso est� materializado nessas medidas", afirma.


Uma das candidaturas coletivas eleitas pelo PSOL, o Quilombo Periférico, promete priorizar políticas públicas para a periferia e para população negra e de mulheres(foto: Divulgação)
Uma das candidaturas coletivas eleitas pelo PSOL, o Quilombo Perif�rico, promete priorizar pol�ticas p�blicas para a periferia e para popula��o negra e de mulheres (foto: Divulga��o)

Avan�os

"Foram eleitos cinco jovens vereadores negros em Porto Alegre; uma prefeita negra em Bauru, no interior de S�o Paulo; as primeiras vereadoras negras de Curitiba e Joinville, em Santa Catarina; e a primeira trans negra em S�o Paulo", destaca Vicente.

Segundo ele, todos esses avan�os simb�licos sugerem que a lei de proporcionalidade de recursos j� se apresentou como uma ferramenta importante.

"Mesmo ela tendo sido aprovada num dia para implementar no outro, com o processo pol�tico j� em andamento e no meio de uma pandemia. Isso indica que, com tempo, mais disponibilidade para construir uma agenda e a condu��o adequada dentro dos partidos, podemos ganhar ainda mais terreno e apresentar n�meros significativos", afirma o reitor.

"Mas eu diria que a lei j� foi um sucesso. Diria at� que foi uma revolu��o", acrescenta. "Isso nos estimula e permite um olhar de aug�rio, no sentido de que essa agenda, se bem constru�da e conduzida, n�o ser� limitada ou cerceada nem por Bolsonaro, nem por filho do Bolsonaro, nem por quem quer que seja. Porque ela parece j� est� bem solidificada como uma agenda da sociedade brasileira."

'N�s continuamos sendo racistas'

Outro indicativo disso, na avalia��o de Vicente, � o avan�o da discuss�o sobre desigualdade racial no ambiente corporativo. Segundo ele, no entanto, n�o surpreendem rea��es como a da ju�za do Trabalho Ana Luiza Fischer, que afirmou que o trainee exclusivo para negros do Magazine Luiza seria uma "discrimina��o inadmiss�vel", ou a a��o civil movida pelo defensor p�blico federal Jovino Bento J�nior contra o mesmo programa.

"N�s continuamos sendo racistas. O Magalu ao longo de 15 anos fez processos de trainee, s� se apresentavam brancos, e ningu�m nunca contestou isso, porque � considerado como parte da normalidade", observa o reitor.

"De repente, o Magalu fala 'vamos colocar os negros tamb�m para disputar espa�o'. A� o pessoal se ofende, tem medo de perder o monop�lio dos espa�os de poder e privil�gio que se constitu�ram em latif�ndios da branquitude. Ent�o colocaram o bloco na rua dizendo que � ilegal, imoral, etecetera e tal. Mas as institui��es responderam", afirma, lembrando que o Minist�rio P�blico do Trabalho referendou a legalidade do programa de trainee e o defensor p�blico que moveu a a��o foi "cancelado" por seus pr�prios pares.

O filho de boia-fria que chegou a reitor de universidade � prova viva de que o racismo persiste, mesmo para os negros bem sucedidos.

"� normal quando chego de carro num restaurante dizerem 'olha, para buscar chefia, fica estacionado um pouquinho mais na frente'. E quando saio do restaurante e estou esperando que meu carro chegue, que as pessoas me deem a chave ou pe�am para eu ir buscar seus carros, porque na ideia deles, um negro de terno e gravata nesse local ou � seguran�a ou � motorista."

"S�o coisas que agridem, que deixam a gente chateado. Mas sabemos que � parte de uma realidade que precisa ser superada e, por conta disso, a gente levanta, sacode a poeira e segue em frente."


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