
No momento em que a alta de mortes por covid-19 no Brasil torna ainda mais complexas as discuss�es sobre volta �s aulas presenciais, o ensino remoto continua a ser a rotina de muitas fam�lias — assim como n�o ter acesso � educa��o � dist�ncia continua a ser a realidade de grande parte da popula��o mais vulner�vel.
Mas um ano sem precedentes na hist�ria veio acompanhado tamb�m de li��es in�ditas para professores, alunos e pesquisadores.
- As pr�ticas que mais ajudam (ou atrapalham) o Brasil na educa��o, segundo pesquisa global
- 'Sem wi-fi': pandemia cria novo s�mbolo de desigualdade na educa��o
A BBC News Brasil compilou alguns estudos nacionais e internacionais que ajudam a tra�ar um retrato da educa��o na pandemia para entender o que funcionou e o que ainda precisa melhorar.
1 - O enorme impacto da demora do poder p�blico e da baixa conectividade
O Departamento de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de S�o Paulo (USP) e o Centro de Aprendizagem em Avalia��o e Resultados da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) avaliaram a efici�ncia dos planos de educa��o remota de Estados e capitais.
Foram analisados os meios usados para as aulas (como TV ou internet), seu alcance e qualidade entre as diversas etapas de ensino e os materiais e tecnologias oferecidos aos alunos.
Os resultados, mensurados entre mar�o e outubro de 2020, mostram um cen�rio bem ruim: a nota m�dia dos planos estaduais no �ndice de Educa��o � Dist�ncia foi de 2,38 (de 0 a 10) e de 1,6 para os das capitais.
Chamou a aten��o dos pesquisadores a demora na apresenta��o de um plano depois do fechamento das escolas. Em m�dia, as capitais levaram 43 dias, e os Estados, 34.
Tamb�m faltou supervis�o para verificar se alunos estavam de fato acompanhando as aulas e houve pouca oferta de formas de acesso, dando aparelhos ou a conex�o de internet para que os estudantes conseguissem assistir �s aulas online.
"A quase totalidade dos Estados decidiu pela transmiss�o via internet, (mas) apenas cerca de 15% deles distribu�ram dispositivos e menos de 10% subsidiaram o acesso � internet", escrevem os pesquisadores Lorena Barberia, Luiz Cantarelli e Pedro Schmalz.

A maioria dos planos falhou em oferecer estrat�gias de intera��o com professores, e tamb�m de supervis�o e est�mulo � presen�a, concluiu o estudo.
"Este � um elemento crucial para pol�ticas de ensino remoto, por permitir intera��es que considerem as necessidades e dificuldades espec�ficas de cada aluno, sobretudo em um contexto de elevadas taxas de abandono escolar."
"Temos de cobrar do gestores que as pol�ticas para a educa��o estejam na mesma velocidade da pandemia. N�o podemos deixar que passem meses ou semanas sem intervir e 'no pr�ximo semestre melhoramos'", diz Barberia � BBC News Brasil.
"O que choca �, em geral, ainda n�o ter um plano B (entre os gestores)", acrescenta ela, citando como exemplo a interrup��o das aulas na cidade de S�o Paulo quando, em mar�o passado, as escolas voltaram a fechar por conta da fase emergencial no Estado.
Para Luiz Cantarelli, outros problemas graves foram a falta de coordena��o nacional por parte do Minist�rio da Educa��o e os cortes or�ament�rios substanciais na �rea, que v�o dificultar investimentos em acesso ao ensino remoto em 2021.
Cantarelli recorda que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou, por quest�es or�ament�rias, projeto de lei aprovado no Congresso que previa investimento em acesso gratuito � internet para alunos e professores da rede p�blica.
2 - WhatsApp virou o principal meio de aula
Diante desse pouco acesso a planos de dados ou a dispositivos, a alternativa de muitas fam�lias e professores tem sido se conectar via WhatsApp.
Uma pesquisa do Instituto Pen�nsula apontou que 83% dos professores mantinham contato com alunos por meio dos aplicativos de mensagens (e foi pelo WhatsApp que ocorreu a absoluta maioria das intera��es), muito mais do que pelas pr�prias plataformas de aprendizagem (34%).
Isso mostra que a imagem de um estudante fazendo aulas diante de um tablet ou notebook corresponde � realidade de um n�mero restrito de crian�as, diz In�s Dussel, pesquisadora de educa��o no M�xico que recentemente participou de um semin�rio virtual brasileiro sobre tecnologia e ensino, promovido pelo instituto Ita� Social.
Dussel afirma � BBC News Brasil que o mesmo fen�meno ocorreu em todo o continente. "O uso do WhatsApp foi uma grande surpresa, mas � porque n�o temos outras ferramentas (massificadas de conex�o) na Am�rica Latina", aponta.
"A maior parte do ensino foi feita pelo celular e, geralmente, por um celular compartilhado (entre v�rios membros da fam�lia). Ent�o, � algo muito desafiador."
Mas o WhatsApp tem seus limites: evid�ncias indicam que alunos conseguem passar mais tempo de aula diante de computadores do que diante de celulares, aponta um guia de boas pr�ticas escolares durante a pandemia elaborado pela Ofsted, a ag�ncia governamental brit�nica que supervisiona as escolas do pa�s.
3- Depois de conectar, engajar com o ambiente remoto
Uma revis�o de estudos sobre ensino remoto na educa��o b�sica dos Estados Unidos lembra que as evid�ncias em torno do tema s�o "esparsas". E, tamb�m l�, o acesso a dispositivos foi um grande desafio, seguido de outro: "garantir que estudantes e fam�lias se engajem com o ambiente de aprendizado" remoto.
"S� oferecer computador ou conectividade ou distribuir apostilas pode n�o ser suficiente para um engajamento produtivo", diz o estudo da Universidade do Estado da Ge�rgia.
"Felizmente, mensagens direcionadas ou incentivos s�o uma forma relativamente barata e escal�vel de aumentar o engajamento parental online e melhorar o desempenho dos estudantes."
Entre as estrat�gias que aumentaram o uso das plataformas de estudo est�o o envio de mensagens que incentivavam os pais a entrar na plataforma de ensino para acompanhar o progresso dos filhos.
E conversas entre professores e as fam�lias para ressaltar que as tarefas ainda precisam ser entregues pelos alunos mesmo � dist�ncia.
4 - Simplicidade e foco no essencial
Na avalia��o da Ofsted, "n�o � necess�rio complicar em excesso os recursos (de aprendizagem) com muitos gr�ficos e ilustra��es que n�o acrescentam conte�do".
Na educa��o digital remota, a plataforma n�o deve ser muito complicada de usar, nem as aulas devem ser elaboradas demais. "A aula remota geralmente se beneficia de uma interface direta e simples", diz a ag�ncia em seu guia sobre o que funcionou melhor no ensino remoto brit�nico, publicado em janeiro de 2021.

Sendo assim, a recomenda��o � "focar no b�sico" ao adaptar o curr�culo. "Cuidado para n�o oferecer muito conte�do novo de uma s� vez. Antes, tenha certeza de que pontos fundamentais foram entendidos plenamente. (...) Leve em conta o conhecimento ou conceitos mais importantes que os alunos precisam entender e foque neles."
Em muitos casos, diz a Ofsted, "praticar e exercitar habilidades pr�vias pode ser �til, como escrita � m�o e aritm�tica simples".
5 - Feedback e colabora��o s�o 'mais importantes do que nunca'
Ainda segundo a Ofsted, embora dar um retorno aos alunos (ou feedback) sobre as atividades feitas � dist�ncia seja mais dif�cil do que no ensino presencial, � algo que ganhou ainda mais import�ncia neste momento, por melhorar a motiva��o e o desempenho deles.
"� importante que os professores mantenham contato regular com os alunos. (...) Alguns habilitaram o envio de emails autom�ticos para perguntar em que etapa da atividade os estudantes est�o. Isso tamb�m passa a percep��o de que os professores est�o 'assistindo' enquanto os alunos aprendem remotamente", diz a ag�ncia.
Ainda em abril de 2020, no in�cio da pandemia, a funda��o brit�nica Endowment Education fez uma meta-an�lise de pesquisas pr�vias sobre o ensino remoto, e uma das conclus�es foi sobre a import�ncia de cultivar intera��es entre os estudantes mesmo quando eles n�o est�o no mesmo ambiente f�sico, "como forma de motivar os alunos e melhorar seus resultados".
In�s Dussel observou a mesma coisa durante a pandemia: colaborar � importante, para alunos e professores.
"Aprendemos que precisamos dos demais: comparar estrat�gias, falar com outros professores e dar mais oportunidades de trabalho coletivo, mesmo que seja cada um na sua casa", afirma.
Uma das iniciativas que chamaram sua aten��o foi feita em uma turma de pr�-escola na Argentina: "A professora pediu que os alunos lessem os poemas e editou um v�deo com todos juntos, transformando a leitura em uma produ��o coletiva", explica.
Di�rios compartilhados da vida durante a pandemia tamb�m deram certo em muitas escolas.

Mas as iniciativas do tipo se beneficiam, em grande parte, da conex�o pr�via entre professores, alunos e fam�lias, acrescenta Dussel.
"(A pandemia) ressaltou a import�ncia do v�nculo anterior entre escolas e comunidades", diz a pesquisadora. "Nas escolas que n�o tinham esse v�nculo, as coisas (atividades remotas colaborativas) n�o funcionaram t�o bem."
6 - � momento de estimular autonomia e independ�ncia
A Ofsted tamb�m concluiu, a partir de revis�es de estudos, que � poss�vel obter melhores resultados quando se estimula a autonomia dos estudantes no ensino remoto, claro que levando em conta suas idades e circunst�ncias.
"Estimular os alunos a refletir sobre seu trabalho ou avaliar estrat�gias que v�o usar se travarem (em alguma parte da tarefa) foram destacadas como (a��es) valiosas", aponta a ag�ncia.
"Evid�ncias mais amplas sobre metacogni��o e autorregula��o sugerem que alunos carentes tendem a se beneficiar em particular de apoio expl�cito que os ajude a trabalhar de modo independente, por exemplo, criando checklists ou planejamentos di�rios."
Mais do que fazer aulas expositivas, � o momento de "pedir ideias e participa��o dos jovens", diz � BBC News Brasil Rebeca Otero, coordenadora de educa��o no Brasil da Unesco, bra�o da ONU para a educa��o e cultura. "Queremos formar cidad�os globais, capazes de qualificar o planeta."
Um dos exemplos citados por ela � o do Imprensa Jovem, programa criado em 2005 como uma ag�ncia de not�cias formada oir alunos da rede municipal de ensino em S�o Paulo.
Durante a pandemia, o projeto migrou para o ambiente digital, mas manteve os alunos engajados construindo conte�do para, entre outras coisas, combater a desinforma��o em torno da covid-19 e ensinar jovens a identificar not�cias verdadeiras ou falsas.
"Isso incentiva seu protagonismo e sua autonomia para aprender, se comunicar e saber buscar informa��es", afirma Otero.
7- Para muitas crian�as, o ano foi duro (e as perdas ser�o sentidas por toda a sociedade)
"Embora seja dif�cil prever exatamente como o fechamento das escolas vai afetar o desenvolvimento futuro dos estudantes, (os economistas americano e alem�o) Eric Hanushek e Ludger Woessmann estimam que estudantes da educa��o b�sica impactados pelos fechamentos podem esperar uma renda 3% menor ao longo de toda sua vida para cada tr�s meses de ensino efetivamente perdido", diz estudo recente da Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE) sobre a educa��o na pandemia.
O estudo lembra que 1,5 bilh�o de crian�as em 188 pa�ses do mundo ficaram fora da escola em ao menos parte do ano passado, e o Brasil est� entre os pa�ses que fecharam as escolas por mais tempo.
As poss�veis perdas econ�micas derivam de dificuldades concretas. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais com a Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz) com 9,4 mil adolescentes brasileiros, ouvidos entre junho e setembro do ano passado, apontou que 59% diziam ter falta de concentra��o e 47,8% afirmavam estar entendendo pouco das aulas � dist�ncia.
Em dezembro, quando o Instituto Pen�nsula entrevistou 2,9 mil professores do pa�s, 60% disseram que seus alunos remotos n�o estavam evoluindo no aprendizado. E 91% acreditavam que isso aumentar� a desigualdade educacional entre os alunos mais pobres.
Um terceiro estudo, feito com professores de pr�-escola em duas cidades pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Funda��o Maria Cec�lia Souto Vidigal apontou sinais de que crian�as de 4 e 5 anos estavam com mais dificuldades de express�o oral e corporal, principalmente as mais vulner�veis, que t�m menos oportunidades de pintar, desenhar, recortar e ouvir hist�rias dentro de casa.

S�o retratos que evidenciam as dificuldades que aguardam as redes de ensino e escolas ao longo deste ano letivo.
"Todos trabalharam em condi��es muito adversas (em 2020), com muitas perdas", conclui Dussel.
"Vamos precisar pensar em como agrupar os alunos e averiguar os que tiveram ensino m�nimo ou nulo e decidir como enfrentar essa ruptura, com aulas ou encontros extras, com anos (letivos) de transi��o. (...) O poder p�blico ser� fundamental para isso. Ou teremos uma situa��o de enorme precariedade."
8 - A exaust�o dos professores, em n�meros
Os professores se reinventaram e, em sua maioria, aprenderam novas formas de se conectar e ensinar durante a pandemia. No entanto, a experi�ncia tem deixado muitos deles exauridos.
"Acordo e durmo pensando nas coisas inacabadas que tenho que fazer", disse uma professora quando questionada em pesquisa da Funda��o Carlos Chagas no ano passado, � qual 80% dos docentes afirmaram que estavam gastando mais tempo planejando aulas, principalmente os que ensinam nos anos finais do ensino fundamental e no ensino m�dio.
Al�m disso, a maioria deles disse que estava conciliando isso com o aumento de suas tarefas dom�sticas (ou com ajudar os pr�prios filhos nas tarefas escolares).
Uma grande dificuldade que se apresentou nos meses finais de 2020, quando algumas redes p�blicas e privadas retomaram as atividades presenciais, foi dar conta do ensino h�brido. Alguns professores tiveram de dar aulas simultaneamente para alunos presenciais e remotos.
"Isso exige muito do professor, desde a conex�o at� a aten��o dividida", explica In�s Dussel.
O Instituto Pen�nsula tamb�m questionou os professores brasileiros quanto a seu estado de �nimo em dezembro: 53% disseram estar mais cansados do que antes.
Mas, a despeito disso, 61% contaram que est�o motivados para ensinar em 2021.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!