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Estado de Minas EDUCA��O PARA TODOS

Filhos de porteiros e dom�sticas conquistam vagas no ensino superior

Estudantes contam como superaram as barreiras da desigualdade e destacam a import�ncia da educa��o para mudar a condi��o de vida de suas fam�lias


30/05/2021 20:48 - atualizado 30/05/2021 21:50

Jovens que vieram de famílias de pedreiros, de empregadas domésticas, de lavradores e de porteiros mudam o destino deles e de seus familiares depois do ingresso no ensino superior. Programas como Fies, Prouni, Sisu e políticas de cotas são fundamentais para garantir uma vaga nas universidades e faculdades brasileiras(foto: Arquivo pessoal)
Jovens que vieram de fam�lias de pedreiros, de empregadas dom�sticas, de lavradores e de porteiros mudam o destino deles e de seus familiares depois do ingresso no ensino superior. Programas como Fies, Prouni, Sisu e pol�ticas de cotas s�o fundamentais para garantir uma vaga nas universidades e faculdades brasileiras (foto: Arquivo pessoal)


As estradas de terra da zona rural de S�o Raimundo Nonato, no Piau�, eram a �nica alternativa palp�vel que Ana Christina Baldoino tinha na vida. Era o futuro que via todo dia. Mas ela sabia que queria mais. Tinha intui��o de que poderia escrever outra hist�ria. E o sonho de um mundo que levasse al�m daquelas estradas de terra se realizou.

Ela venceu todos os obst�culos. A jovem de 23 anos est� no quinto semestre de enfermagem na Universidade Estadual do Piau� (UESPI). A filha ca�ula tornou-se o orgulho da fam�lia humilde de apicultores, principalmente dos pais, Adailton Baldoino dos Santos, 50 anos, e Graciane Ribeiro de Sousa Santos, 44.

"Eles falam para outras pessoas que eu estou na faculdade”, emociona-se Ana Christina. “Eu sinto que eles sentem orgulho de mim por estar cursando em universidade p�blica, um grau de ensino que eles n�o tiveram oportunidade de alcan�ar.”

A jovem estudava numa escola p�blica a 1 km da fazenda de seus pais, que n�o chegaram a concluir o ensino fundamental. O meio de transporte eram camionetes, que passavam por v�rias fazendas para buscar outras crian�as.

Christina ficou um ano sem estudar e, por influ�ncia de amigos pr�ximos e do pr�prio companheiro, os olhos da jovem come�aram a brilhar para um futuro acad�mico. Procurou cursinhos on-line, passou um ano estudando e conseguiu seraprovada para letras, mas depois descobriu que queria mesmo era ser enfermeira e prestou o Exame Nacional de Ensino M�dio (Enem) novamente.

A estudante de enfermagem ao lado dos pais Graciane Ribeiro e Adailton Baldoino(foto: Arquivo pessoal)
A estudante de enfermagem ao lado dos pais Graciane Ribeiro e Adailton Baldoino (foto: Arquivo pessoal)
Os pais da garota sentem orgulho de a filha caçula ter chegado ao ensino superior (foto: Arquivo pessoal)
Os pais da garota sentem orgulho de a filha ca�ula ter chegado ao ensino superior (foto: Arquivo pessoal)


Para Ana Christina, estudar enfermagem na Universidade Estadual do Piau� � a realiza��o de um sonho que ela n�o tinha, a princ�pio, mas cultivou com o passar dos anos. Ela pr�pria se sente orgulhosa da trajet�ria. Quando olha todo o contexto familiar e onde cresceu, ela se sente feliz n�o s� de visar a uma carreira acad�mica, mas de ter influenciado outras pessoas da fam�lia a buscarem os mesmos sonhos.

“Nenhum dos meus primos visava a um curso superior. Meus primos abriram a vis�o deles depois que eu entrei. At� meu irm�o fez um curso de an�lise e desenvolvimento de sistemas a dist�ncia”, conta.

Herdeiro de agricultor e empregada dom�stica � aprovado em medicina no Cear�


Davi ao lado da família: os pais, Eliane Magalhães e Francisco Silva, e os irmãos Francisco Sueldo (ao fundo) e Francisco Rafael, 7 anos (abaixo) (foto: Arquivo pessoal)
Davi ao lado da fam�lia: os pais, Eliane Magalh�es e Francisco Silva, e os irm�os Francisco Sueldo (ao fundo) e Francisco Rafael, 7 anos (abaixo) (foto: Arquivo pessoal)
Foi no interior do Cear�, numa cidadezinha de pouco mais de 13 mil habitantes, Iracema, a 250 km de Fortaleza, que Davi Magalh�es, 17 anos, viveu toda a inf�ncia e cresceu com uma �nica motiva��o: oferecer uma qualidade de vida melhor para a fam�lia. Apesar de ter nascido em S�o Roque (SP), o estudante se mudou com a fam�lia para a cidade nordestina, fazendo o caminho inverso de milhares de conterr�neos de seus pais.

Eliane Magalh�es, 36 anos, empregada dom�stica, e Francisco Silva, 46, agricultor, sequer conclu�ram o ensino fundamental, mas nunca deixaram de motivar os filhos a realizarem os seus sonhos. Enquanto a m�e limpava e cuidava das casas dos outros, e o pai trabalhava na ro�a, eles viram o primeiro membro da fam�lia chegar ao ensino superior. O irm�o mais velho de Davi, Francisco Sueldo, 20, cursa licenciatura em matem�tica na Universidade Federal Rural do Semi-�rido (Ufersa).

Mas, dois anos depois, eles foram surpreendidos com o diagn�stico de Davi. O jovem conta que o maior desafio que enfrentou foi descobrir que tem esclerose m�ltipla. “Na �poca, eu fiquei bem nervoso com a descoberta, por�m, com muito esfor�o e dedica��o, estou tentando super�-la”, resigna-se.

Aos 15 anos, Davi teve que entender o que era ser portador de uma doen�a sem cura, que afeta o sistema nervoso. Para ultrapassar essa e outras barreiras, como ter estudado a vida toda em escola p�blica e as dificuldades financeiras, o filho do meio de dona Eliane e seu Francisco escolheu seguir o caminho da medicina.

Davi foi aprovado na Universidade Federal do Cear� (UFC) pelo SISU e agradece principalmente aos pais, por sempre terem acreditado nele, e � escola. “Meus pais est�o bastante felizes e orgulhosos. Eu tamb�m me sinto assim ao perceber que todo o esfor�o valeu a pena”, comemora.

Mesmo durante a pandemia, o suporte dos professores da Escola de Ensino M�dio Deputado Joaquim de Figueiredo Correia foi fundamental para a aprova��o do calouro. “Durante toda a minha hist�ria estudantil, estudei em escola p�blica e, mesmo diante de todas as dificuldades, sempre recebi total apoio das institui��es, tanto do ensino b�sico quanto do ensino m�dio”, conta.

Mais uma vez, Davi ter� que partir e estar aberto a novas oportunidades, assim como a fam�lia buscou em Iracema, pois estudar� em Fortaleza. Contudo, promete voltar e cumprir aquilo que sempre desejou: promover uma vida mais digna aos pais e a todos aqueles que um dia o ajudaram.

“No meu futuro, espero estar formado ap�s uma longa caminhada de muito esfor�o durante a faculdade para, assim, ajudar os meus pais e a popula��o da minha cidade”, planeja.

"Eles falam que s�o meus f�s"


Da esquerda para a direita: o pai, Silvino Bispo da Rocha, Silvana Rocha e Beatriz Rocha (irmãs) e a mãe, Benigna Carolina Silva (foto: Arquivo pessoal)
Da esquerda para a direita: o pai, Silvino Bispo da Rocha, Silvana Rocha e Beatriz Rocha (irm�s) e a m�e, Benigna Carolina Silva (foto: Arquivo pessoal)
A ex-faxineira Benigna Carolina Silva, 60, sempre se preocupou com a educa��o dos tr�s filhos. Mesmo n�o tendo condi��es de pagar escola particular, fazia quest�o de encontrar as melhores escolas p�blicas e garantir que Sandro, 30, Beatriz, 43, e Silvana, 37, tivessem as melhores oportunidades.

Quando tinha 6 anos, Sandro se mudou da capital para o interior em Mogi Mirim (SP) com a fam�lia. A m�e tinha um sal�o de beleza; e o pai, um boteco. Na periferia da cidade, Silvino Bispo da Rocha, 64, tamb�m era porteiro e respeitado no bairro. Todos conheciam o filho do “Rocha”, apelido dado ao pai de Sandro, e a fam�lia vivia no pr�dio do condom�nio onde o pai trabalhava.

Dona Benigna levava os filhos para a escola, de �nibus. Ela sabia que aquele incentivo e apoio para o futuro faria a diferen�a. A m�e tamb�m estimulou que as filhas e o filho mais novo desenvolvessem habilidades esportivas, mas Sandro n�o seguiu o caminho das irm�s. Ele se encontrou nas artes, como dan�a e teatro. Depois de um tempo, a paix�o se estendeu ao estudo da l�ngua portuguesa, quando um professor do ensino m�dio ofereceu um trabalho.

Sandro estudava a gram�tica todo domingo de manh�. E, aos poucos, tamb�m se encantou pelo ingl�s. Apesar de ser um estudante dedicado, a aprova��o numa faculdade n�o veio de primeira. Ele conseguiu uma vaga na federal ap�s um ano de estudo num cursinho, onde era bolsista. O esfor�o valeu a pena: Sandro foi aprovado em tr�s universidades: Universidade de S�o Paulo (USP), Universidade Estadual de S�o Paulo (Unesp) e Universidade Federal de S�o Carlos (UFSCar) em 2010.

Da casa dos pais, ele se mudou para uma rep�blica. Durante a gradua��o, resolveu tentar uma bolsa de interc�mbio em Portugal, mas teve que atender a uma s�rie de requisitos, inclusive mudar a gradua��o de bacharelado para licenciatura.

“Era uma oportunidade �nica, geralmente quem faz interc�mbio � um estudante com percurso privilegiado, mas me inscrevi e quando abri a licenciatura, eu n�o sa� mais do mundo da educa��o”, comenta.

Sandro tinha como objetivo principal trabalhar como tradutor, mas, ap�s o interc�mbio e toda a sua trajet�ria, ele enxergou na educa��o uma forma de mudar o futuro de outros Sandros por a�. Para o professor da rede municipal de SP, demora a cair a ficha de que ele teve acesso a diversas oportunidades por n�o ter desistido.

“Sempre que eu olho meu percurso, falo: ‘Gente, olha s� onde eu estou!’. Demora a cair a ficha. Quando cai a ficha que t� nesse espa�o de melhor universidade, saindo de onde eu sa�, a� cai a ficha”, empolga-se. Hoje, ele � doutorando da USP.

O objetivo de Sandro todos os dias � honrar a origem dele: daquela crian�a de seis anos, que morava na periferia e tinha a ajuda dos pais para n�o desistir. Dona Benigna e seu Silvino, hoje, s�o divorciados e aposentados, e consideram o filho ca�ula o orgulho da fam�lia. "Eles falam que s�o meus f�s, me admiram muito, e eu tento traduzir o que eu fa�o na universidade para os meus pais, porque, �s vezes, eles n�o entendem isso de percurso acad�mico", mostra.

Sandro escolheu trilhar o caminho da pesquisa e dar aulas, mas confessa que a m�e at� hoje espera que o filho volte para casa. “A minha m�e espera at� hoje eu me formar para voltar a morar com ela”, diz. “Mas eu tenho que dividir meu emprego e pesquisa, e eu n�o sou s� professor e pesquisador, tamb�m sou militante da educa��o p�blica."

Como professor, Sandro quer honrar a origem para que as pessoas tenham oportunidades para chegar ao ensino superior e n�o seja uma quest�o de sorte.

Da ro�a para o doutorado na UnB


Apesar da vida difícil, os pais da jovem sabiam que, no futuro, a filha Magda e as irmãs teriam o retorno desse esforço (foto: Arquivo pessoal)
Apesar da vida dif�cil, os pais da jovem sabiam que, no futuro, a filha Magda e as irm�s teriam o retorno desse esfor�o (foto: Arquivo pessoal)
Imagine ter que acompanhar a posi��o da Lua para saber se j� � quase dia e se preparar para ir � escola. Na d�cada de 1990, em uma casinha da zona rural de S�o Francisco (MG), n�o havia rel�gio e muito menos meio de transporte para percorrer os 12 km (ida e volta) at� a institui��o de ensino mais pr�xima.

Todos os dias, Magda Ribeiro, com apenas 11 anos, fazia esse percurso para poder completar os anos finais do ensino fundamental. Levantava cedo, �s vezes, chegava a ir de madrugada e era uma das primeiras a estar na escola da Vila do Morro.

Enquanto isso, os trabalhadores rurais Rosires Ribeiro, 60, e Jos� Ant�nio de Almeida, 64, arrancavam da terra o sustento para conseguir criar as quatro filhas. No semblante dos pais, Magda reconhecia o sentimento de pena por, �s vezes, irem para a escola com chinelo remendado por um grampo, vestir roupas usadas ou at� morar de favor. Apesar disso, ela sabia que no futuro os pais veriam que a trajet�ria das filhas foi dura, mas teve um retorno.

Mesmo quando os colegas de classe cantavam alto para ela e a irm� quando chegavam � escola “o sapo n�o lava o p�, n�o lava porque n�o quer”, Magda n�o se deixou abater. A m�sica infantil entrava e sa�a pelos ouvidos instantaneamente.

“Ouvir isso nunca me desanimou, meus pais sofriam muito na ro�a, e a gente sabia que a �nica maneira que a gente tinha pra crescer era a escola. Ent�o, a gente estudava”, lembra a professora, hoje com 40 anos.

Durante o ensino m�dio, Magda chegou a morar na casa de parentes. As roupas eram doadas, a casa era de favor, e a vida, mesmo que dif�cil, mostrava uma luz no fim do t�nel. Ela escolheu fazer magist�rio para poder arrumar emprego logo ap�s a formatura. Tentou vestibular, pois o sonho era ser advogada. Mas, ap�s v�rias desaprova��es, se sentiu desmotivada.

Come�ou a trabalhar numa ag�ncia de turismo, fazia cursinho � noite, mas estava sempre cansada. Foi nas aulas de ingl�s que ela teve a primeira sensa��o de vit�ria e do esfor�o recompensados. E esperan�osa em tentar outro vestibular, na Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), apenas para testar os conhecimentos.

O curso de direito ficou de lado, e ela tentou uma vaga para hist�ria. Aprovada em 3º lugar, passou a trabalhar meio per�odo para conseguir se dedicar � faculdade, mas ,no fim do m�s, a falta de dinheiro fazia diferen�a.

“A falta de dinheiro me prejudicava. Ou eu trabalhava, ou estudava. Eu estava num dilema muito grande e depois fiquei nove meses desempregada. Nesse per�odo, a minha irm� me ajudou muito”, desabafa.

Ent�o, surge a oportunidade de uma bolsa de inicia��o cient�fica para ajudar no arquivo da faculdade. De manh�, Magda estudava; � tarde, se dedicava ao projeto. Aquele lugar, posteriormente, passou a ser o est�gio remunerado da estudante. Aos poucos, ela percebeu que queria fazer carreira acad�mica: ser professora e fazer pesquisa.

Mãe de Magda atualmente é trabalhadora rural (foto: Arquivo pessoal)
M�e de Magda atualmente � trabalhadora rural (foto: Arquivo pessoal)
José Antônio de Almeida é trabalhador rural e pai da doutora pela Universidade de Brasília (foto: Arquivo pessoal)
Jos� Ant�nio de Almeida � trabalhador rural e pai da doutora pela Universidade de Bras�lia (foto: Arquivo pessoal)


Enquanto Magda finalizou o mestrado e logo passou em um concurso para ser professora do Instituto Federal de Educa��o, Ci�ncia e Tecnologia do Tri�ngulo Mineiro — C�mpus Paracatu, as irm�s tamb�m se tornaram docentes, em �reas distintas: bot�nica, letras e direito.

“O que move n�s todas, que somos professoras, � acreditar que a educa��o � capaz de transformar a vida de uma pessoa, que seja filha de lavrador, como eu sou, a vida de um porteiro ou de uma diarista”, encoraja. “A educa��o nos transformou.”

Para ela, o sonho da carreira acad�mica se concretizou ao fazer o doutorado em hist�ria, na Universidade de Bras�lia (UnB). Hoje, aquela menina que usava roupas emprestadas e acordava de madrugada para ir � escola teve a tese condecorada dois anos seguidos com men��o honrosa na UnB.

A disserta��o de doutorado se tornou um livro. A doutora em hist�ria teve a vida atravessada pelas desigualdades, mas foi abra�ada pela educa��o. E esse � o legado que ela quer deixar para os filhos. Atualmente, Magda � casada, tem uma filha de 7 anos e est� gr�vida do segundo filho. *Estagi�ria sob a supervis�o da editora Ana S�


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