Pol�ticas p�blicas incentivam alunos de baixa renda a continuar estudos
Para especialistas, programas como Fies, Prouni e Sisu que d�o acesso ao ensino superior existem para promover ascens�o social e igualdade de oportunidades
Salom�o Ximenes, professor de pol�ticas educacionais, pondera que os programas que d�o acesso ao ensino superior existem para promover ascens�o social (foto: Arquivo pessoal)
Essas hist�rias de supera��o desbancam o coment�rio infeliz do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele disse recentemente que “o filho do porteiro tirou zero no vestibular, mas ainda assim conseguiu bolsa do Fies em uma institui��o particular”. Mas muitos estudantes filhos de porteiros, diaristas, trabalhadores rurais e faxineiros conseguem ingressar no ensino superior, seguir uma carreira bem-sucedida e est�o tendo a oportunidade de oferecer qualidade de vida �s suas fam�lias.
Para Salom�o Ximenes, programas como Sistema de Sele��o Unificada (Sisu), Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e o Programa Universidade Para Todos (Prouni) que d�o acesso ao ensino superior s�o uma forma de motiva��o aos estudantes ainda no ensino m�dio.
"At� o final da d�cada passada, muito dificilmente os estudantes tinham perspectiva de concluir o ensino m�dio. Quando voc� tem perspectiva de continuar, a motiva��o � maior para concluir e n�o abandonar o ensino m�dio”, pontua. “Isso d� perspectivas de ascens�o social para quem nunca teve acesso � educa��o de qualidade no pa�s.”
A pr�-reitora da Universidade Federal de Goi�s (UFG), Ma�sa Miralva da Silva, tamb�m concorda que, para pessoas que precisaram trabalhar desde cedo e ajudar no sustento em casa, estudar ficou em segundo plano.
“O trabalho e a sobreviv�ncia tomam o lugar da educa��o. Por isso, esses programas t�m a import�ncia de abrir um pouco as oportunidades para as pessoas que nunca tiveram condi��es de competir ou de sequer sonhar em entrar numa universidade, seja ela p�blica ou particular", acrescenta a coordenadora do F�rum Nacional de Pr�-reitores de Assuntos Comunit�rios e Estudantis (Fonaprace).
Desempenho dos cotistas
Para o professor da Faculdade de Educa��o da USP Daniel Cara, o sistema de cotas tem funcionado
(foto: Arquivo pessoal)
Al�m das pol�ticas p�blicas voltadas ao ensino superior, a lei de cotas � considerada um importante instrumento criado pelo Governo Federal para contemplar as minorias: alunos oriundos de escolas p�blicas, de baixa renda, negros, pardos e ind�genas (PPI) e pessoas com defici�ncia (PcD).
Para Daniel Cara, especialista em pol�ticas p�blicas e dirigente da Campanha, o sistema tem sido eficiente para promover a��es afirmativas e proporcionar oportunidade de ingresso a quem mais precisa. Entre os principais impactos da pol�tica de cotas, ele destaca a democratiza��o do ensino superior e a mudan�a do perfil das universidades federais, tornando-as mais representativas do que � o Brasil.
“A grande qualidade dos programas do governo � colaborar no esfor�o de v�rias pol�ticas pautadas na educa��o p�blica federal e na important�ssima pol�tica de cotas”, pondera o dirigente da Campanha Nacional pelo Direito � Educa��o.
O professor tamb�m refor�a que algumas pesquisas indicam o sucesso da lei de cotas. Como consequ�ncia do desempenho dos estudantes, o mercado de trabalho estar� aquecido. “V�rios estudos mostram que o desempenho dos cotistas � melhor ou igual ao dos n�o cotistas, mas � preciso dar mais aux�lio estudantil aos cotistas", ressalta. “O desempenho dos cotistas � mais do que satisfat�rio.”
Cotistas X n�o cotistas
Segundo um levantamento conduzido em 2020 por quatro professores da Universidade Estadual de S�o Paulo (Unesp), o desempenho dos cotistas � igual ao dos demais alunos da institui��o. Foram coletados dados de mais de 30 mil alunos (cotistas e n�o cotistas) entre os anos de 2014 e 2017, para avaliar se houve alguma diferen�a de desempenho acad�mico ou de frequ�ncia entre alunos cotistas e n�o cotistas.
A UnB, primeira universidade federal a adotar o sistema de cotas raciais em seu processo seletivo de ingresso, fez uma pesquisa para avaliar o desempenho de alunos cotistas no mercado de trabalho. O resultado revela que homens que ingressaram na universidade por meio das cotas raciais e conclu�ram o ensino superior ganham at� 40% a mais do que aqueles que tentaram usar o sistema de cotas e n�o foram aprovados.
Al�m disso, 7% dos alunos homens cotistas tiveram mais chances de atingirem cargos de dire��o pelo fato de terem estudado na UnB.
Tr�s perguntas para
Ma�sa Miralva da Silva, pr�-reitora da UFG e coordenadora do F�rum Nacional de Pr�-reitores de Assuntos Comunit�rios e Estudantis (Fonaprace)
Ma�sa Miralva da Silva, pr�-reitora da UFG, afirma que muitos estudantes deixam os estudos em segundo plano para poderem trabalhar (foto: Arquivo pessoal)
Qual o papel do Fies na vida de jovens que saem do ensino m�dio?
Na verdade, o fundo � extremamente inacess�vel a pessoas de baixa renda. A exig�ncia � t�o alta, que as pessoas de baixa renda n�o conseguem cumprir as demandas de ter um fiador e uma s�rie de documentos. O Fies n�o � t�o acess�vel, n�o tem cobertura muito grande, ele � excludente � popula��o de baixa renda, mas � a �nica coisa que resta. Quando a pessoa n�o tem dinheiro nenhum para manter o b�sico dentro de casa fica dif�cil ingressar no ensino superior. Seis de cada 10 fam�lias apresentam dificuldades de manter o b�sico dentro de casa. Imagine a import�ncia de um financiamento para elas melhorarem suas condi��es de vida. Se n�o for isso, n�o tem jeito da pessoa pensar em fazer um curso quando ela n�o consegue entrar por cotas.
O que falta para um ensino superior com mais equidade?
Um dos desafios � reconectar os estudantes, crian�as e jovens. Um outro objetivo � garantir que as fam�lias tenham condi��es de manter seus filhos estudando e n�o tenham que ir para o trabalho precoce para sustentar as fam�lias. � preciso, tamb�m, garantir recursos para assist�ncia. O estudante precisa de apoio e recursos para manter suas despesas b�sicas enquanto estuda. Desburocratizar processos para que os estudantes de baixa renda possam participar do Fies sem comprovar o imposs�vel. E, por fim, que as pessoas possam ter mobilidade social pela educa��o. Aquelas que t�m acesso ao ensino superior tem cinco vezes mais chance de conseguir trabalho. Chegar � universidade � uma forma de repartir a riqueza e garantir que as pessoas tenham mobilidade.
Quais os principais retornos com o investimento no ensino superior?
A educa��o � um sonho de todas as pessoas. As pessoas que n�o sonham � porque sequer foi dado a elas esse direito quando nasceram. � natural que jovens se sintam bem em ambientes educacionais e tenham um projeto de vida. A educa��o � o �nico meio e a maior estrat�gia para combater a viol�ncia. Se n�s n�o fizermos isso, estamos condenando a sociedade a viver em clima de desigualdade e viol�ncia. A educa��o � um meio de promover paz, mobilidade social, distribui��o de riqueza, desenvolvimento social e garantir o direito de pertencimento dos jovens.
Largou a faxina para ser m�dico
Bruno Eul�lio ao lado do irm�o Matheus Eul�lio Santos, 23 anos, do pai, Adailton Eul�lio Santos, e a irm� Analu Adriana S�rgio Dias dos Santos
(foto: Arquivo pessoal)
Todos n�s precisamos de uma inspira��o. Uma pessoa em quem possamos nos espelhar para tamb�m realizar nossos sonhos. Para Bruno Eul�lio, 22 anos, a pessoa a que se refere � a sua irm� Analu Adriana S�rgio Dias dos Santos, 30. “A minha irm� � a minha inspira��o, ela � a primeira da fam�lia a fazer um curso superior. As pessoas precisam ter em quem se inspirar e ter algo tang�vel para se espelhar”, reflete o jovem.
A fam�lia morava na periferia de Contagem (MG) e tinha parentes em Cambori� (SC), no Sul do pa�s. Analu foi a primeira a deixar a cidade mineira e tentar mudar de vida em outro lugar. Logo ap�s terminar o ensino m�dio, Bruno decidiu seguir os passos da irm�. Ele trabalhava num lava jato e n�o tinha grandes aspira��es, mas sabia que se continuasse ali n�o teria como melhorar a vida.
“O estopim para eu vir pra Santa Catarina foi quando eu percebi que trabalhava no lava-jato e era muito pesado. Eu resolvi que tinha estudar”, conta o estudante. “Eu morava na favela e, al�m de ser um lugar perigoso, entendi que, estando ali, talvez, eu n�o tivesse as oportunidades que eu tive em SC.”
A m�e do jovem faleceu quando ele tinha 11 anos, ent�o foi criado pela madrasta e o pai, o multitarefas da casa, e que sempre cuidou dos tr�s filhos. Adailton Eul�lio Santos, 49, � vigilante h� 10 anos, mas j� exerceu diversas profiss�es: pedreiro, porteiro e carpinteiro. Mas, a mais importante, com certeza, era fazer de tudo para cuidar dos tr�s filhos.
Bruno fez o E nem no 3º ano do ensino m�dio e tirou uma m�dia baixa, mas foi o suficiente para entrar no curso de matem�tica na UFSC como cotista. Estudou a vida toda em escola p�blica, pois eram mais pr�ximas.
“Sabe-se l� se a vida vai me dar a oportunidade de fazer faculdade um dia”, pensou Bruno, na �poca. Ele se mudou para a casa da irm� e arrumou um emprego como faxineiro em um hospital para conseguir se manter em Santa Catarina. E foi l� que tudo mudou para o jovem.
No dia a dia do trabalho, o estudante conheceu a medicina e decidiu voltar a estudar, prestar o Enem e tentar uma vaga para trabalhar naquele ambiente, mas n�o na parte da limpeza. No in�cio, Bruno tentou conciliar trabalho, faculdade de matem�tica e os estudos, mas n�o conseguiu devido ao cansa�o. Saiu do emprego, desistiu da faculdade e se tornou jovem aprendiz no pr�prio hospital.
Na reta final da prepara��o para fazer o Enem, ele encontrou nos flashcards o caminho para conseguir revisar e fixar os conte�dos. Os cart�es nada mais s�o do que lembrete com palavras-chave de conte�dos que ele adaptou para que fossem mais explicativos. Durante o dia, ele trabalhava; � noite, estudava e, nos intervalos, no transporte p�blico, revisava alguns conte�dos com os cart�es que produzia.
“Eu n�o tinha tempo h�bil para revisar tudo. Da�, pensei que era imposs�vel carregar v�rios cadernos. Constru� os cart�es com folhas de caderno, fazia e levava sempre comigo no bolso da cal�a, quando estava no �nibus, estudava”, explica.
Para um jovem da periferia que trabalhou em lava-jato, faxina e s� teria condi��es de fazer faculdade caso fosse p�blica, ser um espelho para que outras pessoas como ele cheguem � universidade � uma miss�o que ele abra�a com orgulho. *Estagi�ria sob a supervis�o da editora Ana S�