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Estado de Minas ANTROP�LOGO

Darcy Ribeiro: 100 anos do vision�rio que lutou por ind�genas, pela educa��o e fugiu de UTI para concluir livro

Trajet�ria do antrop�logo, etim�logo, educador, escritor e pol�tico, um dos maiores intelectuais brasileiros do s�culo 20, � celebrada por ocasi�o de seu centen�rio de nascimento.


25/10/2022 18:07 - atualizado 26/10/2022 08:39


Darcy Ribeiro ao lado de indígenas
Darcy Ribeiro dedicou boa parte da sua vida aos povos ind�genas (foto: Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar))

"Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crian�as brasileiras, n�o consegui. Tentei salvar os �ndios, n�o consegui. Tentei fazer uma universidade s�ria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos s�o minhas vit�rias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu."

Esse trecho do discurso que o antrop�logo, etim�logo, educador, escritor e pol�tico Darcy Ribeiro (1922-1997) proferiu na Universidade Sorbonne, em Paris, quando recebeu o t�tulo de Doutor Honoris Causa, resume a singular e brilhante carreira do intelectual mineiro que n�o ficou circunscrito aos limites da academia.

Nesta quarta-feira (26/10), sua vida e obra s�o celebradas e relembradas por ocasi�o de seu centen�rio de nascimento.

Ele mesmo costumava dizer que era um homem com muitas vidas. Suas expedi��es acabaram virando livros e filmes, e s�o vistas hoje por acad�micos e por seus seguidores como uma das etapas "vision�rias" na sua trajet�ria.

"Vision�rio" foi a defini��o citada tanto pelo indigenista Toni Lotar, conselheiro da Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar), no Rio de Janeiro, que observou a preocupa��o do antrop�logo com os ind�genas e o meio ambiente, como pelo professor argentino da Universidade San Martin (Unsam), de Buenos Aires, Andr�s Kozel, coautor do livro Os futuros de Darcy Ribeiro (Elefante Editora), lan�ado neste ano.

"Darcy estudou muitos assuntos que hoje estamos vivendo", disse Kozel.


Darcy Ribeiro com pintura indígena
Darcy viveu por anos com povos ind�genas brasileiros (foto: Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar))

Seu amigo e escritor Eric Nepomuceno, que o visitou at� os �ltimos de seus dias, disse � BBC News Brasil por que entende que Darcy foi um intelectual diferente.

"Darcy foi um desses pouqu�ssimos exemplos de intelectual que n�o fica de longe examinando n�meros e estudando situa��es para depois teorizar solu��es. N�o, n�o: ele, que ao lado de Celso Furtado foi o intelectual brasileiro que mais peso e influ�ncia exerceu na Am�rica Hisp�nica na segunda metade do s�culo 20, jamais ficou na contempla��o", diz Nepomuceno.

"Foi � luta, foi � realidade. Era um vision�rio, talvez, mas um vision�rio que foi para as trincheiras batalhar pelo que acreditava", complementa.

Apaixonado pela quest�o ind�gena

Quando tinha 24 anos, mudou-se de S�o Paulo para uma comunidade ind�gena no Pantanal, em Mato Grosso do Sul. Mais tarde, moraria com outros ind�genas entre o Par� e o Maranh�o.

Eram os anos 1940 e 1950, e Darcy, ex-estudante de medicina, queria entender a vida dos povos origin�rios. N�o exatamente pelos estudos espec�ficos da Medicina, mas por seu interesse pelos povos. Conta que acabou se apaixonando pela quest�o e ficou amigo dos ind�genas.

"Eu fiz uma coisa pelos �ndios que foi criar o Parque do Xingu [em Mato Grosso]. Mas eles fizeram mais por mim. Eles me deram dignidade e hoje posso ir a qualquer pa�s do mundo falar de �ndio", disse.

No Di�rios �ndios, ele relata sua experi�ncia com os Urubus-Kaapor, na regi�o amaz�nica. A conviv�ncia com esse povo foi transformada num filme do alem�o Heinz Forthmann, que Darcy convidou para acompanh�-lo em algumas expedi��es amaz�nicas.


Darcy Ribeiro ao lado do Cacique Juruna
Darcy Ribeiro ao lado do Cacique Juruna (foto: Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar))

"Darcy identificou que os Urubus-Kaapor eram os �ltimos tupinamb�s, descendentes diretos deles", afirmou a antrop�loga Gisele Jacon de Ara�jo Moreira, que trabalhou sete anos com o intelectual, desde os tempos em que ele foi senador at� seu falecimento.

Entre os fatos p�blicos que marcaram a vida pol�tica de Darcy Ribeiro est� a presen�a do cacique xavante Mario Juruna, que teve seu apoio para ser o primeiro ind�gena eleito deputado federal.

Juruna, que foi do Partido Democr�tico Trabalhista (PDT), gravava, com um pequeno gravador, todas as declara��es dos pol�ticos. Era uma forma de poder cobrar depois que as palavras fossem cumpridas.

Em dezembro de 1994, ent�o com 72 anos, Darcy ficou internado em uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), no Rio de Janeiro, e quase morreu. Diferentes ind�genas tribos fizessem rituais por sua cura.

Educa��o p�blica e gratuita

Ao chegar � casa dos 30 anos, ap�s sua vida com os ind�genas e sua aproxima��o com os irm�os sertanistas Villas-B�as, Darcy conviveu com o educador An�sio Teixeira e passou a ter paix�o pela educa��o.

Foi um defensor contumaz da educa��o p�blica e gratuita para todos, como um dos lemas fundamentais no Brasil.

"Se os governantes n�o constru�rem escolas, em 20 anos faltar� dinheiro para construir pres�dios", disse num discurso no in�cio dos anos 1980.

Darcy dizia que, sem a educa��o, os colonizadores acabariam vencendo. "Darcy era soci�logo, antrop�logo, escritor, romancista, pol�tico e estadista", afirma o presidente da Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar), Jos� Ronaldo Alves da Cunha.

Foi ministro da Educa��o e chefe da Casa Civil no governo de Jo�o Goulart (1961-1964), derrubado pelo golpe militar.


Índio e Darcy Ribeiro
Entre os legados de Darcy Ribeiro est�o o Parque Ind�gena do Xingu, o Museu do �ndio e o Memorial da Am�rica Latina (foto: Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar))

Nesse per�odo, o projeto inovador da Universidade de Bras�lia, sem segmenta��o por departamentos, regrediu, recorda o presidente da Fundar. Por isso, naquele discurso na Sorbonne, Darcy disse ter "fracassado" ao citar a universidade.

Com a ditadura, Goulart e Darcy se exilaram em pa�ses da Am�rica Latina, e o intelectual foi convidado para dar palestras em v�rias universidades da regi�o. O tempo no ex�lio acabou tendo influ�ncia na sua obra.

Era a "P�tria Grande", dizia ele, express�o citada por governos de centro-esquerda e de esquerda da Am�rica do Sul para se referir � regi�o.

Vida pol�tica

Darcy foi filiado ao PDT, vice-governador do Rio de Janeiro no governo de Leonel Brizola e senador da Rep�blica quando criou o projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educa��o.

A lei, aprovada em 1996, � chamada de Lei Darcy Ribeiro e estabelece pontos para a forma��o dos profissionais de educa��o, para garantir o acesso de toda a popula��o � educa��o gratuita e de qualidade, para valorizar os profissionais da educa��o e do dever da Uni�o, do Estado e dos munic�pios com a educa��o p�blica. A lei continua em vigor.

"Darcy era um homem pol�tico. E ele fazia a pol�tica no melhor sentido da express�o", disse Jos� Ronaldo. Ele se construiu buscando as "matrizes" brasileiras, com os ind�genas, com os movimentos negros, com a educa��o e com a pol�tica.

Ex-integrante do Partido Comunista, nos tempos da juventude, onde dizia ter aprendido muito sobre a import�ncia de conceitos, por exemplo, da educa��o e da reforma agr�ria, ele n�o demonstrava convic��o plena no comunismo e acabou se afastando do partido.

Entre seus amigos, j� na idade adulta, estava o arquiteto Oscar Niemeyer, comunista declarado, com quem compartilhava interesses de inclus�o social.

Foi j� nos anos 1980, no governo Brizola, que concretizou o projeto dos Centros Integrados de Educa��o P�blica (Cieps). Ele acompanhava as obras das escolas, o curr�culo escolar e defendia a cultura local, recorda Gisele Jacon.

O legado de Darcy Ribeiro tamb�m inclui o Parque Nacional do Xingu (hoje Parque Ind�gena do Xingu), o Museu do �ndio, o Memorial da Am�rica Latina, a Universidade Nacional de Bras�lia (que, por ideia dele, tem um "beij�dromo"), o Monumento ao Zumbi dos Palmares e o Samb�dromo do Rio de Janeiro (que, por ele, seria utilizado como escola nos per�odos fora do Carnaval).

Fuga do hospital para escrever

Um m�s ap�s a interna��o na UTI, considerado um paciente terminal, em janeiro de 1995 Darcy foge do hospital para concluir em uma casa de praia em Maric� (RJ) seu livro O Povo Brasileiro - a Forma��o e o Sentido do Brasil, um cl�ssico sobre a identidade e as muitas diversidades regionais brasileiras e que virou document�rio.


Darcy Ribeiro em escritório
'Por que o Brasil n�o deu certo. Por que perdemos?' foram as perguntas feitas por Darcy ao escrever 'O Povo Brasileiro' (foto: Funda��o Darcy Ribeiro (Fundar))

"Eu n�o queria morrer sem terminar esse livro. Eu passei 30 anos e 40 dias escrevendo esse livro", recordou tr�s meses depois daquela fuga.

"Das pouqu�ssimas brigas s�rias que tivemos, uma delas foi porque me recusei a ajudar o Darcy a fugir do hospital. Depois estive um sem-fim de vezes com ele na casa de Maric�, uma praia perto do Rio, onde se abrigou", recordou Nepomuceno.

Sobre o livro, Darcy contou em 1995 em entrevista ao programa Roda Viva que queria saber "por que o Brasil n�o deu certo. Por que perdemos? Por que mais uma vez a direita ganhou? Porque o Brasil n�o deu certo do ponto de vista do seu povo?".

Para ele, o pa�s era algo novo e que merecia ser estudado, compreendido.

"O Brasil � um g�nero novo humano. Fundir heran�a gen�tica e cultural �ndia, negra, europeia num g�nero humano novo. Numa coisa nova. Nunca houve. Isso � a aventura brasileira", disse.

Ele morreu dois anos depois, em 1997, em Bras�lia, e naqueles dois �ltimos anos de vida ainda escreveu a autobiografia Confiss�es.

Otimismo e inconformismo

Para o presidente da Funda��o Darcy Ribeiro, o antrop�logo e educador era otimista, mas sofria muito com o que ele enxergava do futuro. "Aquilo que o Brasil poderia ser (...) e ele sofria pelo que o Brasil ainda n�o era", afirmou.

Ao mesmo tempo era definido como otimista, Darcy era tamb�m inconformado ou indignado, como dizia.

"A classe dominante sempre se deu bem e continua se dando bem. Mas o pov�o t� a�, com uma fome que � espantosa. Por que h� fome nesse pa�s?", disse e escreveu h� quase 30 anos.

Ele provocou prantos no discurso que fez no enterro do cineasta Glauber Rocha, em 1981, ao afirmar que, certa vez, o artista chorava e dizia "o pa�s que n�o deu certo".

"Glauber chorava a dor que todos os brasileiros deveriam chorar, a dor das crian�as com fome no Brasil, a dor do pa�s que n�o deu certo. Glauber chorava a estupidez, a brutalidade, a mediocridade, a tortura."

Ao buscar entender a humanidade e, especialmente o Brasil, Darcy Ribeiro dizia que buscava e constatava "beleza". Nepomuceno diz que o intelectual deixou um legado imenso, mas lamenta que o Brasil seja um pa�s "desmemoriado".

"Recorro ao pr�prio Darcy para chamar � lembran�a os tr�s pontos cruciais de tudo que ele fez, que moveram sua luta perene: educa��o para todos, salvar os ind�genas e a floresta, reforma agr�ria. Criar uma sociedade com plena e palp�vel no��o de seus direitos, distribuir a consci�ncia da necess�ria cidadania. Entender, como defendeu com clareza um de seus amigos, o escritor uruguaio Eduardo Galeano (As Veias Abertas da Am�rica Latina), que a hist�ria n�o pode se limitar a ser heran�a, tem de ser constru�da", disse.

- Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63393757


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