
Tanto para quem anseia uma vaga no Estado e presta concurso como para quem j� � servidor e quer avan�ar de posto, compet�ncia, preparo e atualiza��o s�o fundamentais, mas o desafio de conter o �mpeto das interfer�ncias pol�ticas e romper a rigidez de algumas estruturas estatais existe e � debate entre quem pensa o profissional p�blico do futuro no Brasil.
O in�cio da terceira gest�o de Luiz In�cio Lula da Silva (PT), com a nomea��o de duas mulheres funcion�rias de carreira como presidentes da Caixa Econ�mica Federal e do Banco do Brasil, evidencia a discuss�o.
Rita Serrano, 53, a quarta mulher a presidir a Caixa, � funcion�ria do banco h� 33 anos. Ocupou diversos cargos ao longo de sua trajet�ria. Tarciana Medeiros, 44, entrou no Banco do Brasil em 2000, passando por v�rias posi��es. Em 2018, assumiu como executiva na diretoria de empr�stimos e financiamentos do BB. � a primeira mulher a assumir a presid�ncia da institui��o.Para Cibele Franzese, professora de gradua��o e p�s-gradua��o em administra��o p�blica da FGV, o fato de as duas servidoras terem chegado ao cargo de lideran�a � salutar, mas isso n�o quer dizer que a escolha n�o tenha sido pol�tica.
"� uma agenda do governo de fortalecer quest�es de g�nero, de ter mulheres em cargos de chefia e na lideran�a da empresa e ter pessoas de carreira, que conhe�am a vida da pr�pria empresa. Isso mostra um pouco que a gente n�o tem um sistema de alta dire��o em cargos p�blicos com uma sele��o por compet�ncia. � muito a toque que acontece esse processo", diz a professora.
A quest�o de g�nero no governo Lula ganhou mais for�a ainda com a indica��o da jornalista Kariane Costa, 41, para a presid�ncia da EBC (Empresa Brasileira de Comunica��o). H� dez anos na estatal, a jornalista estava trabalhando como rep�rter de pol�tica.
Segundo dados do Atlas do Estado Brasileiro, as mulheres representam 59% dos funcion�rios p�blicos no pa�s. Mas, em cargos de lideran�a, a maioria � de homens: 57%. E quanto maior o n�vel, menor a participa��o feminina.
A Constitui��o estabelece que os cargos de dire��o, chefia e assessoramento s�o de livre nomea��o e exonera��o. Segundo Franzese, a classe pol�tica tem uma agenda de compromisso eleitoral para cumprir, e � leg�timo que eles possam nomear pessoas de sua confian�a para fazer essa agenda acontecer. Por�m, � necess�rio haver mudan�as para que a escolha seja mais t�cnica.
Franzese tamb�m destaca que a pessoa j� ingressa no servi�o p�blico com uma carreira tra�ada pela lei. "� pouco institucionalizado e muito engessado para quem quer planejar a sua carreira. A evolu��o funcional � de tabela salarial, porque a fun��o n�o muda. � promovido e daqui 20, 30 anos, quando for aposentar, est� fazendo a mesma coisa prevista na lei."
Fernanda Sanches Martins, 39, conseguiu fugir desse caminho. Ela entrou como servidora concursada da Prefeitura de S�o Paulo em abril de 2003, em uma fun��o administrativa. Hoje, � coordenadora de projetos da prefeitura.
Ela foi se graduando de acordo com as oportunidades que apareceram ao longo de sua carreira no servi�o p�blico.
"Quando prestei o concurso, a fun��o requisitava s� ensino m�dio e algumas habilidades espec�ficas. Mas eu senti muita falta de evoluir mesmo n�o sendo obrigat�rio na minha carreira, ent�o, fui me formando ao longo desse per�odo. Hoje tenho t�cnico de secretariado, sou bacharel de turismo e sou estudante de tecnologia da informa��o."
Para Paulo Modesto, professor de direito administrativo da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e presidente do Instituto Brasileiro de Direito P�blico, sempre haver� um componente pol�tico no cargo de confian�a. � para isso que eles existem, "s�o a ponte entre o ator pol�tico e os atores t�cnicos", diz.
"Mas que esse componente pol�tico seja filtrado, com teste de compet�ncia, por uma certa propor��o entre os cargos de confian�a e os cargos efetivos. Que se evite uma coloniza��o da pol�tica em rela��o � gest�o p�blica � importante."
Segundo Franzese, faltam regras de avalia��o que possam estimular o servidor e tra�ar uma carreira diferente da que lhe � dada.
"A gente n�o tem uma gest�o de desempenho do servidor. Se n�o tem um dirigente que fa�a a gest�o de desempenho, se o dirigente � um pol�tico que foi indicado e n�o olha para a cara do servidor o ano inteiro, como � que ele vai ser avaliado?"
Modesto vai al�m. Segundo ele, o sistema de carreira n�o � bom e o que respalda isso � a amplitude baixa das carreiras dentro do servi�o p�blico.
"Temos entre o primeiro e o �ltimo n�vel de remunera��o poucos estratos. O servidor, rapidamente, com poucos anos de trabalho, j� est� no n�vel m�ximo da carreira, o que cria desincentivos � manuten��o da efici�ncia, da dedica��o ao servi�o", diz o professor.
Outro fator que alimenta a discuss�o � o local onde o servidor est� alocado, segundo o economista Francisco Gaetani, da Secretaria Extraordin�ria para a Transforma��o do Estado do Minist�rio da Gest�o e da Inova��o em Servi�os P�blicos.
"Se olhar para a Esplanada, ver� um domin� de minist�rios e a tend�ncia � achar que � tudo igual, mas na verdade s�o muito heterog�neos. Tem minist�rios mais profissionalizados e outros menos profissionalizados", diz Gaetani.
"Existem minist�rios que t�m um conjunto de cargos de confian�a. No primeiro n�vel, � mais natural que seja gente de fora. No segundo n�vel, intermedi�rio. No terceiro, que seja o pessoal da casa. Tem �reas que voc� traz gente de fora para todos os n�veis e tem �reas onde o pessoal da casa ocupa todos os n�veis."
O advogado Ricardo Marques, 52, passou pela mudan�a pol�tica na administra��o federal recentemente. Em julho de 2022, ela havia assumindo a Secret�ria de Energia El�trica do Minist�rio de Minas e Energia. Mas, em pouco mais de seis meses, foi exonerado.
Ele entrou no servi�o p�blico em 1999, em cargo comissionado. Em 2005, foi nomeado servidor p�blico na Ag�ncia Nacional de Energia El�trica. "Demorei esse tempo para chegar onde cheguei. Passei por v�rios cargos, fui construindo a carreira aos poucos. Essa � a regra geral", diz.
"Para alcan�ar uma posi��o maior, tem que ter uma bagagem constru�da para voc� conseguir dar as respostas. N�o � s� conhecimento acad�mico ou t�cnico."
A coordenadora de projetos Fernanda Martins mostra que � poss�vel alinhar esses conhecimentos para fortalecer a sua carreira dentro do servi�o p�blico. "Tive muitos obst�culos, coisas que at� me fortaleceram, contribu�ram, e hoje devolvo tudo isso que tive um pouco mais de dificuldade para me consolidar como experi�ncia para a minha equipe."
Para o professor Paulo Modesto, duas medidas poderiam valorizar o preparo e a qualifica��o do servidor. Uma seria exigir n�vel superior para cargo de confian�a, e outra que nunca se ultrapasse o limite m�ximo de 50% dos cargos de confian�a em rela��o aos cargos efetivos.
"H� muito o que fazer, seja criando bloqueios ou inibi��es para a coloniza��o pol�tica desses cargos. � importante que haja resist�ncia contra o abuso, que haja mem�ria dos �rg�os p�blicos, que os servidores possam preservar a continuidade do servi�o p�blico."