Conquistar, aos 6 anos, uma vaga no 1º ano do ensino fundamental n�o � brincadeira. Nem para a crian�a nem para os pais. Primeiro, vem o estresse da inscri��o, com congestionamentos na internet e ansiedade para conseguir se candidatar. Logo depois, uma manh� ou tarde inteira com a obriga��o de cantar, desenhar, participar de joguinhos e ainda tentar adivinhar se a hist�ria contada � da Chapeuzinho Vermelho ou dos Tr�s Porquinhos. Depois, se j� est� alfabetizada, escrever o resumo da hist�ria. Caso contr�rio, desenhar a parte de que mais gostou e caprichar no colorido, sem sair do contorno. Se quiser, dizer em voz alta o trecho para a professora, de prefer�ncia sem trocar as letras.
Os col�gios particulares mais concorridos de Belo Horizonte garantem ter deixado de aplicar o chamado vestibulinho, exame vedado em parecer do Conselho Nacional de Educa��o (CNE), ligado ao Minist�rio da Educa��o (MEC), desde 2003. Na pr�tica, por�m, o ultrapassado exame de admiss�o dos alunos foi substitu�do por iniciativas modernas e criativas, como manh�s de conhecimento e atividades l�dicas. Mas, ainda que fantasiado, um teste.
O nome de batismo mudou, por�m prevalece o objetivo de selecionar crian�as para ingressar em determinadas escolas da capital. Nos bastidores, os pais protestam, afirmando que o clima de competi��o � o mesmo de antes e que os filhos sentem na pele press�o igual � de vestibulandos das universidades p�blicas. Ou at� pior, porque a cobran�a exercida sobre as crian�as passou a ser ainda mais precoce, aos 6 anos, com a antecipa��o da entrada na escola desde 2010.
Pelo menos um caso foi parar nos tribunais mineiros, onde corre sob segredo de Justi�a. Um col�gio de elite da capital foi processado por ter reprovado um pequeno concorrente de 6 anos, candidato a uma vaga para estudar em 2012. A situa��o foi agravada porque o menino acordou com febre no dia do exame e a escola se negou a aplicar o teste em outra data. Quem conta a hist�ria � o advogado da fam�lia, que se mant�m no anonimato para evitar a identifica��o da crian�a, que j� tem irm�os estudando na institui��o de ensino. “A m�e ficou muito revoltada, porque o garoto est� alfabetizado e tem perfil perfeccionista. Ao saber que n�o havia passado na prova, por�m, disse para a m�e n�o se preocupar, pois ‘j� sabia que era burro’”, revela o defensor. Ele anexou como prova nos autos os cadernos caprichados da escola infantil onde o menino estudava anteriormente.
CONSTRANGIMENTO “Chamar o teste de sele��o de ‘manh� de conhecimento’ n�o o torna legal. O Estatuto da Crian�a e do Adolescente pro�be submeter a crian�a a qualquer tipo de constrangimento”, alerta a procuradora Eug�nia Augusta Gonzaga F�vero. Ela � uma das autoras da a��o do Minist�rio P�blico Federal em S�o Paulo que suspendeu a pr�tica em 2005, em car�ter de liminar, e, em abril, acabou de vez com os vestibulinhos em territ�rio paulista. Uni�o e estado foram condenados a pagar R$ 1 milh�o, cada, por deixar de coibir a pr�tica na rede de ensino privada. “Havia relatos de crian�as que, na v�spera do teste, ficavam sem dormir a noite inteira e tinham crises de diarreia porque, no fundo, sabiam que estavam sendo avaliadas”, completa a representante do MP.
A partir da den�ncia dos vestibulinhos em S�o Paulo, o Conselho Nacional de Educa��o publicou o Parecer 26/2003, proibindo a pr�tica para selecionar alunos da pr�-escola e do 1º ano do ensino fundamental. A norma vale para todo o pa�s e sugere que institui��es de ensino adotem crit�rios como sorteio e ordem de inscri��o, com o objetivo de “evitar que uma crian�a pequena seja submetida, ainda que com a concord�ncia dos pais, a qualquer forma de ansiedade, press�o ou frustra��o”. O documento ressalta que as avalia��es dos estudantes devem ter car�ter pedag�gico.
“N�o se admite a reprova��o ou os chamados ‘vestibulinhos’. Essa avalia��o das crian�as pela escola, quando feita, s� se justifica pela necessidade de decidir em que etapa da organiza��o curricular o aluno poder� ser melhor atendido”, informa o documento, baseado na Lei de Diretrizes e Bases da Educa��o Nacional (LDBEN). Em 2007, outro parecer do CNE refor�ou a proibi��o dos exames, condenando a pr�tica mais uma vez. Relatora do primeiro parecer sobre os vestibulinhos, a pedagoga Sylvia Figueiredo Rocha, ex-conselheira nacional de educa��o, explica que escolas usavam ditados e provas para selecionar crian�as, mas alerta que atividades l�dicas podem mascarar um processo com fins eliminat�rios.
“Elas viraram uma esp�cie de brecha na lei, pois n�o est� escrito que � proibido juntar as crian�as para conhec�-las e at� j� organizar as classes futuramente. Isso pode ser usado como um disfarce. Nessa hora, a escola identifica o menino que ainda usa chupeta e fralda e, depois, explica aos pais que a crian�a pode n�o estar madura o suficiente para entrar na institui��o”, critica. Sylvia afirma que duas escolas paulistas foram levadas � Justi�a por usar desses crit�rios e, para evitar problemas, uma delas acabou com a admiss�o de novatos no 1º ano do ensino fundamental. “Se os pais v�o � Justi�a, eles normalmente ganham, mas, como se trata de uma quest�o delicada, apenas os mais corajosos denunciam”, diz.
O que diz a lei
O Estatuto da Crian�a e do Adolescente pro�be submeter a crian�a a qualquer tipo de constrangimento ou vexame. A partir da den�ncia dos “vestibulinhos” em S�o Paulo, o Conselho Nacional de Educa��o, ligado ao Minist�rio da Educa��o (MEC), publicou o Parecer nº 26, de 2003, avisando que “n�o se admite a reprova��o ou os chamados ‘vestibulinhos’ para selecionar alunos da pr�-escola e do 1º ano do ensino fundamental”. Calcada na Lei de Diretrizes e Bases da Educa��o Nacional (LDBEN), a norma vale em todo o pa�s e quer “evitar que a crian�a seja submetida, mesmo com a concord�ncia dos pais, a qualquer forma de ansiedade, press�o ou frustra��o.”