
O que j� foi esperan�a de forma��o superior e de um futuro melhor virou incerteza e ociosidade. O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) enfrenta uma das piores crises dos �ltimos anos. Depois de experimentar uma ascens�o mete�rica e seu apogeu, o sistema agora despenca quase na mesma propor��o. O primeiro semestre letivo est� quase no fim, mas o processo de contrata��es de empr�stimos via fundo ainda n�o acabou. Isso porque apenas 30 mil, das 80 mil vagas oferecidas para o per�odo, foram preenchidas, uma ociosidade de 62,5%, segundo estimativa da Associa��o Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes).Visivelmente, o novo Fies, que propagandeou contratos a juro zero, n�o “pegou”. Para frear a derrocada, governo alterou novamente as regras para o segundo semestre. O baixo percentual de financiamento das mensalidades � apontado como o grande gargalo do sistema.
O Fies teve seu ponto alto em 2014, quando 732.674 contratos foram firmados, um recorde na hist�ria do programa. No ano seguinte, com a crise que come�ou a assolar o pa�s e mudan�as nas regras, o n�mero de vagas despencou para menos da metade, mas a quantidade de estudantes que aderiram ao financiamento foi alta – apenas 8,8% de contrata��es n�o foram acertadas. Em 2016, o cen�rio muda. A ociosidade pula para 37,4%, mas cai para 21,8% em 2017. No primeiro semestre do ano passado, quando foram disponibilizados 150 mil vagas, 21,3% delas n�o foram preenchidas, ou seja, mais que o dobro do n�mero de contratos foram assinados, na compara��o com o mesmo per�odo deste ano. Para todo 2018, o governo anunciou 310 mil contratos, sendo 100 mil com recursos p�blicos e 210 mil com o chamado Fies privado (direto com o banco).
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa��o (FNDE), autarquia vinculada ao Minist�rio da Educa��o (MEC), n�o informa quantos contratos j� foram firmados este ano, alegando que o processo ainda est� em curso. Mas, durante participa��o por v�deo num congresso de educa��o em Comandatuba (BA), no in�cio do m�s passado, o ministro Rossieli Soares informou que 35 mil contratos haviam sido firmados, um pouco mais que a estimativa da Abmes. A assessoria de imprensa do MEC diz que o dado foi apresentado, inicialmente, em coletiva que tratava das mudan�as sobre o teto e o m�nimo financiado e que o levantamento havia sido feito apenas para aquela situa��o espec�fica, podendo o cen�rio ter mudado.
A Associa��o das Mantenedoras contesta os n�meros oficiais e diz que a baixa ades�o est� diretamente ligada aos percentuais de financiamento do curso disponibilizados no primeiro semestre de 2018. “S�o valores muito pequenos, algo em torno de 10% a 15%. Logo, se a mensalidade custa R$ 1 mil, o financiamento � de R$ 100”, explica o diretor-executivo da Abmes, S�lon Caldas. Se de um lado h� uma quantidade enorme de alunos precisando de financiamento e de outro, um n�mero expressivo de vagas, por que a conta n�o fecha? “N�o tem ades�o, porque o governo precisa disponibilizar uma pol�tica p�blica que atenda a necessidade da sociedade. Para que as vagas sejam todas ocupadas � necess�rio disponibilizar financiamento de 100%”, ressalta.
Diante de um percentual de empr�stimo baixo, associado a um cen�rio de desemprego ou de sal�rios insuficientes pra custear a mensalidade, a educa��o aparentemente tem ficado em segundo plano. “Para corrigir o que est� errado, o governo precisa entender que educa��o no pa�s � investimento e n�o gasto nem rombo fiscal. Quem tem renda per capta de tr�s sal�rios m�nimos precisa de condi��es diferenciadas. Disponibilizar 100% para o aluno pagar depois de formado � fomentar a empregabilidade”, afirma Sol�n, citando dados do Minist�rio do Trabalho segundo os quais quem tem curso superior tem renda aumentada em 180%, e do IBGE, cujas pesquisas mostram que o ganho salarial aumenta tr�s vezes com a gradua��o. “Isso tudo faz com que o aluno tenha condi��es de devolver o dinheiro. N�o estamos falando de bolsa, mas de empr�stimo.”

Faltando um per�odo apenas para a formatura, Lorena, que faz est�gio na �rea, n�o v� a hora de tudo isso terminar. “Eu queria muito fazer a faculdade. Sei que estou acumulando uma d�vida, mas, depois que me formar, darei um jeito de pagar”, diz. Ela espera se estabilizar financeiramente durante o per�odo de car�ncia – prazo anterior ao in�cio do pagamento do valor devido ao governo – e, assim, n�o ter problemas para honrar o compromisso. Primeira na fam�lia a se graduar, ela relata o orgulho de todos, mas tamb�m os percal�os. “A gente passa por muita dificuldade. N�o era nem para existir algo do tipo do Fies, se tiv�ssemos uma sociedade justa, na qual quem vem de escola p�blica conseguisse competir em p� de igualdade com os alunos das particulares por uma vaga em universidade federal. Mas, como isso n�o ocorre, infelizmente, essa compensa��o � necess�ria”, diz. “N�o � o melhor dos mundos. Pago uma parte da mensalidade e continuarei pagando, mas � o que temos. Lutamos com as armas que temos e, se � isso o que resta, vamos l�.”
Tr�s perguntas para
Andr�a Ramal, consultora e doutora em educa��o pela PUC-Rio
O fator financeiro � o �nico ou algo mais explica o desinteresse pelo Fies?
O fator financeiro realmente pesa muito. O pa�s ainda passa por uma grave uma crise econ�mica, com mais de 12 milh�es de desempregados. Os �ndices de 10% e 15% (de financiamento) s�o extremamente baixos, desestimulam os candidatos. Os pais est�o cada vez mais receosos em rela��o ao Fies, acompanhando a piora nas contas do governo federal, e temendo uma eventual perda dos benef�cios ao longo do curso. Al�m disso, a burocracia � enorme, assim como a lista de exig�ncias e os constantes problemas nas inscri��es.
Pode-se falar numa descren�a em rela��o ao ensino superior?
N�o acredito. Os brasileiros entendem, cada vez mais, a import�ncia de se formar e buscar, com mais chances, vagas no mercado. Al�m disso, pesquisas recentes atestam que os profissionais com ensino superior chegam a ganhar 10 vezes mais do que os que t�m ensino m�dio. A descren�a � relacionada �s regras, dificuldades financeiras das institui��es p�blicas e problemas de gest�o das faculdades.
Como reverter essa derrocada?
Antes de falarmos em mais mudan�as no Fies, o foco deve ser no investimento no ensino p�blico, qualifica��o de professores, a��es para a redu��o da viol�ncia no entorno das escolas e implementa��o de pol�ticas que aumentem, de fato, a qualidade da educa��o brasileira. Nos �ltimos anos, a pauta do pa�s vem sendo ocupada por quest�es econ�micas, pol�ticas e, principalmente jur�dicas, deixando a educa��o em segundo plano.
�ndice de cr�dito vira pegadinha para aluno
O percentual de financiamento a ser obtido no Fies � uma caixinha de surpresa. H� regras pr�-determinadas pelo sistema. O estudante deve ter tido nota m�nima de 450 pontos em qualquer edi��o do Exame Nacional do Ensino M�dio feito a partir de 2010, mas a pontua��o � classificat�ria. Quanto melhor o desempenho, maiores as chances de conseguir entrar no programa. Para gerar o percentual de financiamento, o sistema leva em conta ainda o valor da mensalidade, da renda e o comprometimento desses ganhos diante da despesa – o que s� � conhecido s� na hora. Assim, quem entra na faculdade achando que ter� 100% de cr�dito pode ter m�s surpresas.
Com tantas vagas ainda em aberto, as chamadas remanescentes voltaram ao p�reo desde o fim de maio. “O processo n�o terminou. As aulas come�aram em fevereiro. Muitos alunos est�o chegando ao fim do semestre sem financiamento, porque n�o conseguiram acesso ou porque o percentual obtido foi pequeno. Contra�ram uma d�vida com a institui��o na expectativa do financiamento de 100%. Com essa situa��o, a evas�o aumenta e o estudante ainda fica com a d�vida. Como n�o firmou contrato, a institui��o vai cobrar � do aluno”, afirma S�lon Caldas, diretor-executivo da Abmes.
