
O pior desempenho na s�rie hist�rica do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) significa tamb�m o sonho frustrado de milhares de brasileiros de fazer uma gradua��o. O impacto no n�mero de alunos que deixaram as salas de aulas do ensino superior por n�o ter conseguido acesso ao programa ainda � desconhecido, mas o desempenho p�fio do chamado Fies privado (P-Fies) evidencia que a solu��o para garantir o acesso da popula��o � educa��o n�o passa pela transfer�ncia da responsabilidade constitucional do governo para agentes financeiros privados. As institui��es particulares de ensino superior apresentaram uma proposta de reestrutura��o, que tem como objetivo o resgate do aspecto social do programa. A expectativa � que o governo de Jair Bolsonaro abrace as medidas e mude o cen�rio a partir de 2019.
A ideia � que a Uni�o financie 100% do valor das mensalidades. Hoje, o percentual m�nimo � de 50%, mas os custos relativos aos outros 50% s�o considerados impedimento para grande parte da popula��o. Do lado das institui��es, a proposta � que elas ofertem ainda um desconto permanente nas mensalidades dos alunos beneficiados pelo Fies (percentual fixo a ser estabelecido junto aos gestores da pol�tica). Os estudantes tamb�m teriam participa��o nesse modelo: come�ariam a pagar o financiamento no m�s subsequente � sua contrata��o, em percentuais inferiores aos que arcariam com a diferen�a entre o valor financiado e o custo da mensalidade.
Outra proposta � o financiamento de cursos na modalidade EAD, que atualmente n�o � contemplada. A Associa��o Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes) ressalta que as mensalidades do ensino a dist�ncia s�o bem mais baixas, na compara��o com os cursos presenciais, mas ainda inacess�veis para uma parcela significativa da popula��o. A justificativa � de que a modalidade permitiria ao governo ter maior controle financeiro do programa, pois o risco de inadimpl�ncia � reduzido em virtude dos valores menores de financiamento.
O modelo atual foi sancionado no fim do ano passado pelo presidente Michel Temer, apostando em tr�s modalidades diferentes. A primeira delas, para as quais ser�o destinadas 100 mil vagas este ano, tem juro zero e corresponde ao financiamento oferecido diretamente pelo governo para o estudante. S�o reservadas a candidatos com renda familiar per capita mensal de at� tr�s sal�rios m�nimos. O juro zero, no entanto, � questionado. A taxa anual, que era de 6,5%, agora � calculada de acordo com a infla��o, deixando de ser fixa para variar conforme a economia do pa�s.
As outras duas modalidades, chamadas de P-Fies, destinam-se a estudantes com renda familiar de at� cinco sal�rios m�nimos. O Fies 2 oferta 150 mil vagas e atende estudantes do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, segundo o MEC. Dentro do Fies 3, s�o oferecidas 60 mil vagas para todo o Brasil, sendo os recursos oriundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econ�mico e Social (BNDES). Em ambos os casos, a taxa de juros vai variar de acordo com a institui��o financeira na qual foi fechado o financiamento.
As altera��es contemplaram ainda o prazo de car�ncia. Antes, o estudante tinha 18 meses para come�ar a pagar sua d�vida. Agora, dever� faz�-lo imediatamente, j� no m�s seguinte ao de sua formatura. Quem tiver contrato formal de trabalho ter� o valor da parcela descontado diretamente do sal�rio. Se o estudante n�o tiver renda, o saldo devedor poder� ser quitado em presta��es mensais equivalentes ao pagamento m�nimo do financiamento, crit�rio que tamb�m ser� usado para quem perder o emprego ou desistir do curso. Para tentar conter a derrocada do Fies, no segundo semestre, o governo aumentou a cota de financiamento dos cursos para, no m�nimo, 50%, e ampliou o valor m�ximo do benef�cio por semestre. Antes, a quantia financi�vel era de at� R$ 30 mil, referente a cada per�odo de seis meses, e passou para R$ 42.983.
OCIOSIDADE Em junho, o novo Fies, que propagandeou contratos a juro zero, j� dava sinais claros de que n�o pegou. Pouco antes do fim do semestre letivo, das 80 mil vagas oferecidas para o per�odo, apenas 30 mil foram preenchidas – ociosidade de 62,5%, segundo estimativa da Abmes. No Fies privado, no qual a d�vida � feita juntamente aos bancos credenciados pelo Minist�rio da Educa��o (MEC), a derrocada tamb�m j� era latente. Segundo a associa��o de mantenedoras, das 75 mil vagas disponibilizadas nos primeiros meses do ano, apenas 800 contratos foram firmados (1%).
Para as mantenedoras, trata-se do pior cen�rio hist�rico. “Em 2010, �ramos 190 milh�es de brasileiros com 4,7 milh�es de estudantes cursando o ensino superior particular. Desses, 76 mil tinham Fies. Em 2018, a popula��o saltou para 208 milh�es de pessoas, registrando crescimento populacional de 9,4% no per�odo. Nesse mesmo intervalo, a quantidade de alunos nas institui��es de ensino superior particulares subiu 42%”, afirma o documento da Abmes. Mas, o n�mero de inscritos no Fies, na compara��o de 2010 com 2018, cresceu apenas 5,2%. O levantamento considera que, para igualar proporcionalmente ao ano de 2010, em 2018, o Brasil deveria ter efetivado 107.920 contratos novos. Esse d�ficit de 25,6% faz deste o pior Fies da hist�ria”, relata.
Para a Abmes, o fracasso do programa este ano tem rela��o direta com as reestrutura��es e os cortes de recursos pelos quais o Fies vem passando nos �ltimos anos, especialmente com as mudan�as implementadas a partir de 2015. Pesquisa da associa��o feita com 1.079 jovens das cinco regi�es brasileiras que querem cursar uma gradua��o ou j� est�o na educa��o superior mostra que as altera��es promovidas pelo governo federal descaracterizaram o Fies e dificultaram o acesso dos estudantes ao financiamento.
CONTRATA��ES O Fies teve seu ponto alto em 2014, quando 732.674 contratos foram firmados, um recorde na hist�ria do programa. No ano seguinte, com a crise que come�ou a assolar o pa�s e as mudan�as nas regras, o n�mero de vagas despencou para menos da metade, mas o n�mero de estudantes que aderiram ao financiamento foi alto – apenas 8,8% contrata��es n�o foram acertadas. Em 2016, o cen�rio mudou. A ociosidade pulou para 37,4%, mas caiu para 21,8% em 2017. No primeiro semestre do ano passado, quando foram disponibilizados 150 mil vagas, 21,3% delas n�o foram preenchidas, ou seja, mais que o dobro do n�mero de contratos foram assinados, na compara��o com o mesmo per�odo deste ano.
Estudante do 2º per�odo de design do UNI-BH, �caro El�sio Fr�es Guimar�es e Guimar�es, de 20 anos, pode ser considerado um privilegiado. Ele entrou na faculdade no in�cio do ano esperando conseguir o Fies para prosseguir no curso, cuja mensalidade gira em torno de R$ 1,1 mil. Mas o financiamento, de 85%, s� saiu no fim de junho, v�lido para o segundo semestre. Mesmo tendo contratado no primeiro semestre o cr�dito universit�rio que a institui��o disponibiliza, as finan�as de casa ficaram apertadas, pois o desconto era de 50%. “S� meu pai trabalha, ent�o, ele arcou com praticamente tudo, com a ajuda da minha madrinha e av�”, conta. O al�vio vir� a partir do ano que vem, quando a fam�lia ter� que arcar com apenas 15% da mensalidade. “Foi um pouco sufocante este semestre ainda, pois tive que j� devolver o dinheiro do Pravaler. Agora, vou poder arcar at� com meu material”, diz.
O estudante criticou ainda o P-Fies. “N�o vai dar em nada. N�o tem condi��es de um estudante arcar com as exig�ncias dos bancos. N�o ajuda em nada”, afirma. A esperan�a para o jovem � o Fies. “Ele � a melhor op��o. E minha �rea � bem ampla, logo, tenho a esperan�a de que, quando come�ar a pagar, j� terei emprego e s� essa d�vida para dar conta.”
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa��o (FNDE) foi procurado para comentar os problemas com o Fies e explicar o uso do fundo garantidor, mas n�o deu retorno at� o fechamento desta edi��o.
