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Estado de Minas QUANDO NEM A EDUCA��O SALVA

Sal�rio de professores com n�vel superior � 30% menor que de profissionais com a mesma escolaridade

Estudos tra�am retrato preocupante da educa��o. Diferen�a de remunera��o pode superar 100% no mercado, dependendo das redes em que estudantes tenham obtido diplomas


postado em 01/07/2019 04:09 / atualizado em 01/07/2019 08:27

Há 16 anos na sala de aula, o professor Ary Luiz Gonçalves concluiu o mestrado, mas está descrente em progressão financeira: 'A especialização não é valorizada'(foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
H� 16 anos na sala de aula, o professor Ary Luiz Gon�alves concluiu o mestrado, mas est� descrente em progress�o financeira: 'A especializa��o n�o � valorizada' (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)
A valoriza��o de quem est� � frente da sala de aula deveria ser o carro-chefe da educa��o, mas se tornou um dos maiores desafios do pa�s. Um dos principais sintomas da falta dela � o sal�rio de quem dedica a vida a estabelecer os alicerces sobre os quais se formar�o outros profissionais. Estudo do Movimento Todos pela Educa��o mostra que um professor do ensino b�sico formado em n�vel superior ganha, em m�dia, 30% menos que outro profissional com a mesma escolaridade. Pior: mudar esse cen�rio e equiparar as condi��es de remunera��o parece longe da realidade. Isso porque seria necess�rio, segundo a mesma organiza��o, um investimento de pelo menos 43% nessa etapa escolar, que vai do ensino infantil ao m�dio. E o pa�s d� cada vez mais sinais de que n�o falta est�mulo e reconhecimento apenas a quem ensina, mas tamb�m a quem se forma. Estudo da Funda��o Get�lio Vargas revela que o tipo de estabelecimento onde se cursou o n�vel m�dio e a gradua��o ser� determinante para rebaixar ou elevar os vencimentos de profissionais – disparidade que pode superar os 100% e que persiste mesmo entre profissionais que se formaram igualmente em universidades federais.

Mais grave que o diagn�stico talvez seja a proje��o sobre essas desigualdades. Mal de sa�de em termos econ�micos, o pa�s dificilmente ter� recursos para investir o tanto que deveria no setor, conforme destaca o coordenador de projetos do Movimento Todos pela Educa��o, Caio Callegari. Ele explica que o pagamento do educador responde pela principal fatia do gasto em educa��o. Em 2018, o rendimento m�dio dos professores da educa��o b�sica com curso superior correspondia a 69,8% do sal�rio m�dio dos profissionais de outras �reas com o mesmo n�vel de escolaridade. Enquanto a m�dia salarial de quem ensina foi de R$ 3.823 no ano passado, a do conjunto dos trabalhadores brasileiros graduados ficou em R$ 5.477, segundo o Anu�rio Brasileiro da Educa��o 2019 (veja arte). Ao se comparar o sal�rio m�dio dos profissionais de �reas de exatas ou sa�de, a defasagem � de 50%.

Em Minas, 85,6% dos docentes do ensino b�sico se formaram na universidade, sendo que 36,3% deles t�m p�s-gradua��o. Em n�vel nacional, esses n�meros ficam em 79,9% e 36,9%, respectivamente. Em compensa��o, a m�dia salarial dos professores da rede p�blica vem crescendo. Nos �ltimos sete anos, o aumento foi de 6,4%, aponta o documento. Mas os desafios de melhor remunera��o persistem e se expressam por outros indicadores. Cerca de 10% dos munic�pios, por exemplo, ainda n�o t�m plano de carreira para seus professores.

Falta incentivo � especializa��o


As dificuldades escondidas por tr�s dos n�meros aparecem no dia a dia dos profissionais de ensino e se refletem na falta de est�mulo objetivo ao aprimoramento. Na sala de aula h� 16 anos, o professor de ci�ncias e biologia Ary Luiz Gon�alves, de 39 anos, trabalha atualmente em uma escola estadual no Bairro Gameleira, na Regi�o Oeste de Belo Horizonte, e em um estabelecimento privado no Bairro S�o Paulo (Regi�o Nordeste). Defendeu na semana passada sua tese de mestrado, mas, apesar do investimento na carreira, n�o acredita numa escalada financeira. “Tenho a impress�o, �s vezes, de que essa diferen�a salarial � maior do que 30%. Na rede estadual ainda h� uma porcentagem pequena de acr�scimo no sal�rio por causa da p�s-gradua��o, mas n�o vou receber nem R$ 3 mil. Na particular n�o tem incentivo, a especializa��o n�o � valorizada”, afirma. “A p�s-gradua��o � mais para minha capacita��o pessoal. O mestrado abre a possibilidade de dar aulas em uma faculdade, mas tamb�m n�o garante nada, porque os estabelecimentos n�o est�o contratando em car�ter efetivo.”

Ary leciona para alunos do 6º ano do fundamental at� o 3º do m�dio. No estado, o sal�rio l�quido � de R$ 2,3 mil. “Tenho esposa e filha. Com uma rede s� � imposs�vel sustentar a fam�lia. Queria que n�o fosse assim, porque � meu local de trabalho. Falta estrutura, falta compromisso de outros colegas e uma s�rie de fatores ajuda a desvalorizar a profiss�o”, diz. O professor considera que n�o � s� dinheiro que vai mudar a educa��o. “N�o d� para mudar o sistema de uma hora para outra. � preciso investimento n�o s� financeiro, mas de estrutura, de material dispon�vel para fazer trabalho diferenciado. A escola p�blica onde dou aula n�o tem verba para o transporte de uma excurs�o. Quando conseguimos ve�culo, �s vezes, � doa��o.”

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


Igualdade: pr�xima nos planos, distante na pr�tica


Muito mais que uma quest�o financeira, uma sinaliza��o cultural. Para especialistas que analisam as disparidades de rendimento entre educadores do ensino b�sico e profissionais de outras �reas, demonstradas no �ltimo Anu�rio Brasileiro da Educa��o, estimular o aprimoramento dos professores � um indicador do que o pa�s projeta para o futuro. O coordenador de projetos do Movimento Todos pela Educa��o, Caio Callegari, afirma que a disparidade da remunera��o dos docentes � fruto do baixo investimento em educa��o b�sica. O Plano Nacional de Educa��o (PNE) determina a valoriza��o dos profissionais do magist�rio das redes p�blicas da educa��o b�sica, a fim de equiparar o rendimento m�dio ao dos demais profissionais com escolaridade equivalente, at� o fim do sexto ano da vig�ncia do plano, ou seja, at� 2020. “Equiparar � o primeiro passo. Quando se olha para os sistemas de educa��o de qualidade do mundo, eles t�m em comum a valoriza��o dos professores. E n�o � s� salarial, mas cultural, tem a ver com a imagem do docente como o profissional mais importante para o futuro do pa�s”, diz.

Apesar de ainda muito distante do ideal, a situa��o avan�ou. Em 2012, a m�dia salarial de um professor graduado correspondia a 61% da remunera��o de outros profissionais tamb�m com forma��o em n�vel superior. Callegari chama a aten��o para a necessidade de pensar uma carreira que estimule o professor a se formar, fazer cursos de forma��o continuada e ter experi�ncias pedag�gicas fora da sala de aula.

Por enquanto, isso parte muito mais da paix�o de cada profissional do que propriamente do reconhecimento financeiro ou est�mulo pelo aprimoramento. Que o digam pessoas como o professor de educa��o f�sica Bruno Ambr�zio Teixeira, de 33. Lecionando h� 10 anos, ele tem bacharelado, licenciatura e p�s-gradua��o. Mas, na escola particular n�o tem remunera��o extra pela especializa��o. A recompensa vem apenas do estado: 5% a mais. Por 18 aulas por semana na rede, s�o R$ 2 mil. Al�m das duas redes, para dar um pouco mais de musculatura ao contracheque ele trabalha em uma cl�nica. “O dinheiro � suado e se eu fosse um pai de fam�lia complicaria, teria muitos problemas”, diz.

Bruno Ambrózio Teixeira perseguiu o sonho e fez bacharelado, licenciatura e pós, mas precisa dar aulas em duas redes e ainda completar a renda em uma clínica(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
Bruno Ambr�zio Teixeira perseguiu o sonho e fez bacharelado, licenciatura e p�s, mas precisa dar aulas em duas redes e ainda completar a renda em uma cl�nica (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)


EVOLU��O A hist�ria de Bruno se confunde com seu amor pela profiss�o. De 2006, quando tinha apenas 18 anos, at� 2008 trabalhou como porteiro de uma escola particular da Regi�o Centro-Sul de BH, sempre mirando o sonho de se formar em educa��o f�sica. Morador do Bairro Conjunto Cristina, em Santa Luzia, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, trabalhava de dia e fazia faculdade � noite.

Em 2008 e 2009 foi para uma outra escola, no Bairro Funcion�rios, onde ocupou o cargo de disciplin�rio. Depois teve a oportunidade de lecionar, quando terminou a faculdade, aos 22 anos. Na fam�lia todos s�o da �rea de educa��o. O irm�o g�meo, Breno, tem a mesma hist�ria – de porteiro a professor – e a irm� tamb�m trabalha em institui��o escolar, na parte administrativa. “Escolhi o curso de educa��o f�sica porque gosto. Amo o que fa�o. Ver o aluno caminhando � o melhor sal�rio que recebo. E v�-los formados � muito gratificante”, diz.

Em um trabalho no qual assume diversos pap�is, atuando ora como mestre, ora como pai e por vezes, psic�logo, levar sua hist�ria de vida para os alunos da rede p�blica � uma das formas encontradas por Bruno para estimular os adolescentes a seguir em frente. E o trabalho n�o � s� em na escola. Em casa, � preciso se dedicar a planejamento de aulas e se atualizar sempre. “Briga-se muito pela equidade, mas ela s� vir� a longo prazo.”

Desn�vel salarial resiste �s cotas


(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


As disparidades na educa��o, que come�am entre aqueles respons�veis por ministrar a forma��o b�sica aos estudantes do pa�s, se estendem a profissionais que j� conseguiram o sonhado diploma do ensino superior, apesar de pol�ticas afirmativas que buscam democratizar o acesso �s universidades p�blicas brasileiras. � o que mostra estudo desenvolvido na Funda��o Get�lio Vargas com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domic�lio Cont�nua (PNADC) de 2018. O trabalho indicou que profissionais com o mesmo n�vel de forma��o s�o remunerados de maneiras distintas, dependendo da rede na qual cursaram o ensino m�dio e o superior. A diferen�a nos casos extremos pode chegar a 140%.

O trabalho indica que  disparidade na educa��o, que se tentou amenizar promovendo o acesso de estudantes a universidades p�blicas por meio da Lei das Cotas, ficam escancaradas na ponta final do processo. Alunos do ensino p�blico e privado devem ter chances de ingresso divididas meio a meio nas institui��es federais de ensino superior, mas elas se perdem ao longo do curso e as desigualdades voltam � tona em um raio-x do mercado de trabalho.

De acordo com estudo do pesquisador Daniel Duque, da �rea de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Funda��o Get�lio Vargas (FGV Ibre), o relat�rio da PNADC mostra que, apesar de o pa�s ter avan�ado, a desigualdade persiste. O especialista constatou que a popula��o brasileira est� cada vez mais escolarizada. Mas, ainda h� uma enorme diferen�a de classe e entre os estudantes do ensino p�blico e privado. Superar essa segmenta��o � um dos desafios do pa�s. Segundo o estudo de Duque, formados em universidades p�blicas e no ensino m�dio privado ganhavam cerca de 140% a mais, em 2017, do que aqueles que tinham se formado em universidades privadas e no ensino m�dio p�blico. Em 2016, essa diferen�a era de pouco menos de 114%.

“Esse levantamento mostra que, apesar de avan�os, a educa��o superior p�blica brasileira ainda est� longe de ser inclusiva. H� um esgotamento da melhora via Lei de Cotas e uma redu��o da presen�a de jovens de classe social mais baixa pleiteando uma vaga na universidade p�blica, devido ao mercado de trabalho ainda fragilizado e � necessidade de procurar um trabalho”, diz o economista.

Ano passado, de cada 100 brasileiros 17 tinham ensino superior – um aumento em rela��o a 2016, quando eram apenas 15. O principal destino dos alunos de n�vel superior ainda � a universidade privada. Mas o levantamento mostra que as universidades p�blicas j� s�o consideravelmente inclusivas: em 2018, cerca de 74% dos alunos dessas institui��es tinham vindo de escolas p�blicas.

Mas os dados mostram que, entre 2017 e 2018, n�o houve avan�os na inclus�o. “Os dados apontam para uma estagna��o da inclus�o de estudantes de ensino m�dio p�blico nas universidades p�blicas, que n�o necessariamente vai melhorar”, destaca. “E indicam que o mercado de trabalho tem aumentado sua concentra��o de renda em linha com tal segmenta��o. Apesar das cotas, ex-alunos de ensino m�dio privado ainda s�o maioria entre os que se formam em cursos mais competitivos, como medicina e engenharia”, completa.


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