Cartas de JK no ex�lio, em 1964: "S� morto deixo o Brasil outra vez"
Juscelino pretendia retornar ao Brasil em 22 de dezembro de 1964, para passar o Natal com a fam�lia. Ele explicou � filha Maria Estela por que desistira
postado em 23/03/2014 06:00 / atualizado em 28/03/2014 14:52
Juscelino embarca com a fam�lia para seu ex�lio em Paris. Momentos antes, princ�pio de confus�o no aeroporto (foto: Douglas Ferreira da Silva/O Cruzeiro)
Ao lado de familiares, amigos e aliados, Juscelino Kubitschek esperou em 8 de junho de 1964, em seu apartamento na Vieira Souto, no Rio de Janeiro, o an�ncio da cassa��o de seus direitos pol�ticos. Confidenciou amargurado � sua filha Maria Estela, diante dos convites dos embaixadores da Espanha, do Paraguai e de Portugal: "Eu, um democrata, recebo a oferta de asilo pol�tico de Francisco Franco, Salazar e de Alfredo Stroessner". Maria Estela estava gr�vida de tr�s meses. "Naquele dia, fumei o meu primeiro cigarro", conta ela.
Para deixar o pa�s, JK optou pelo salvo-conduto espanhol. Mas se fixaria em Paris. Em 13 de junho, o ex-presidente e a esposa Sarah chegaram ao aeroporto acompanhados do embaixador da Espanha, Jaime Alba Delibes, e do coronel Affonso Heliodoro. Ambos abriam caminho em meio a uma multid�o que o saudava com o Hino Nacional e o Peixe Vivo. Tumulto. Oficiais da Aeron�utica arrancaram as armas. "Querem matar JK", gritaram alguns. Um militar encostou o cano do rev�lver na barriga de Maria Estela. Sarah, que subia as escadas do avi�o, viu a cena. Deu meia volta, dedo em riste, avisou: "Tire essa arma da barriga da minha filha. Ela est� gr�vida!". Foi obedecida.
O relato � de Maria Estela. "Meu pai s� conheceu o neto Jo�o C�sar, que nasceu em dezembro, quando ele j� estava com seis meses. Eu o levei a Paris. Foi batizado l�", revela. A not�cia do nascimento do neto, que recebeu o nome do pai de JK, chegou a ele e a Sarah por telegrama enviado pelo genro Rodrigo, em 6 de dezembro de 1964. O ex-presidente e a esposa estavam em Lisboa.
Caneta tinteiro � m�o, JK escreveu � filha e ao genro: "A dist�ncia, a saudade e a solid�o agravam qualquer estado de esp�rito e nos tornam muito emotivos. Ao recebermos em Lisboa o telegrama do Rodrigo n�o dissemos uma palavra. A garganta secou e s� o sil�ncio permitiu que a emo��o n�o transbordasse em outras manifesta��es". Nessa carta, publicada por Maria Estela na obra Simples e Princesa, JK agradeceu sensibilizado a homenagem prestada ao seu pai: "Sei que voc� e Rodrigo quiseram me dar nesta hora uma prova excepcional de amizade. Assim a recebi. Por isso mesmo mais sens�vel fiquei ao gesto de ambos. N�o sei se chegamos ao fim das prova��es".
Juscelino pretendia retornar ao Brasil em 22 de dezembro de 1964, para passar o Natal com a fam�lia. Ele explicou � filha Maria Estela por que desistira. "Sua m�e pediu � Senhora de F�tima que mandasse um aviso sobre se estava certa a data escolhida. Ao voltar a Lisboa, surgiu a hist�ria dos astr�logos. Foram t�o persuasivos que a eles se renderam todos (...) Fizeram um cerco em torno de mim", escreveu. Al�m da "astrologia", JK havia tido informa��es, dias antes, de que nem ele, nem Juan Domingos P�ron, presidente argentino exilado em 1955, tamb�m afastado por golpe militar, entrariam na Am�rica Latina. "A not�cia provinha de fontes muito seguras. A quest�o com o ditador argentino explodiu exatamente no instante em que os astr�logos sustentavam a tese do adiamento. Consequ�ncia: sua m�e meteu os p�s no ch�o e n�o aceitou mais conversa." JK prosseguiu na carta ironizando a interfer�ncia "esot�rica" na decis�o de adiar o retorno ao pa�s: "Demos um r�pido recuo para alguns mil�nios atr�s, � �poca em que Alexandre deixava a Maced�nia e por mares incertos e fr�geis embarca��es ia ouvir o or�culo de Delfos. Concordei, agora. � a �ltima transig�ncia (...) Pe�o-lhes que guardem reserva de tudo isso. Seria rid�culo que essa not�cia se espalhasse".
JK precisava se defender das acusa��es reverberadas por Carlos Lacerda de que seria "a s�tima fortuna" do mundo. Levava vida modesta em Paris, instalado num pequeno apartamento de dois quartos no Boulevard Lannes, 65. Em cartas confidenciais dirigidas aos deputados federais Carlos Murilo e Renato Azeredo naquele ano, publicadas por Serafim Jardim na obra JK, Onde est� a verdade?, o ex-presidente tentava articular um movimento de repara��o hist�rica, tentando restaurar a verdade sobre a sua situa��o financeira e sua conduta como homem p�blico. Sugeria uma estrat�gia, empregada pelos maquis - grupos franceses de resist�ncia ao nazismo na Segunda Guerra Mundial.
Clique para ampliar e ver a linha do tempo (foto: EM/D.A.Press)
Ainda acreditando que no ano seguinte haveria elei��es presidenciais, JK recomendou em 29 de junho de 1964 a Carlos Murilo e a Renato Azeredo: "(...) o primeiro passo nessa luta � destruir o hidr�fobo da Guanabara. Cinco anos de governo desse louco arrasariam o Brasil e nos condenariam a um ex�lio perp�tuo". A refer�ncia era ao udenista Carlos Lacerda. Este trabalhara pela cassa��o de Juscelino Kubitschek, ati�ando o marechal da linha dura Costa e Silva. Lacerda, que sonhava em concorrer � Presid�ncia da Rep�blica em 1965, afastava aquele que, acreditava, seria o seu principal advers�rio nas urnas. Pesquisa de opini�o realizada pelo Ibope antes da cassa��o de Juscelino Kubitschek, entre 15 e 20 de mar�o de 1964, indicava JK com 37% das inten��es de voto, Carlos Lacerda com 25%, Ademar de Barros com 9%, Magalh�es Pinto com 7% e 22% indecisos.
A hist�ria imp�s a Lacerda o seu rev�s. N�o haveria elei��es presidenciais. Houve o Ato Institucional n�mero 2, suspendendo o voto direto para presidente da Rep�blica. Inconformado, o "hidr�fobo" seria empurrado para a oposi��o. Mais precisamente para o colo de JK.
Os tempos cada vez se tornariam mais dif�ceis. A expectativa manifesta por JK em carta aos seus compadres Joaquim e Bertha Mendes de Sousa, "de que o Natal de 64 seria o �ltimo longe do Brasil, encerrando o seu inferno astral", n�o se concretizou. O ex�lio de JK se encerrou em 9 de abril de 1967, durante o governo de Costa e Silva, respons�vel no meio militar pelo enredo de sua cassa��o. "S� morto deixo o Brasil outra vez", afirmou ao desembarcar no Rio de Janeiro. O ex-presidente morreu em agosto de 1976, num acidente de carro na Via Dutra, at� hoje envolto em pol�mica sobre a participa��o do regime militar no epis�dio.