
Com o nome j� escrito na hist�ria do futebol feminino, Nicole Rose � a primeira mulher trans a competir profissionalmente em Minas Gerais. A trajet�ria n�o tem tom de supera��o, mas sim de resist�ncia, reconhecimento e ‘miss�o cumprida’. A atacante buscou a pr�pria identidade em meio a dificuldades e falta de apoio e apostou alto para chegar onde est�.
O caminho tra�ado por Nicole no futebol n�o � uma linha reta e contraria as estat�sticas da comunidade, que muitas vezes � marginalizada. De acordo com a Associa��o Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), 90% da popula��o tem a prostitui��o como fonte de renda no Brasil. Al�m disso, 0,02% est� na universidade, 72% n�o tem o ensino m�dio e 56% o ensino fundamental.
Apesar das curvas, trope�os, impedimentos e outros percal�os, Nicole chegou ao Campeonato Mineiro Feminino e pode dar como conclu�da uma de suas metas. H� alguns anos, ela achou que o sonho de estar em campo n�o fosse poss�vel. Foi o incentivo da esposa que reacendeu a vontade e a busca pelo desejo. Ent�o, ela encontrou no Nacional de Visconde do Rio Branco, a pouco mais de 260km da capital mineira, a chance de viver do esporte e orgulhar a filha.
O in�cio dessa hist�ria se parece com o de muitas outras. Nicole come�ou a jogar futebol crian�a, aos seis anos, na cidade natal, Belo Horizonte. Surgia ali o sonho de se tornar profissional e o pontap� para a busca por chances melhores em outros times. Em paralelo, o n�o entendimento com a identidade. Na �poca, informa��es sobre a transexualidade n�o eram t�o dispon�veis como hoje, e conversar sobre o tema era tabu ainda maior. Mas Nicole j� sabia que havia algo diferente. “Com 12 anos j� me identificava como uma crian�a diferente das outras. N�o sabia ainda o que era. N�o havia rede social, muita informa��o ou amigos LGBTs para conversar.”
Com a ang�stia de n�o entender o que se passava internamente, outro esporte entrou na jogada: o t�nis. A pr�tica do esporte individual, no entanto, n�o adiantou muito, e Nicole voltou para o campo. A ‘coroa��o’ com o primeiro contrato profissional veio aos 20 anos. “Com 14, voltei para a base, treinando forte para recuperar o tempo perdido e chegar ao profissional. Com 20, cheguei ao profissional para disputar minha primeira partida, nessa �poca ainda no masculino”, lembra.
Mas o sonho foi interrompido por uma les�o. Como se pudesse tirar da dor e da frustra��o algo de positivo, Nicole aproveitou o tempo em recupera��o para, novamente, direcionar energia e reflex�o a uma parte da vida que ainda a machucava. “Foi um momento de muita reflex�o, porque consegui pensar nas minhas quest�es pessoais, pensar em quem eu era”, diz.
Seu corpo estava ganhando formas masculinas. Ent�o, resolveu romper com o futebol para se libertar e ir em busca, talvez, de um novo sonho: encontrar e assumir a mulher que sempre existiu dentro dela. “Visualizei uma vida muito triste para mim, n�o sabia nem se ia dar conta de levar. Resolvi encerrar a carreira. N�o que eu quisesse, mas me assumi como mulher trans e sabia o que isso significava, que era a perda do meu sonho de jogar futebol. Assumi a consequ�ncia. Fiquei mais de 11 anos sem chutar uma bola.”
A TRANSI��O
O processo de transi��o n�o foi f�cil. Virou a vida de Nicole de cabe�a para baixo: “Quando resolvi me assumir de fato, foi um divisor de �guas, muito marcante. Chamei minha fam�lia para conversar e explicar que iria me assumir para a sociedade. Ningu�m entendeu nada. Precisei sair de casa, para me conhecer e me entender como mulher”.
Nicole teve que refazer contatos e encontrou apoio na comunidade LGBTQIAP+. Veio tamb�m a necessidade de buscar amparo m�dico. “Meu mundo foi para um lado, e eu fui para outro. Fui viver uma vida completamente ao avesso. Virei uma pessoa totalmente sozinha. Fui fazer novos amigos, conversar com pessoas iguais a mim para entender o que precisava fazer, tanto em quest�es hormonais como sociais.”
Nicole conta que precisou se reinventar: “Sempre tive estabilidade familiar, e naquele momento estava sozinha. Era o que a maioria das meninas trans sofriam. Tentei encarar de forma mais natural. ‘Vou ter que me refazer como ser humano’, pensei”.