
O projeto em que os brasileiros trabalhavam n�o faz parte desse conjunto de empreendimentos, mas poder� mudar a vida de agricultores que dependem do Rio Mara�on, considerado a veia que alimenta grandes faixas de terra daquele Norte. Para se ter ideia da import�ncia e da imensid�o do leito, basta dizer que ele � um dos cursos d’�gua que d� origem ao Rio Amazonas. Quem percorre a regi�o nota que os recursos h�dricos garantem o sustento de milhares de fam�lias que sobrevivem da agricultura, basicamente do plantio de arroz e cacau. O calor � marca registrada da regi�o, o que leva quem conhece o local a desconfiar da tese de que os brasileiros teriam sido v�timas de hipotermia. A altitude � de 800 metros, acima do n�vel do mar.
Ventilar a possibilidade de cobrir �reas com �gua de represas parece ser o mesmo que mexer em vespeiro, segundo moradores da regi�o. Em junho de 2009, uma disputa entre camponeses e policiais terminou com dezenas de mortos em Bagua Grande, a uma hora e meia de Ja�n, por onde os brasileiros chegaram ao Norte peruano. Aquela trag�dia chocou o pa�s. Oficialmente, o governo fala em 22 policiais – alguns teriam sido degolados – e 10 nativos.
J� os nativos afirmam que mais de 100 moradores foram exterminados. A posse de terras causou a batalha: o governo, alegando que os camponeses haviam invadido �rea p�blica, decidiu retir�-los. “(O Norte peruano) � uma �rea de conflitos”, disse Orlando Garcia, ex-agricultor que hoje ganha a vida como taxista de triciclo. Contratado pelo Estado de Minas, ele percorreu estradas de terra da regi�o at� o cobi�ado Rio Mara�on.
‘N�o � vantagem’ Dezenas de fam�lias ao longo do percurso aproveitam o leito para irrigar planta��es, como faz Manoel Guachachino, de 33 anos. Contr�rio �s hidrel�tricas, ele torce o nariz quando ouve algo sobre o assunto: “N�o pode haver (usinas). N�o ser� vantagem para n�s”. Mesma opini�o tem o agricultor Dario Irene, de 40: “Criei dois filhos plantando arroz. N�o v�o nos tirar daqui”. O grupo em que os dois brasileiros estavam – dois engenheiros, um motorista e um respons�vel por log�stica, todos peruanos – sabia do risco de trabalhar em projetos deste tipo no Norte do Peru.
Tanto que o ge�logo Fausto Edurino Li�an contou � pol�cia que j� havia se sentido amea�ado no Norte do Peru e que chegou a trabalhar sob escolta policial. De acordo com ele, em visitas anteriores l�, moradores de povoados pr�ximos ao Rio Mara�on passaram de carro e gritaram frases contr�rias ao projeto da hidrel�trica. Procurado pelo EM em Lima, onde mora, Li�an elogiou a experi�ncia de Bittencourt e Guedes: “Eram pessoas inteligentes e humildes, como deu para perceber na viagem que fizemos de carro (de Chiclayo a Ja�n)”.
Quando questionado sobre suas declara��es � pol�cia, demorou para responder que “s� a investiga��o revelar� a causa das mortes deles” e que deveria encerrar a entrevista. “Qualquer informa��o precisa ser por meio da Companhia Vera Cruz”. J� a empresa, consultada, n�o permitiu que seus funcion�rios dessem entrevistas. Fernando Huapaia, do Departamento de Comunica��o da Energ�tica, frisou, por�m, que “o projeto da hidrel�trica prosseguir� normalmente”. Mesmo depois da morte dos brasileiros, a firma n�o pediu – pelo menos at� ontem – prote��o policial aos trabalhadores que continuar�o tocando o projeto. “Nada nos foi pedido”, afirmou Cesar Terrones, uma das autoridades respons�veis pela investiga��o.
ONGs s�o contra Organiza��es n�o governamentais peruanas ligadas ao meio ambiente criticam as futuras hidrel�tricas por avaliar que a maior parte da energia a ser produzida vai atender aos interesses de grandes empresas brasileiras. Na �poca do acordo, a ONG International Rivers avaliou que uma das seis usinas, a ser erguida no Rio Ene, afluente do Amazonas, amea�aria mais de 10 mil �ndios da tribo Ashaninka. A oposi��o, contudo, questiona a necessidade de hidrel�tricas num pa�s rico em g�s. Na mesma toada, em entrevista � imprensa peruana, o fundador da ONG Pro-Naturaleza, Alfredo Novoa Pena, considerou que “o acordo ir� beneficiar apenas o Brasil”.
LINHA DO TEMPO
Peru tem hist�rico de protestos contra constru��o de hidrel�tricas:
Junho de 2009 – Revolta ind�gena na selva peruana contra a lei aprovada em 2008 que permitia a desapropria��o de suas terras se fosse de interesse nacional. Na regi�o de Bagua, 32 pessoas morreram em confronto, sendo 10 �ndios e 23 policiais, alguns degolados. Os protestos come�aram em abril daquele ano e os camponeses chegaram a bloquear a passagem de uma estrada. A tens�o durou 58 dias.
Junho 2010 – Os ex-presidentes Luiz In�cio Lula da Silva e Alan Garc�a assinam acordo para fornecimento de energia el�trica ao Peru e exporta��o de excedentes ao Brasil. O conv�nio prev� a instala��o de seis usinas hidrel�tricas com investimento brasileiro na floresta amaz�nica peruana em 20 anos. As porcentagens n�o foram definidas e o acordo prev� que a prioridade � atender o mercado interno peruano, mas define que o Peru manteria uma reserva de 30% com rela��o � sua capacidade de gera��o.
Setembro de 2010 – Cinco funcion�rios da empresa Vera Cruz e um integrante do Minist�rio de Minas e Energia s�o expulsos do povoado de Campo Redondo, durante manifesta��o de cerca de 5 mil moradores contra a constru��o da hidrel�trica. A popula��o do povoado de Cococho tamb�m participou do protesto, o terceiro contra a Vera Cruz. Os funcion�rios precisaram se refugiar em um centro educativo e foram resgatados pela pol�cia.
Junho 2011 – Peru suspende licen�a provis�ria de um cons�rcio brasileiro para a constru��o da usina hidrel�trica de Inambari, na �rea de floresta ao Sul do pa�s, a primeira e a maior prevista no acordo assinado em 2010. A cassa��o da licen�a ocorreu em meio a protestos no estado de Puno, que receberia a usina. Pelo menos cinco pessoas morreram nos confrontos. Os manifestantes exigiram a suspens�o
de todas as concess�es e o governo os atendeu em
rela��o ao projeto de Inambari.