(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Quilombolas mostram sofrimento al�m da trag�dia na BR-122

Uma semana ap�s acidente que matou oito remanescentes de escravos no Norte de Minas, moradores de comunidades revelam que sofrimento se somou ao desemprego, seca e pobreza


postado em 26/08/2011 06:00 / atualizado em 26/08/2011 11:38

Mortos em acidente com grupo quilombola também eram vítimas da pobreza, da seca e do desemprego(foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Mortos em acidente com grupo quilombola tamb�m eram v�timas da pobreza, da seca e do desemprego (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
 

Catuti – Os moradores de Barreiro Branco, distrito de Catuti, no Norte de Minas, celebram nesta sexta-feira uma missa de s�timo dia em homenagem �s nove pessoas que morreram no acidente com uma van no �ltimo s�bado na BR-122, em Jana�ba. Oito eram integrantes de um grupo de dan�as folcl�ricas formado pelas comunidades quilombolas do Vale do Rio Gorutuba e um era o motorista do ve�culo. Eles estavam a caminho de Montes Claros e iriam se apresentar nas Festas de Agosto. Na semana seguinte � trag�dia, o Estado de Minas percorreu a regi�o onde vivem os remanescentes de escravos e constatou que o sofrimento se somou aos problemas vividos por um povo acostumado com a pobreza, a seca e a falta de emprego.

S�o cerca de 5 mil pessoas, ou 750 fam�lias, espalhadas por 31 comunidades rurais localizadas �s margens dos rios Gorutuba, Serra Branca e Ramalhudo, numa regi�o de conflu�ncia entre seis munic�pios: Catuti, Gameleira, Jana�ba, Ja�ba, Monte Azul e Pai Pedro. A seca, para Jorge Antunes Barbosa, de 48 anos, morador de Malhada Grande, � um castigo imposto aos quilombolas e a outras milhares de pessoas do Norte do estado. Ele relata que no fim do ano passado fez uma ro�a. Plantou 1 hectare de milho e feij�o. “Na hora de a ro�a vingar, faltou chuva e n�o colhi praticamente nada”, lamenta o pequeno agricultor, cujo pai, Porc�lio Antunes Barbosa, de 73 anos, morreu no acidente de semana passada.

Sem colheita

Jorge Antunes perdeu o pai no acidente e mostra o prejuízo que teve com a seca deste ano. Posto de saúde está pronto, mas faltam equipamentos para funcionar(foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Jorge Antunes perdeu o pai no acidente e mostra o preju�zo que teve com a seca deste ano. Posto de sa�de est� pronto, mas faltam equipamentos para funcionar (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Sim�o de Souza, de 70 anos, quilombola da comunidade de Santa Rita, perto de Malhada Grande, conta que viveu o mesmo drama da estiagem. Ele disse que fez o plantio de meio hectare, mas n�o conseguiu colher nada de milho e apenas tr�s sacos de feij�o. “Era para ter colhido pelo menos uns dez”, lamenta. Sim�o ainda consegue se lembrar de uma �poca em que havia fartura de �gua na regi�o. “Existiam muitos brejos onde a gente plantava arroz. Hoje, �gua pra valer mesmo s� existe na �poca das chuvas”, descreve o morador.

Mas n�o � s� a seca que leva tristeza aos quilombos do Norte de Minas. Eles tamb�m convivem com a aus�ncia de servi�os p�blicos. Em Malhada Grande, por exemplo, um pr�dio seminovo, mas abandonado, evidencia o problema. A constru��o foi conclu�da em 2008 e seria destinada a um posto de sa�de que nunca funcionou, por falta de equipamentos. De acordo com os moradores, existem pr�dios que seriam para a sa�de p�blica que est�o ociosos em cinco localidades de Catuti. A prefeitura da cidade, conforme os habitantes, alega falta de recursos para a compra de materiais que colocariam as unidades em funcionamento.

Longe do SUS

Enquanto a sa�de n�o vem, os obst�culos para chegar at� ela s�o grandes. O atendimento s� � oferecido diariamente na sede do munic�pio, que fica a 34 quil�metros das comunidades. Francelina Corr�a de Souza, casada com Jorge Antunes, com quem tem quatro filhos, reclama que precisou ir at� a cidade em busca de tratamento dent�rio. “Fui l� duas vezes, mas s� consegui arrancar um dente”, conta Francelina, mostrando os dentes estragados.

Sem servi�os b�sicos, os moradores das comunidades optam por buscar uma vida melhor na cidade grande. E o destino escolhido pela maioria � S�o Paulo. Rufino Fernandes dos Reis, que mora em Barreiro Branco, conta que seus tr�s filhos, Ailso, Alenilso e Roseli, foram para a capital paulista em busca de emprego. “Eles tiveram que sair porque aqui n�o d� para ficar”, disse. A mulher de Rufino estava na van que bateu na rodovia e escapou ilesa. Mas perdeu o pai, Mariano Matos da Silva, de 68, na trag�dia.

Sofrimento em um lugar e no outro tamb�m. Roseli, de 26, filha de Rufino, trabalha como atendente de uma lanchonete na capital paulista e conta que todos os dias acorda �s 4h30, pega dois �nibus at� chegar ao servi�o, onde tem que bater cart�o por volta de 7h. S� retorna para casa, na Zona Leste, �s 20h. “Se eu pudesse, iria continuar morando com meus pais, mas n�o tem emprego na regi�o”, afirma. Elciene Antunes Silva, de 26, � outra jovem da comunidade quilombola que foi procurar trabalho em S�o Paulo. Ela tamb�m conseguiu emprego em uma lanchonete e trabalha entre as 20h e a 1h. Solteira e m�e de um filho de 1 ano, ela chegou a iniciar o curso de pedagogia em Montes Claros, mas trancou por falta de dinheiro. Tanto ela quanto Roseli voltaram � terra natal para sepultar os parentes.

 
Grupo folcl�rico pr�ximo do fim

Mariano Matos da Silva, de 68 anos, era pai de nove filhos e l�der dos quilombolas de Barreiro Branco. Era ele quem chefiava o grupo de dan�as folcl�ricas da comunidade, que, ap�s as mortes, deve acabar. Elcimar Antunes da Silva, filha de Mariano, diz que agora n�o h� mais est�mulo para continuar. Com 12 integrantes, o grupo mostrava religiosidade e rituais de origem africana por meio de dan�a batuque, cantos e sapateados nas festas das cidades vizinhas, especialmente nos dias dos Santos Reis, em 6 de janeiro, S�o Pedro, em 29 de junho, e S�o Louren�o, em 10 de agosto. Na �ltima semana, eles iam se apresentar pela quarta vez nas Festas de Agosto de Montes Claros.

Com o poss�vel fim do grupo folcl�rico, os quilombolas tendem tamb�m a perder a for�a de reivindica��o. “O grupo de batuque v�tima do tr�gico acidente, tendo � frente o senhor Mariano, uma das principais lideran�as do povo gorutubano, promovia com suas apresenta��es a visibilidade da comunidade e tinha como prop�sito a garantia dos direitos da comunidade quilombola, sobretudo os direitos territoriais”, avalia Aderbal Costa Filho, antrop�logo que fez um doutorado sobre o povo gorutubano na Universidade de Bras�lia (UnB), em 2008.

Al�m da preserva��o da cultura, Mariano tentava buscar melhorias para um povo que, de acordo com os estudos do professor Aderval Costa, a partir da d�cada de 1950 passou a viver confinado, com grande parte de suas terras tomadas por grileiros. Estima-se que as comunidades do Vale do Gorutuba ocupem cerca de 47 mil hectares, mas apenas 3% deste total est�o com os quilombolas. O restante est� com fazendeiros, sitiantes e especulares. Nas casas das fam�lias, a �gua consumida vem de cisternas de capta��o de �gua da chuva, um dos benef�cios alcan�ados pelo antigo l�der. “Mas at� cesta b�sica ele arrumava para o pessoal daqui”, relata Germano Cardoso dos Anjos, de 62, tamb�m morador da regi�o.
 

Mortos em acidente com grupo quilombola também eram vítimas da pobreza, da seca e do desemprego(foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Mortos em acidente com grupo quilombola tamb�m eram v�timas da pobreza, da seca e do desemprego (foto: Fotos: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)

Saiba mais...
O que s�o quilombolos

Os quilombos s�o locais que abrigavam escravos que fugiam dos senhores desde os primeiros tempos do per�odo colonial. Hoje, essas comunidades, remanescentes da �poca da escravid�o, existem em pelo menos 24 estados brasileiros. Quilombolas habitam o Norte de Minas Gerais desde meados do s�culo 18. A hist�ria e a pobreza enfrentada pelo povo que se instalou em Gorutuba foi estudada em 2008 pelo antrop�logo Aderval Costa Filho. A regi�o, segundo ele, tem �ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,54, inferior ao Nordeste brasileiro - 0,548, sendo uma das localidades mais pobres do pa�s.  O grupo folcl�rico envolvido no acidente contava com moradores da regi�o de Barreiro Branco e de Malhada Grande, em Catuti. No mesmo local, outra tradi��o � preservada: o trabalho em um antigo tear, onde se produzem cobertores de algod�o de forma artesanal, como mostra Avelina Antunes.

 

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)