
A comerciante Ione Martins Villela Penna, de 49 anos, ainda estava deitada em estado semiconsciente quando sentiu “algo muito quente” erguendo seu corpo do leito. A sensa��o ent�o mudou: “Uma for�a muito fria me empurrou de lado”. Ao abrir os olhos a mulher percebeu que o que parecia um sonho se tratava da �gua e da lama do morro que ficava sobre a sua rua for�ando caminho pelos tijolos das paredes da casa onde viveu por 28 anos com a fam�lia. O mesmo desabamento de uma encosta de 90 metros, em Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas, a 90 quil�metros de Belo Horizonte, matou dois taxistas, interditou a rodovi�ria e o acesso da cidade. Poderia tamb�m ter vitimado seus dois filhos, de 21 e 17, o marido, J�nio Luiz Penna, de 50, e dois convidados de f�rias, de 19 e 20 anos.
A casa ficava ao lado do Terminal Rodovi�rio 8 de Julho. Uma constru��o considerada forte, em estilo colonial, de dois andares e cinco quartos. Foi erigida pela mesma empreiteira da esta��o vi�ria da qual era contempor�nea. Em meio aos escombros de sua moradia, que encobriam o carro da fam�lia, uma motocicleta, maquin�rio e produtos para produ��o de roupas e artesanato, a fam�lia contou como escapou da morte.
PELAS M�OS
Os filhos come�aram a gritar, procurando o casal. “Respondemos aos berros que era para eles sa�rem logo da casa. T�nhamos medo de que tudo desabasse”, disse J�nio. Ele tentou encontrar um caminho na escurid�o, mas n�o teve tanta sorte quanto Ione e ficou desorientado no quarto. Num ato de coragem, a mulher retornou para a laje de onde tinha sa�do e come�ou a bater na estrutura com os punhos para mostrar o caminho que o marido deveria seguir. “Segurei na m�o dele quando ela apareceu na laje e tentei pux�-lo pelo buraco do telhado. Ele n�o conseguia sair de jeito nenhum. O momento em que fiquei mais tensa foi quando o J�nio soltou minha m�o e voltou para o quarto escuro”, relata.
Antes que o desespero batesse, J�nio come�ou a ver luzes no exterior e as seguiu at� chegar � janela. “Estou vendo uma luz. Vou para l�”, gritou para a mulher. Os fachos luminosos que o orientavam vinham da lanterna do sobrinho, Luciano Jos� Martins de Oliveira, de 35, que mora numa casa na parte inferior da mesma propriedade. Ele correu pelo jardim at� chegar � moradia dos tios e primos acidentados. “Meus primos tinham conseguido sair e estavam esperando os pais. N�o chovia muito naquele momento, mas a grama e a mata por onde passamos estavam muito molhadas e nos encharcaram. Usei a lanterna para tentar avist�-los”, conta. Os dois primos e os dois amigos tiveram muita sorte. A �nica parede que cedeu para o lado de fora da resid�ncia foi a da sala que ficava de frente para os quatro. “A estrutura se abriu para eles como se fosse uma porta com janela e tudo”, lembra Luciano.
Lanternas iluminam escombros
Com a parede aberta, mais luzes de lanternas apareceram das ruas e foram iluminando os montes de escombros por onde Ione p�de passar. Ela desceu por mais de seis metros de entulho amontoado, descal�a, de pijama e toda molhada. Enquanto isso, dois homens que vieram da rua ajudaram J�nio a escorregar pela janela que estava sendo iluminada pelo sobrinho.
“Descemos correndo para a casa da minha cunhada, que ficava na parte mais baixa do terreno”, conta J�nio. “Estava me sentindo gelada. Pedi que todos me abra�assem e depois desse momento de emo��o, de saber que todos estavam bem, consegui uma panela de �gua quente para aumentar a temperatura”, disse. “Quando me lembro do que aconteceu, digo que fomos aben�oados, pois tudo conspirou para que nos salv�ssemos”, considera Ione.
UNI�O
A fam�lia que escapou da trag�dia agora se abriga na casa de parentes. Precisaram comprar novas roupas e pouco puderam retirar da moradia que hoje pende do alto do morro, entre a terra que desabou, os caminh�es e escavadeiras que tentam reabrir a entrada de Ouro Preto. “Perdemos uma casa onde tivemos momentos importantes de nossas vidas, mas a fam�lia est� unida como sempre. O que � perda material, levantaremos como num desafio”, define J�nio.
