
O buraco j� estava l� quando a professora aposentada Odete Gon�alves Costa, de 70 anos, se mudou para a Rua Rio Grande do Norte, no Bairro Funcion�rios, Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, h� 10 anos. E ainda hoje, aparece, � tapado e reaparece, num c�rculo sem fim. Da janela, durante todo esse tempo, ela p�de acompanhar os sucessivos estragos e consertos do asfalto naquele trecho, numa situa��o que se repete em todas as regi�es da cidade. Desperd�cio de dinheiro, dizem especialistas, que consideram ineficaz a manuten��o das ruas e avenidas da capital. No ano passado, as nove regionais gastaram R$ 17.980.873,79 para fechar 247.716 buracos espalhados pela cidade, na tentativa de acabar com os solavancos que sofrem motoristas e passageiros. Mas basta chover e l� est�o todos outra vez – alguns novos, outros de sempre. N�o � a qualidade de pavimento, garantem consultores e estudiosos do assunto, mas a a��o paliativa, que resolve o problema apenas por algum tempo. Para eles, o ideal seria o recapeamento do asfalto, nivelando inclusive bocas de lobo e bueiros, o que facilitaria o escoamento da �gua da chuva. Este ano, j� s�o 58.925 buracos tapados entre janeiro e mar�o e o empenho de R$ 4.9 milh�es. Por dia, a m�dia de consertos � de 654 buracos.
“J� perdi a conta de quantas vezes acordei assustada, de madrugada, com o barulho de carros e �nibus caindo no buraco”, diz a professora. “� um faz e desfaz cont�nuo. Mandam funcion�rios que fazem sempre um conserto superficial, quando deveria vir algu�m mais t�cnico e especializado para dar um fim nisso. A rua � extremamente movimentada, o que prejudica o pavimento, mas o trabalho � feito de maneira incorreta e o buraco abre outra vez dias ou semanas depois. Jogam dinheiro fora.”
A prefeitura reconhece que os gastos s�o altos e admite que a tarefa � como um ciclo que n�o tem fim. “A Opera��o Tapa-Buracos � um paliativo que resolve a curto prazo. Ideal n�o �, mas � o que se consegue fazer”, diz a secret�ria adjunta da Regional Centro-Sul, Nilda Xavier. As empresas terceirizadas que atendem as regionais s�o contratadas para deixar a capital livre de buracos e os valores anuais de contrato se repetem. “O que est� errado � o sistema de tapar buracos. Se o asfaltou rompeu, tem que refazer toda a estrutura. Isso, sim, seria s�rio e duradouro”, recomenda a professora do Departamento de Engenharia de Tr�nsito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Maria das Gra�as Gar�oni. “Do contr�rio, � como se o pilar de uma casa se rompesse e s� fossem tapadas as fissuras. � uma corre��o muito superficial”, avalia ela.
CUSTO/BENEF�CIO Pelo valor dos investimentos, a professora atenta para a necessidade de se analisar o custo/benef�cio desse tipo de trabalho. Nessa conta alta, paga pelo contribuinte, cada buraco sai por R$ 72,58. O total dos recursos investidos no ano passado, quase R$ 18 milh�es, seria equivalente ao necess�rio para a execu��o de outras obras importantes e necess�rias � cidade: a revitaliza��o do Barro Preto, que ainda nem saiu do papel, precisar� de R$ 10 milh�es. J� o projeto executivo do Anel Rodovi�rio custa pouco menos que o dinheiro gasto com a opera��o anual de tapa buraco. A prefeitura conseguiria construir pelo menos sete unidades municipais de educa��o infantil (Umeis) ou custear nove meses de merenda nas escolas da rede. Na �rea da sa�de, o dinheiro investido para tapar buraco poderia, por exemplo, ser usado na constru��o de duas unidades de pronto atendimento (UPAs) e na manuten��o de uma dessas unidades por dois meses.
“Os gastos s�o absurdos e o risco maior � refazer o trabalho, porque, na maioria dos casos, os buracos reabrem”, diz Maria das Gra�as. Ela explica que um corte deveria ser feito ao redor do buraco para retirar todo o material danificado pelo fluxo intenso de ve�culos, principalmente os de carga pesada, e a �gua da chuva, que se infiltra no pavimento e descompacta o material sob o revestimento da massa asf�ltica. Debaixo dessa estrutura, h� uma base de brita granulada e o solo do lugar compactado.
“Eles s� jogam a massa asf�ltica no buraco e muitas vezes nem compactam, deixando esse trabalho para os carros. Assim, n�o h� ader�ncia com o material antigo e a camada de asfalto se solta de novo na pr�xima chuva. O pavimento � uma estrutura geot�cnica de muitas camadas, e a opera��o para tapar buracos � s� um recobrimento que n�o resolve”, argumenta a especialista. Segundo ela, refazer a parte afetada de uma rua ou avenida acaba exigindo mais tempo de servi�o, o que custa mais caro e muitas vezes requer a interdi��o do tr�nsito. Nos casos de trecho esburacados, o ideal mesmo � fazer o recapeamento.
Sistema n�o � adequado
O engenheiro Marcelo Henrique Ribeiro, consultor e especialista em pavimentos, reafirma que a melhor solu��o � fazer o recapeamento. Para ele, o processo de manuten��o das empresas terceirizadas n�o � adequado. “Trabalha-se apagando inc�ndio, em vez de optar pela preven��o. Espera-se a chuva e a reclama��o dos cidad�os para tapar os buracos, quando o ideal � recuperar as vias de maneira geral.”
De acordo com Marcelo, uma das principais causas do problema � a capacidade reduzida de escoamento da �gua da chuva, em decorr�ncia de um sistema de drenagem muito antigo. Para atacar a causa e n�o apenas a consequ�ncia, a sugest�o seria nivelar todo o pavimento. “O que deveria ser uma superf�cie plana tem uma s�rie de imperfei��es que facilitam a forma��o de po�as e a infiltra��o da �gua. Da�, surgem as trincas e fissuras e a estrutura do pavimento fica completamente fragilizada. Se n�o for o mesmo buraco, eles tapam o do lado, maquiando, e mais da metade desse dinheiro � jogado fora todo ano.”
Indicada pela prefeitura para falar sobre o assunto, Nilda Xavier diz que os buracos n�o costumam ser os mesmos e que muitos deles s�o de responsabilidade das concession�rias de energia, telefonia, �gua e esgoto. Ela afirma que os consertos s�o feitos dentro dos padr�es exigidos pela administra��o municipal, com especifica��es do Dnit para qualidade do asfalto, mas reconhece que n�o se faz uma abertura maior para a retirada completa. “Se houver v�rios buracos, todos ser�o fechados. Se o piso estiver trincado, mas sem buraco, n�o mexemos. O contrato pago � para tapar buraco aberto”, diz ela, lembrando que a prefeitura prioriza o recapeamento para vias que recebem tr�nsito intenso e �nibus. “O custo � muito alto e n�o temos recursos financeiros para fazer isso em quase 4,6 mil quil�metros de vias.” (Colaborou Valquiria Lopes)