Sandra Kiefer

“Tinha uma Copa no meio do caminho/No meio da Copa, achamos um caminho.” A par�dia aos versos do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade � de autor desconhecido. Estava escrita no tapume pregado no posto do Psiu da Pra�a Sete, no Centro de Belo Horizonte, ponto de concentra��o dos manifestantes. Hoje o Brasil entra em campo para o �ltimo jogo da Copa das Confedera��es, de acordo com o calend�rio da Fifa. Quase duas semanas depois do in�cio dos protestos que acompanharam o torneio, com a natural redu��o da visibilidade do movimento na imprensa mundial, muitos se perguntam se chegou a hora de dar uma pausa tamb�m no evento paralelo, entre militantes apelidado de Copa das Manifesta��es.
Nas assembleias lideradas pelo Comit� dos Atingidos pela Copa, a proposta mais aceita prev� a realiza��o de pelo menos uma manifesta��o por m�s na cidade, at� a Copa de 2014. “As passeatas tendem a diminuir, mas n�o acredito que v� haver uma acomoda��o do movimento com o fim da Copa. Participo das assembleias e sinto muita energia circulando, capaz de manter a chama por mais tempo”, analisa Marlise Matos, professora do Departamento de Ci�ncia Pol�tica da UFMG.
Segundo ela, na semana passada os jovens escolheram 10 grupos de trabalho sobre quest�es que permanecem pendentes, como reforma pol�tica ou sa�de e educa��o de qualidade. “As quest�es n�o se esgotam na Copa, mas os jovens se indignaram ao perceber ter havido investimentos em est�dios sem a contrapartida dos benef�cios no transporte p�blico e da mobilidade urbana que haviam sido prometidos.”
A coordenadora-geral do Diret�rio Central dos Estudantes (DCE) da UFMG, Nath�lia Ferreira Guimar�es, de 20 anos, � mais ponderada em rela��o � continuidade dos protestos. “Espero estar errada, mas acredito que as manifesta��es v�o dar uma esfriada. N�o se trata de desmobiliza��o, mas somente de dar uma pausa, porque a indigna��o continua”, avalia. Segundo a estudante, � dif�cil prever os rumos do movimento. “N�s, que somos estudantes das ci�ncias sociais, estamos quebrando a cabe�a para entender em que vai dar isso. S� posso dizer que a galera foi para as ruas e gostou, porque deu resultado”, completa.
Para o fil�sofo Robson S�vio, respons�vel por coletar o hist�rico depoimento da presidente Dilma Rousseff como v�tima de tortura em Juiz de Fora, por meio do Conselho Estadual de Direitos Humanos de Minas Gerais, h� uma hora de plantar e outra de colher. “Uma situa��o de descontrole a m�dio e longo prazo pode colocar em risco a ordem democr�tica no pa�s, pois as institui��es come�am a n�o responder mais. Neste momento, � preciso dar tempo �s institui��es para processarem essas tantas demandas”, alerta. Para ele, houve avan�os palp�veis. “A presidente apresentou propostas, o Congresso votou projetos, o Supremo mandou prender um deputado. Depois do choque de cidadania, a classe pol�tica percebeu que n�o � poss�vel continuar desdenhando do povo, mas � preciso que a popula��o tenha algum tipo de paci�ncia para evitar a deslegitimiza��o do movimento”, diz.
Duas semanas que fizeram hist�ria
Nunca antes na hist�ria deste pa�s R$ 0,20 renderam tanto. A passeata promovida por integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) contra o aumento da passagem de �nibus de R$ 3 para R$ 3,20 em S�o Paulo, reprimida com viol�ncia policial em 13 de junho, funcionaria como o estopim do barril de p�lvora que iria estourar em todo o Brasil. Dois dias depois, em 15 de junho, na abertura da Copa das Confedera��es, durante o jogo Brasil e Jap�o no Est�dio Man� Garrincha, em Bras�lia, 8 mil estudantes sa�ram �s ruas em Belo Horizonte, unidos por v�rias causas.
Desde ent�o, em 15 dias seguidos, os jovens n�o pararam mais de caminhar e de protestar pelas ruas da cidade, a qualquer dia e hora, no melhor estilo flash mobs, como s�o chamadas as aglomera��es instant�neas combinadas por meio das redes sociais. Desta vez, por�m, o foco dos eventos n�o � a divers�o e o entretenimento. “Em sala de aula e nas manifesta��es onde estive, percebo o brilho nos olhos dos jovens. Eles est�o se sentindo capazes de intervir na realidade”, avalia Marlise Matos, professora de ci�ncia pol�tica da UFMG. Para ela, os estudantes assumiram o protagonismo dos movimentos sociais no pa�s. � o lado positivo de uma mobiliza��o que tamb�m teve viol�ncia, feridos e, no caso de Belo Horizonte, um morto e preju�zos calculados na casa dos milh�es, devido a atos de vandalismo protagonizados por uma minoria, mas que tamb�m entrar�o para a hist�ria da capital.
Por�m, descontado esse aspecto sombrio, o fato � que em 15 dias o Brasil andou como h� muito n�o se via. Entre as conquistas est�o redu��o do pre�o das passagens; a derrubada da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37, que tiraria o poder de investiga��o do Minist�rio P�blico; a destina��o de 75% dos royalties do petr�leo para a educa��o e dos 25% restantes para a �rea da sa�de; a aprova��o do projeto que classifica a corrup��o como crime hediondo; e a discuss�o do plebiscito pela reforma pol�tica. S� esta �ltima proposta estava parada havia 20 anos no Congresso. “N�o tem essa hist�ria de que o gigante acordou. Nossa pauta de reivindica��es � que � gigantesca”, defende Lincoln Emannuel, presidente da Associa��o Municipal dos Estudantes Secundaristas (Ames-BH).
Depois do come�o desorganizado, o movimento tenta se articular. Em assembleias realizadas embaixo do Viaduto Santa Tereza, no Centro da cidade, o Comit� Popular dos Atingidos pela Copa (Copac) tirou 10 comiss�es t�cnicas, que debatem temas como transporte p�blico e o direito � educa��o e sa�de de qualidade. Nas manifesta��es de maior porte, como a do dia 22, que levou 100 mil pessoas at� a Avenida Ant�nio Carlos, houve representa��es dos movimentos dos sem-terra, da luta pela moradia e de sindicatos.
Ontem, os jovens se levantaram antes das 7h da manh� para ocupar a C�mara de BH, exigindo maior redu��o das passagens na capital, al�m dos R$ 0,05 anunciados pelo prefeito Marcio Lacerda via isen��o de ISS e dos outros R$ 0,05 previstos pela BHTrans, via isen��o da taxa de fiscaliza��o. “A press�o vai continuar”, garante Lincoln Emannuel, um dos coordenadores da comiss�o de transporte da Copac, que quer ainda uma auditoria nas planilhas das empresas de �nibus. Em Minas, os manifestos provocaram redu��o m�dia de R$ 0,25 nas passagens em pelo menos 10 cidades, al�m da queda de R$ 0,15 nas tarifas de 34 linhas metropolitanas, autorizada pelo governo do estado.
ERROS Para n�o dizer que s� se falou das flores, apenas a primeira manifesta��o, no s�bado de abertura da Copa, foi estritamente pac�fica na capital mineira. J� na segunda-feira, dia 17, houve confronto na passeata at� o Mineir�o, onde ocorria o jogo Taiti e Nig�ria. Durante os conflitos, v�rios jovens despencaram do Viaduto Jos� Alencar, onde foi montado bloqueio pela Pol�cia Militar, mas a primeira morte aconteceria no dia 24, com a queda do jovem metal�rgico Douglas Henrique de Oliveira, de 21 anos. “O Brasil est� reaprendendo a se manifestar e aconteceu muita coisa errada tamb�m. Mas n�o h� como aprender sem errar”, diz o doutor em direito constitucional Alexandre Bahia, de 35 anos, professor do Ibmec e da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Segundo ele, passado o primeiro impacto, os movimentos tendem a se institucionalizar um pouco mais. “Outra mudan�a � que, nas pr�ximas elei��es, os partidos pol�ticos ter�o de encampar pautas mais concretas, como a defesa do passe livre”, completa.
ESCALADA DA MOBILIZA��O
15 de junho
Com um discurso de apoio aos manifestantes do Movimento Passe Livre, que sofreram repress�o policial em S�o Paulo no dia 13, Belo Horizonte teve seu primeiro dia de protesto. Oito mil pessoas caminharam por ruas e avenidas da Savassi e do Centro de forma pac�fica. Nas redes sociais, os belo-horizontinos enalteceram a atua��o da Pol�cia Militar.
17 de junho
Cerca de 20 mil pessoas marcharam at� pr�ximo ao Mineir�o, onde Nig�ria e Taiti se enfrentaram pela Copa das Confedera��es. Diante da insist�ncia da multid�o em chegar ao est�dio, houve confronto com a pol�cia e pelo menos seis pessoas ficaram feridas. Entre elas, um adolescente de 18 anos que caiu do Viaduto Jos� Alencar e uma jovem de 21 que caiu da Trincheira Santa Rosa. Cinco manifestantes foram presos.
18 de junho
Uma onda de vandalismo ofuscou o tom pac�fico dos 10 mil manifestantes que percorreram ruas do Centro e da Pampulha. Um grupo de encapuzados jogou bombas e tentou quebrar a porta da prefeitura. Disperso da mobiliza��o que ocorria simultaneamente na Pra�a da Liberdade, outro grupo destruiu o Rel�gio da Copa. Bancos e lojas foram depredados e saqueados. N�o havia policiamento nas imedia��es.
19 de junho
O pedido para um protesto sem viol�ncia foi o principal motivo para que 10 mil pessoas caminhassem durante 10 horas de manifesta��o. A Pol�cia Militar ficou atenta � atua��o de v�ndalos e 12 pessoas foram presas em flagrante por depreda��o. A marcha teve in�cio na Pra�a Sete, se estendendo para o Viaduto Santa Tereza, a Pra�a da Assembleia e outras regi�es.
20 de junho
Pelo menos 20 mil pessoas se reuniram com reivindica��es variadas. A manifesta��o se concentrou no Centro e em frente � C�mara Municipal. Um grupo de mascarados voltou a agir e soltou bombas no meio da multid�o. Quatro pessoas foram presas.
22 de junho
Novamente a Pampulha foi palco de confrontos entre manifestantes e a Pol�cia Militar. Uma multid�o com quase 100 mil pessoas ocupava a regi�o do est�dio do Mineir�o quando grupos invadiram a delimita��o preestabelecida pela Fifa. V�ndalos depredaram concession�rias da Avenida Ant�nio Carlos e deixaram um rastro de destrui��o pela Regi�o Central. Pelo menos 27 pessoas ficaram feridas, sendo quatro delas em estado grave. De acordo com a PM, 32 pessoas foram presas.
26 de junho
Cerca de 50 mil pessoas seguiram novamente da Pra�a Sete at� a Pampulha. Impedidos de passar pelo bloqueio na Avenida Ant�nio Abrah�o Caram, grupos de manifestantes arrasaram a Avenida Ant�nio Carlos. Lojas foram totalmente depredadas e saqueadas. Cerca de 30 pessoas foram detidas e pelo menos 15 ficaram feridas. Um manifestante que caiu do Viaduto Jos� Alencar morreu.