
�s 15h de ontem, pelo menos 25 pedintes ocupavam o espa�o, intimidando o passeio de idosos e pais com filhos pequenos. O cheiro de fezes e urina est� por toda parte. De bancos que haviam sido restaurados pela Prefeitura de Belo Horizonte e pelo Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico (Iepha) s� restaram as bases. Uma lixeira quebrada foi atirada no meio da grama.
Para o comandante do policiamento da regi�o, major Vitor Ara�jo, o local “n�o � mais perigoso do que outras partes da cidade”, e tem merecido a aten��o da corpora��o. “N�o estava sabendo do abaixo-assinado, mas sou contra. � como disse Castro Alves: ‘A pra�a � do povo, como o c�u � do condor’. Temos problemas com moradores de rua, como ocorre no restante da cidade. N�o adianta fechar”, afirma. De acordo com o policial, uma reuni�o com representantes dos grupos de homossexuais, garotas de programa e moradores de rua que frequentam a pra�a foi marcada para pedir que se comportem com mais educa��o e n�o constranjam outras pessoas. “No passado fizemos com eles campanhas contra a Aids e deu muito certo. Vamos repetir esse di�logo”, disse o major.
A cren�a no sucesso da iniciativa n�o � tanta entre os vizinhos da pra�a. O pastor Jackson Martins, da Primeira Igreja Batista de BH, diz que nem a presen�a de guardas municipais e policiais � capaz de inibir as a��es de quem depreda a pra�a e tem atitudes consideradas impr�prias. “As autoridades temem ser mal interpretadas e acionadas na Justi�a, por isso deixam os desmando ocorrerem sem interfer�ncia”, disse. A inseguran�a fez com que o religioso conclamasse fi�is a contribuir com a campanha pelo cercamento da Raul Soares, defendida tamb�m pelo gerente do condom�nio do Edif�cio JK, Manoel Freitas.
“Est�o querendo se livrar da gente. Ningu�m quer saber dos moradores de rua. � muito preconceito, muita humilha��o. Voc� n�o tem casa, fam�lia e querem nos tirar a pra�a onde vivemos”, reclama Paulo S�rgio Barbosa Costa, de 26 anos, que vive no espa�o com seu carrinho de compras servindo de guarda-roupas e dispensa. “Aqui n�s procuramos os clientes para lavar carros, recolher material recicl�vel. Tiramos o sustento e passamos a noite aqui”, disse Ramon Martins, de 25, outro “inquilino” da pra�a.
Afronta
Morador h� 32 anos do Edif�cio JK, aposentado Arthur Pereira da Silva, de 74, diz que a situa��o o faz evitar a regi�o. “Quem � doido de passar no meio de uma pra�a em que se fuma crack e h� prostitui��o em plena luz do dia? N�o quero ser assaltado, por isso nem vou l�. Aderi ao abaixo-assinado, porque sei como � perigoso viver aqui nessas condi��es”, reclama. As turistas de S�o Jo�o del-Rei Neusa de Freitas, de 52, e B�rbara Dias, de 24, se disseram intimidadas com a degrada��o. “N�o vemos problema em ter um hor�rio de fechamento. Quem sabe assim conservam a pra�a e a tornam um lugar mais limpo?”, sugere Neusa.
Passeando pela Raul Soares, Marcelo Rodrigues, de 50, professor, e Maria Ol�mpia Calian, de 48, advogada, n�o concordam quanto � proposta de cercamento. “Sou favor�vel, porque ningu�m est� dando conta da viol�ncia. Isso exige medidas extremas”, disse o professor. “A pra�a � p�blica. Todos t�m direito de entrar e de ficar o quanto quiserem. � um absurdo fechar uma pra�a”, contesta a advogada.
A Secretaria de Administra��o Regional Centro-Sul informou que n�o foi consultada pelos moradores que organizam o abaixo-assinado e que por isso n�o comentaria a iniciativa. De acordo com o Iepha, qualquer interven��o na pra�a exige an�lise do �rg�o, por se tratar de bem tombado. O instituto informou tamb�m que faz vistorias para acompanhar o estado de conserva��o do espa�o e que assim gerencia sua conserva��o em caso de mobili�rios e caracter�sticas depredadas. A Guarda Municipal informou que age para prevenir o uso de drogas e afirma que s�o poucos os casos de crimes, a maioria deles furtos.
Mem�ria
Marco contra a degrada��o
A Pra�a Raul Soares foi constru�da em 1936 como marco da �rea central da capital mineira e espa�o de lazer. Foi tombada pelo Iepha em 1981, devido � sua import�ncia cultural e como patrim�nio da cidade. Naquela �poca, a regi�o central vinha sofrendo com cont�nua degrada��o e abandono, tornando-se um espa�o considerado perigoso, especialmente � noite. A revitaliza��o ocorreu duas d�cadas depois, em 2006, sendo a primeira obra do Or�amento Participativo Digital entregue � popula��o, em 2008. Devido a campanhas que envolveram moradores da regi�o e quem frequentava o Centro, a reforma recebeu mais de 20 mil votos. Foi constru�da uma nova fonte luminosa com sincronismo de luz, �gua e m�sica. Bancos de m�rmore r�plicas dos originais foram instalados, criando harmonia com os jardins. Mesmo n�o sendo parte da ornamenta��o original, os flamboyants que deveriam ter sido cortados foram poupados depois de campanha feita pela popula��o. Os investimentos na �poca foi de R$ 2,6 milh�es.
Charme ficou no passado
Maria Clara Prates
A Pra�a Raul Soares nunca foi local de boa fama, mesmo nos idos dos anos 1980. Sempre apresentou certa decad�ncia imobili�ria, com confort�veis apartamentos dividindo vizinhan�a com hot�is baratos, bares e inferninhos. Mas naquela �poca a pra�a tinha um charme e atrativos diversos. Bo�mios, intelectuais e universit�rios agitavam as noites sem se preocupar com viol�ncia. Naquele peda�o de agito cultural havia inclusive a sede de um jornal, cujos profissionais ajudavam a movimentar a pra�a. Entre os grandes atrativos do local estava um dos dois �nicos restaurantes do Centro que ofereciam atendimento 24 horas por dia. O lend�rio Scaramouche servia um mexido delicioso, consumido em geral na madrugada para aplacar os efeitos do �lcool de uma noite iniciada muitas horas antes. Ningu�m se importava com a presen�a das prostitutas e travestis que frequentavam o local. Ou melhor, em tempos de romantismo, eles serviam de inspira��o para poetas incautos e b�bados.