
Em dois anos, o f�sico de Vanessa tornou-se insuficiente para sustentar o corpo em 1,68m de altura. “Quer um peda�o de bolo com caf�, Vanessa? Acabou de sair do forno”, oferece a atendente do Centro de Recupera��o para Dependentes Qu�micos, no Bairro da Floresta, Leste de Belo Horizonte. Com o olhar vago, ela aceita, pede mais e come com sofreguid�o.“Parece que o crack d� uma broca no est�mago. Ela acabou de almo�ar”, diz a irm�, a ex-usu�ria de crack Sandra Maria,que est� levando a mais velha para se internar, ap�s dois meses decobran�as. Vanessa conta que, para se despedir da droga, passou os cinco dias anteriores usando a pedra, sem comer e sem dormir.
Com os olhos vidrados e dificuldades para se concentrar, a diarista retira um saco pl�stico com fotos e documentos dos filhos do meio de farrapos e objetos de uso pessoal. Os pap�is est�o incrivelmente secos. “Perdi minhas meninas para as m�os do juiz. Vou ficar boa para pegar minhas filhas de volta”, planeja ela, mostrando fotos de Vit�ria, de 6 anos, e Beatriz, de 2, vestidas com fantasias que imitam a propaganda dos bichos da Parmalat. A diarista decide que levar� apenas as fotos das filhas para a casa de recupera��o.
N�o tem roupas decentes que as sentem no corpo esqu�lido. Segundo a irm�, Sandra Maria, Vanessa herdou o alcoolismo da m�e. “Antes, ela s� bebia. Depois que perdeu os filhos, enfiou a cara no crack”, afirma. A Justi�a teria mandado para um abrigo B., de 16 anos, J., de 12, V., de 11, B., de 8, V., de 6, e B., de 2. Os quatro mais velhos conseguiram fugir e voltar para casa. Aos 16, B. j� teve dois filhos, tamb�m encaminha dos � ado��o. As duas meninas mais novas permanecem na institui��o. O processo da ado��o corre � revelia da m�e.
Terapia
N�o foi f�cil, mas Vanessa e a irm� conseguiram as passagens para seguir para a institui ��o no Tri�ngulo Mineiro. Depois do primeiro m�s na Casa Dia de Uberaba, a diarista pede para ligar para a equipe do Estado de Minas. Como se estivesse falando com algu�m da fam�lia, conta que est� bem e que gosta do tratamento. Est� com 56 quilos, se gue a rotina de acordar cedo e estudar a B�blia. Garante que n�o sente falta das drogas: “N�o posso perder esta oportunidade para mudar de vida. Quero sair daqui, arrumar servi�o e recuperar minhas meninas”, conta ela, que aproveita para fazer um desabafo: “Ningu�m da minha fam�lia liga aqui para mim nem atende quando eu ligo. Estou precisando de algumas coisas, porque vim para c� sem nada. Minha m�e est� recebendo a Bolsa-Fam�lia dos meus meninos e todo meu dinheiro est� com ela”, diz.
Com dois meses e meio de interna��o, Vanessa tem a primeira autoriza��o para visitar os parentes. Ao chegar est� bem disposta, pesa cerca de 90 quilos. Rev� os filhos que permaneceram com a av� e ajeita os pap�is para pegar de volta as crian�as que est�o no abrigo. Antes, por�m, precisa comprovar que esteve em desintoxica��o e que est� trabalhando. Em duas ag�ncias de emprego se candidata � vaga de dom�stica.
Uma semana se passa e nenhuma proposta aparece. A esperan�a dura pouco. Sem a retaguarda dos rem�dios e da equipe de especialistas que ajudam a enfrentar a fissura, sentindo falta das crian�as e sem ter o que fazer em casa, morando na favela, Vanessa sofre uma reca�da no crack.
Em meados de julho, a equipe de reportagem faz contatos com a fam�lia da diarista, tentando encontr�-la. Nada. Ela se perde nos becos da favela, dorme no barraco de usu�rios. Voltou tamb�m a demonstrar comporta mento transgressor. S� procura a m�e e os filhos perto da data de receber o pagamento do Bolsa-Fam�lia. Deixa R$ 100 e gasta o restante em crack, diz a irm� Sandra. “Sai por a� fazendo noiadinhos, filhos que j� nascem dependentes qu�micos no sangue. Sou a favor de pessoas como ela ser esterilizadas e impedidas de ter barriga”, radicaliza Sandra.
Apesar da irrita��o, Sandra manda chamar a irm� para que a acompanhe na reuni�o dos Narc�ticos An�nimos, onde receber� chaveiro em homenagem pela abstin�ncia das drogas. Depois de passar a tarde no barrac�o, Vanessa some no morro, fissurada em busca da droga. Sandra nem tenta esconder a frustra��o com a irm�.
A dependente voltou a roubar objetos em casa. Est� com cerca de 40 quilos, rosto encovado, unhas escurecidas pelo cachimbo. Depois de dias na rua, busca comida no barrac�o da m�e. N�o est� sozinha. Trouxe a jovem empregada dom�stica F., de 26 anos, que conheceu tr�s dias antes, na Pedreira Prado Lopes. “Gastei quase R$ 300 do meu sal�rio. Comprei pedra para todo mundo l�. N�o sou viciada, nem sei tragar direito. Come�o a ver vultos e fico com medo de as pessoas me atacarem”, explica F.
Ela trabalha com carteira assinada na resid�ncia de um casal em um condom�nio de Nova Lima, com um sal�rio razo�vel e mantendo dois filhos pequenos. H� dois meses no v�cio, n�o sabe lidar com a s�ndrome do p�nico e tampouco se assume como dependente. “Hoje foi a primeira vez que faltei ao servi�o. Normalmente consigo usar o crack � noite e trabalhar de manh�. � s� tomar um caf� bem forte”, conta, chateada ao lembrar que, por falta do dinheiro gasto com a pedra, deixar� de levar para os filhos o p�o doce com cobertura de creme.