
Dif�cil desconfiar que o designer gr�fico Fred � usu�rio contumaz de crack. Aos 31 anos, ele foge do estere�tipo do dependente maltrapilho e de origem humilde. Mostra que qualquer classe social pode trilhar o caminho das pedras, pesado para chegar, e ainda mais dif�cil de sair. “E a�, chegado? D� para conseguir uma paradinha?”, pergunta o rapaz, unindo-se ao grupo de usu�rios. N�o h� tempo para apresenta��es, nem formalidades. Primeiro, Frederico precisa da pedra. J�.
Sem se constranger com a presen�a da equipe de reportagem, Fred acende o cachimbo. � medida que “frita” o crack, as m�os param de tremer. O que ele sente naquele exato momento? “Al�vio”, responde, tragando com sofreguid�o. Expira a fuma�a com um suspiro. “Parece que esque�o de tudo”, diz ele, que j� foi dono de empresa de comunica��o visual. Perdeu tudo para a droga. Mora com os pais idosos em um bairro da Regi�o da Pampulha.
Confira fotos de outros usu�rios de crack que o EM acompanha
Em menos de 15 minutos, Fred acende a segunda pedra. O que ele tanto deseja esquecer? A culpa � atribu�da a problemas familiares envolvendo alcoolismo. Seria a explica��o para buscar o crack em ocasi�es festivas, ao contr�rio da maioria, que usa droga para aliviar o sofrimento. “Quando estou bem, corro para a cracol�ndia. � como se eu quisesse estragar tudo.”
Naquele dia de mar�o, Frederico n�o deveria estar l�. No dia seguinte, a pedido da noiva, de fam�lia tradicional no interior do Rio de Janeiro, deve se internar para tratamento. Quando sair da cl�nica, em dezembro, quer passar a morar com a mo�a no estado vizinho. Se tudo der certo, vai esquecer o caminho das pedras.

Nascido em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, Fred conta ter se iniciado cedo nas drogas. Aos 14, conheceu a maconha com amigos. Aos 20, descobriu a coca�na, quando a namorada rompeu o relacionamento de dois anos. Depois, se envolveu com uma garota de programa, que lhe apresentou o crack.
Afundado no v�cio, magro e abatido, aceitou se internar por nove meses em Caratinga. Tratado, conseguiu passar no vestibular. Sofreu nova reca�da, mudou-se de cidade, passou uma temporada “limpo” e, aos trancos e barrancos, concluiu o curso superior. Com o apoio da fam�lia, partiu para a capital, onde montou empresa.
Religi�o
Em BH, a apar�ncia do designer encantou uma jovem evang�lica, moradora da Zona Sul. Decidido a seguir a nova religi�o, Fred abandonou as drogas e marcou casamento. O sogro financiou um apartamento em bairro nobre e garantiu sociedade nos neg�cios. “Era o ano de 2010. Estava tudo acertado: igreja, buf� e cerim�nia. Mas ca� ao viajar para o casamento de um primo, em Valadares”, conta ele, queimando outra pedra.
� dif�cil acreditar que Fred vai realmente conseguir manter o compromisso de seguir para a cl�nica de recupera��o. Mas, no dia seguinte, a equipe do Estado de Minas liga para a casa dos pais, que confirmam a partida do rapaz, embora se recusem a conversar.
Frederico permaneceu por menos de um m�s em uma comunidade terap�utica de Cachoeiro do Itapemirim (ES). Insatisfeito com o lugar, foi para o Rio antes do que esperava. L� faz terapia e acompanhamento psiqui�trico, sob os cuidados da noiva. Parece perto de um final feliz. Mas isso, s� o tempo dir�.
Namoro com o tr�fico

Para chegar � casa delas � preciso atravessar uma pinguela, sobre um c�rrego onde esgoto corre a c�u aberto. A sensa��o � de que Ouro Preto ficou para tr�s quando se entra na parte mais pobre da cidade. � l� que a jovem gar�onete mora com a irm� mais nova e a m�e, que se divorciou depois que o marido passou a usar de viol�ncia na tentativa de corrigir a filha rebelde. “Meu pai sempre avisou que, se me pegasse com cigarro, quebrava minha m�o”, conta Nat�lia, que experimentou maconha aos 11 anos, em uma roda de amigos.
“O corpo pede crack”, define ela. Dona de cintura fina e sorriso colgate, a morena tornou-se namorada de um traficante conhecido na cidade. Em 2011, o rapaz foi morto a tiros, deflagrando verdadeira guerra, em que muita gente foi assassinada. Nat�lia, por sua vez, entregou-se ao v�cio. “O pai dela n�o deixava o rapaz entrar em casa, mas eles namoraram por dois anos. Na minha opini�o, o menino fazia bem para Nat�lia, que andava bem arrumada, com roupas de marca, tinha status. Quando ele morreu, minha filha falou comigo que a vida n�o lhe interessava mais”, relata a m�e. Depois de chegar a usar 60 pedras em um �nico dia, a jovem j� foi internada v�rias vezes na comunidade Recanto de Can�, no Bairro Padre Eust�quio, Noroeste da capital. Na primeira interna��o, em 2007, ela permaneceu por sete meses. Depois da alta, conseguiu ficar quatro anos trabalhando, sem usar a pedra. Este ano, Nat�lia voltou pela terceira vez. Estava internada desde janeiro.
Acabou na institui��o depois de cumprir quatro meses na cadeia por envolvimento com drogas. Foi presa em flagrante com tr�s pessoas, dentro de um barrac�o na periferia de Ouro Preto, com armas e drogas. “Nat�lia n�o sabe disso, mas pedi � ju�za para dizer a ela que deveria voltar para o Can�”, conta a m�e, cat�lica praticante, que trabalha como secret�ria da casa paroquial de uma das igrejas centen�rias da cidade.
Maria das Gra�as tamb�m se esfor�ou para bancar o tratamento. Afinal, ela garante a maior parte do sustento da casa, com a ajuda da filha mais nova, Nayara Karoline, que cursa letras e trabalha nos Correios. Nat�lia, que j� teve emprego fixo na prefeitura local, atualmente faz bicos como gar�onete e arranjou servi�o tempor�rio durante o Festival de Inverno da UFMG.
A jovem deixou a comunidade terap�utica em 14 de julho. Quinze dias depois, Maria das Gra�as entrou em contato com a institui��o, aos prantos. Contou que a filha chegou bamba em casa, de tanto usar crack. Nat�lia nega ter usado a pedra – admite apenas ter apelado para o �lcool e “bolinhas” (rem�dios de uso controlado). “Tive de dar comida a ela na boca. O pai dela entrou em casa nesta hora e virou um vulc�o. Tive de entrar no meio. Avisei a ele que, enquanto eu estiver viva, ela continua sendo minha filha”, defende a m�e.
Ultimamente, Maria das Gra�as s� sabe clamar aos c�us pela salva��o da menina. Passou tamb�m a frequentar um grupo de apoio a familiares de dependentes qu�micos. Pensa em se mudar de Ouro Preto. “Queria arranjar um emprego para a Nat�lia, bem longe daqui. Meu maior sonho � v�-la feliz.” (SK)