
Na vida de Wanderson Santiago das Virgens, de 33 anos, casado e pai de um filho, mais de uma d�cada foi dedicada ao crack. O v�cio chegou a um ponto que o fez abandonar a fam�lia numa noite de Natal em troca das alucina��es. Sempre considerado por todos a seu redor um homem trabalhador, o dinheiro conquistado com os servi�os de pintor, pedreiro e eletricista foi canalizado para as drogas. Ano passado, entrou em uma comunidade terap�utica para se tratar por seis meses, mas o primeiro dia nas ruas representou sua queda diante do crack. Depois de 12 anos de lutas, a mulher de Wanderson acusou o golpe. O casal entrou em acordo e Wanderson voltou para a casa da m�e, em Santa Luzia, na Grande BH, onde segue fazendo bicos e usando o crack.
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A luta de um ex-policial para abandonar o crack
O caminho precoce para o v�cio em crack
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In�cio do drama: Passar o Natal de 2012 em tratamento para se libertar do crack teve um significado especial para Wanderson. Quando ele se recorda da �ltima comemora��o natalina antes de ser internado, acaba relembrando um epis�dio de vida, desde o contato com as drogas aos 15 anos e com o crack depois dos 21. Em 24 de dezembro de 2011, quando estava em casa com a mulher, a operadora de telemarketing Virg�nia Ferreira Torres, de 30, e com o filho de 8 anos, a fissura pelo crack bateu de uma forma que ele mesmo reconhece como incontrol�vel.
J� calejada e conhecendo o hist�rico de dramas do marido, com quem ficou junto por 12 anos, Virg�nia trancou a casa para impedir que Wanderson sa�sse justamente na noite de Natal. Mesmo assim, uma janela aberta em um sobrado do Bairro Serra Verde, em Venda Nova, foi o suficiente para Wanderson vislumbrar o crack e pular de uma altura equivalente a dois andares. “Dali s� bati a poeira e fui atr�s da pedra. Foi muito triste. Meu filho me ligava no celular e eu desligava, morrendo de desgosto”, se recorda. “Ele me perguntou se eu duvidava que ele pulava. Pulou e foi parar no Bairro Baronesa (Santa Luzia, Grande BH) atr�s da droga. Apareceu depois de mais de um dia fora de casa”, conta Virg�nia.
A reportagem do EM encontrou Wanderson exatamente neste momento em que ele passava o Natal se tratando, em dezembro do ano passado. Segundo os relatos de parentes, da mulher e dele pr�prio, 2012 foi um dos mais cr�ticos em uma rotina de mais de 15 anos envolvido com bebidas, cigarro e drogas, sendo o crack a mais pesada e respons�vel at� por mudar a personalidade do pedreiro. “Eu acordava pensando em como eu ia fazer para usar o crack, como arrumaria dinheiro. No fim das contas, sempre achava uma forma e seguia usando at� a hora que conseguia dormir sem comer”, conta. Nesse tempo, ele estava prestes a completar um m�s de tratamento. Desde 29 de novembro, data em que entrou em um s�tio para se recuperar em Ravena, distrito de Sabar�, o que mais ocupava sua cabe�a era o medo do futuro. “E quando chegarmos l� fora? Qual ser� o retorno da sociedade? Como serei recebido?”, questionava.
O principal ponto de uso do crack era o Bairro Baronesa, em Santa Luzia, na regi�o metropolitana, onde moram a m�e e uma irm�. Sempre que a vontade batia, era para l� que ele ia me enfiar em bocas de fumo. “Nesses lugares � muita humilha��o que a gente passa. A sociedade v� os usu�rios de crack como a esc�ria, um lixo que deve ser jogado fora”, desabafa.
No primeiro m�s de tratamento, Wanderson n�o fugiu � regra dos demais dependentes. Muitas vezes, se viu tomado por fantasmas que o incentivavam a abandonar tudo e voltar ao crack, al�m da ang�stia por estar cercado de desconhecidos e longe da fam�lia. Para tentar recome�ar sua hist�ria, seguia as regras do tratamento, que impuseram uma rotina baseada em hor�rios e tarefas. Acordava �s 7h e cuidava da higiene pessoal at� as 7h30. Entre 7h30 e 8h visitava a capela e ouvia os prov�rbios do dia. Logo depois, �s 8h, tomava caf� da manh� e a partir de 8h30 come�ava a laboterapia, nome dado ao trabalho dividido de manuten��o do s�tio exercido pelos internados no espa�o. O almo�o era servido ao meio dia e o retorno � laboterapia ocorria a partir das 14h. �s 16h, pausa para o lanche, seguido do lazer, at� 18h. Ao longo do dia, atividades l�dicas tamb�m eram desenvolvidas, como oficinas de m�sica e grupos de ora��o. “No crack a vida era totalmente desregrada. Acho interessante seguir esses hor�rios para voltar a ter um padr�o e n�o viver largado, dando chances para querer a pedra de novo”, diz ele.
Antes de encontrar Wanderson pela segunda vez, a reportagem conversou com a m�e e a mulher do pedreiro em Santa Luzia, em 6 de fevereiro. Afastada de suas fun��es na Superintend�ncia de Limpeza Urbana (SLU) da capital h� dois meses por problemas de sa�de, Maria Aparecida Santiago, 53, conta que apesar de nunca ter passado perto das drogas, foi o crack que causou seu afastamento, por conta do sofrimento di�rio com o drama dos filhos. Enquanto Wanderson se tratava para ficar livre do v�cio, outro filho, Ueliton, um ano mais novo, tamb�m foi escravizado pela droga. At� objetos da m�e foram furtados em troca da pedra.
Ela conta que foi alertada por um irm�o do envolvimento dos dois com drogas quando eles eram adolescentes, h� mais de 15 anos. Mas a rotina de trabalho di�ria e a aus�ncia de um pai presente n�o ajudaram a funcion�ria da SLU a conseguir manter os dois afastados de escolhas erradas. “Hoje estou com depress�o por causa dessa situa��o toda. O Wanderson est� se tratando, mas meu outro filho me fez pagar R$ 1 mil a um traficante sem eu ter o dinheiro. Tive que arrumar em tr�s dias”, conta ela exibindo caixas de medicamentos prescritos por um m�dico para tratar a depress�o.
“O crack faz a fam�lia inteira adoecer. Eu fico sem no��o, sem cabe�a e n�o tenho �nimo para fazer nada. Passo muitas noites sem dormir com medo de aparecerem drogados”, lamenta dona Maria Aparecida. Apesar de todos os dramas, a m�e elogia a postura de Wanderson, que est� se tratando. “Toda vida eu trabalhei, vou fazer 31 anos de firma. Eu nunca ensinei coisa errada. Tudo que eu quis foi que eles estudassem, mas eles n�o quiseram”, desabafa.
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Chegou at� a descobrir um cachimbo no meio de algumas coisas, mas conta que ele sabia manipular muito bem as pessoas para disfar�ar o v�cio. O que mais chamou a aten��o de Virg�nia por conta da rela��o do marido com o crack foi a mudan�a de personalidade. “Ele ficou muito violento. Chegava em casa e me batia, estava sempre muito perturbado. Chegamos a ficar separados por um ano”, conta. Ela diz ainda que quando os dois reataram Wanderson ficou um tempo bem, mas logo recaiu e dessa vez de uma forma bem pior. At� as ferramentas de pedreiro, que eram imprescind�veis para ele trabalhar, chegaram a ser revertidas em crack.
Ano passado, enquanto Virg�nia frequentava a Igreja Batista da Lagoinha, acabou conseguindo a ajuda de uma pessoa para bancar o tratamento do marido no Centro de Recupera��o de Dependentes Qu�micos (Credeq), institui��o parceira da igreja. Dois meses e 15 dias depois, em setembro, Wanderson abandonou o s�tio e voltou �s drogas, dessa vez com compuls�o pelo crack. “Come�ou a vender outras ferramentas de trabalho, meus produtos de beleza, as roupas dele e at� o videogame do nosso filho. Em uma das vezes que passou dias fora de casa, chegou todo sujo, sem t�nis e sem o videogame. Dessa vez, ele mesmo resolveu se tratar”, relata Virg�nia.
A nova oportunidade foi dada no fim de novembro, no mesmo lugar, s� que em uma das vagas financiadas pelo governo estadual. Apesar das in�meras reca�das, a expectativa da mulher era a melhor poss�vel. Quando Wanderson completou quatro meses de tratamento, j� em mar�o deste ano, Virg�nia estava confiante na volta por cima. A mudan�a na apar�ncia e a clareza dos pensamentos a levaram a acreditar que o casamento teria futuro e as drogas ficariam no passado.
De fato, em 27 de mar�o deste ano, quando a reportagem conversou novamente com Wanderson, ele estava diferente. Com mais calma e tranquilidade, ele comemorava o batismo na Igreja Batista da Lagoinha e a oportunidade de falar para outras pessoas sobre o sucesso no tratamento. “Fui l� e dei meu testemunho de que � poss�vel sair do crack, mas para isso temos que nos apegar � fam�lia e � Jesus”, diz ele. A ansiedade de ir embora e voltar ao conv�vio social tamb�m tinha dado lugar � serenidade. “Agora � esperar numa boa. J� n�o tenho mais aquela vontade de ir embora, a dificuldade � no in�cio”, conta.
Novo encontro entre Wanderson e a reportagem do EM ocorreu em 22 de maio, faltando menos de uma semana para ele concluir o tratamento e retornar para o Bairro Serra Verde, local que ele escolheu para recome�ar ao lado da mulher e do filho. Quase seis meses depois da entrada, ele n�o negou que em muitas situa��es se pegou pensando em usar o crack de novo. “Posso te falar que o desejo � intenso. Todo mundo aqui tem vontade. Mas, se voc� quer realmente sair, tem que dar um basta”, disse. Ao relembrar os dias que chegou em casa coberto de sujeira, sem t�nis, maltrapilho e transtornado, ele reconheceu que chegou no fundo do po�o. “O crack te tira da condi��o de ser humano. Voc� passa � condi��o de animal, onde n�o � visto por ningu�m. Mas os 180 dias aqui n�o foram em v�o. O crack tem sa�da. O que falta � algu�m apontar esse caminho”, afirma.
FLAGRANTE E DECEP��O
As palavras de Wanderson ao fim do tratamento traduziam um sentimento que era compartilhado pela mulher, pelo filho e pelos parentes. Todos apostavam na supera��o de um passado em que somente o crack dava as cartas e tomava as decis�es. Mas t�o grande quanto a confian�a de todos foi a decep��o, que veio instantes depois da sa�da do Credeq com uma reca�da fulminante, flagrada pela mulher dentro de casa em 25 de maio. “Arrombei a porta do banheiro e ele estava l� dentro. Uma droga na m�o, pronta para ser usada”, lamenta Virg�nia. Mesmo assim, ela conta que continuou no p� do marido para n�o desistir e tentar se manter longe da droga, o que n�o aconteceu.
Em junho, Wanderson chegou a vender dois desodorantes e mais ferramentas de trabalho como pedreiro, o que fez com que o alerta de Virg�nia fosse ligado mais uma vez. Apesar de ficar mais tempo em casa, ele sempre dava um jeito de sair, o que aumentava a desconfian�a da mulher. Depois de um dia de trabalho em que chegou em casa mais cedo, a operadora de telemarketing sentiu cheiro de fuma�a e ouviu a confirma��o de que o marido tinha fumado cigarro. No celular um n�mero desconhecido, que ela resolveu ligar para saber de quem era. Nesse momento, os dois brigaram, pois Wanderson admitiu que era uma traficante.
Em seguida outro flagra, dessa vez no banheiro, onde estavam um cachimbo e algumas pedras de crack prontas para uso. “Eu disse que ele colocou a minha vida e a vida do meu filho em risco e dessa vez n�o dava mais para aguentar”, desabafa Virg�nia. A briga fez Wanderson desaparecer por dois dias e retornar drogado, novamente sem o t�nis e amea�ando se jogar da janela. “Nessa hora ele mesmo disse que voltaria para a casa da m�e, pois estava nos fazendo sofrer”, completa.