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Estado de Minas

O caminho precoce para o v�cio em crack

Em tr�s reportagens publicadas na edi��o impressa do Estado de Minas, dez pessoas usu�rias de crack revelaram seus dramas e a dor de suas fam�lias. Elas foram acompanhadas, durante seis meses, pelos rep�rteres Guilherme Parana�ba e Sandra Kiefer. Estima-se que, em todo o pa�s, haja 1,3 milh�o de dependentes desta droga. Conhe�a outras tr�s delas que a reportagem acompanhou e cujo relato � publicado, com exclusividade, no EM.com.br


postado em 14/08/2013 06:00 / atualizado em 24/08/2015 08:13

Aos 12, J. F. j� fumava cigarros. Aos 13, 14 anos, bebericava cerveja nas festinhas em Corinto, no interior de Minas, mineiro como outras adolescentes. Depois do baile de debutantes, aos 15, deixou de beber escondido. Durante um show de rock, experimentou maconha e se sentiu doida demais. Aos 19, cheirou coca�na com um namorado. “Me senti mais falante e inteligente. Adorei!” Aos 23, passou a morar com um traficante. “Durante quatro anos, cheirei montanhas de p� todos os dias. N�o tenho mais cartilagem no nariz. Levei essa vida at� o dia em que ele passou a ter overdoses e a me agredir fisicamente. Voltei para a casa dos meus pais, que me receberam de volta”, conta seu drama ao EM em entrevista em 11 de dezembro.


Fugindo do ex-namorado traficante, J. F. foi parar em Portugal, na casa de uma amiga. Atravessou cinco anos limpa, movida a base de �lcool. Trabalhava em um caf�. At� o dia em que fez um curso para ser DJ e foi promovida a ocupar tal fun��o em uma danceteria. Para aguentar a noite, dava um ‘teco de p�’ no banheiro. Foi apresentada ao after, prolongamento das festas em clubes priv�, voltado para um grupo selecionado de pessoa com direito a drinques e drogas.

Nesse ambiente, conheceu a base, como era chamado o crack em terras portuguesas na d�cada de 2000. “Tinha meu pr�prio cachimbo, discreto, que ficava dentro do bolso e cabia uma pedrinha. Quando dava vontade, acendia em um canto e fumava”, conta. Com a pedra, por�m, J. deixou de ser produtiva. Emagreceu 20 quilos e a pele encheu de feridas, que n�o dava para disfar�ar com maquiagem. “Meu patr�o me mandou embora, disse que os convidados vips estavam comentando que eu parecia estar com aids. O namorado terminou comigo. Ele usava s� coca�na”, diz.

O CRACK COMO ELE �: confira todas as reportagens da s�rie especial

Em Portugal, J. F. recusou-se a deixar o apartamento do ex-namorado, na Quinta da Boa Vista, e transformou o local em ponto de drogas. Distribu�a entorpecentes e fumava o crack recebido em troca do favor. Paralelamente, torrou todas as economias arrecadadas em cinco anos de trabalho. Nessas alturas, J. j� estava com 32 anos e se descobriu gr�vida. “Botei um fim naquela vida. Liguei para minha m�e e disse que tinha uma not�cia boa e outra ruim para contar. A boa era que eu estava voltando para o Brasil. A ruim era que eu estava gr�vida e n�o sabia como contar para o meu pai que seria m�e solteira nem tinha ideia de quem era o pai do beb�. Mas eles me aceitaram de volta”, explica.

J. diz que a decis�o de voltar agradou aos pais que gostaram da ideia de ser av�s e de ter menos despesas sustentando a filha desempregada e agora gr�vida em Portugal. “Depois, fiquei sabendo que o meu namorado ligava para o Brasil e amea�ava me colocar na rua. Eles n�o entendiam muito bem o que estava acontecendo e pensaram que tinha sido envolvida em um sistema de tr�fico de mulheres. Enviaram rios de dinheiro para o cara”, conta.

Assim que soube da gravidez, at� o momento em que embarcou no avi�o para o Brasil, J. garante que n�o consumiu mais drogas. “Sei que consigo largar as drogas, porque j� consegui uma vez. Meu maior medo era minha filha nascer deformada. Fiquei limpa durante toda a gravidez e a amamenta��o. Ao todo, um ano e meio sem usar nada. Nem �lcool. “Minha primeira interna��o foi em fun��o da minha filha. Antes de ela nascer, eu s� pensava em usar droga at� morrer”, admite J., que quer retomar o curso de direito e se tornar delegada de pol�cia para prender traficantes e reaver o dinheiro que gastou com as drogas.

DESINTOXICA��O

J. F. est� internada pela segunda vez, em dois anos. Novamente, a fam�lia do Bairro Sion, na Zona Sul de Belo Horizonte, concordou em bancar os custos da desintoxica��o da filha. Apesar de ter 37 anos, ela comporta-se como adolescente. No primeiro dos nove meses de tratamento, fugiu da cl�nica ao levar um pito da coordenadora. Deixou o tratamento sem permiss�o. Ao bater a campainha, notou algo diferente. Deparou-se com a m�e (que est� frequentando as reuni�es da Fam�lia de Can� como co-dependente) com uma postura diferente.

Ao contr�rio das outras vezes, em que V. sempre recebia a filha de bra�os abertos, agora J. sentiu o estranhamento. “Minha m�e nem me deixou entrar em casa. Disse que eu tive sorte de o me pai ter sa�do, por que ele iria me matar se visse que havia fugido da cl�nica. E me lembrou que hav�amos mentido para minha filha, dizendo que eu tinha ido passar uma temporada na Europa. Se ela me visse em casa, como ficaria a cabecinha dela? Meu irm�o saiu de uma audi�ncia no f�rum e me trouxe de volta”, conta a interna, que ainda teve de pedir para ser aceita de volta e atrasar sua sa�da em um m�s, como puni��o pela falha.

Jacqueline diz ter medo do pai, que est� aposentado e tem participa��o ativa em um sindicato. Das lembran�as da inf�ncia, conta o dia em que invejou uma vizinha de unhas longas, que gostava de beber e fumar. Como castigo, o pai teria servido a ela um u�sque duplo e um ma�o de cigarros. “Agora voc� vai fumar e beber at� arrebentar… Ele achou que eu iria tomar nojo daquilo. Fiquei tontinha, vomitei, nem sabia tragar… Mas comecei a gostar a partir daquele dia.” Enquanto contava sua hist�ria, em regime de interna��o e acreditando que o pai estava brigado com ela, J. nem imaginava que D. estava do lado de fora da institui��o, tocando a campainha. Com receio de ser reconhecido, em frente a uma casa de atendimento a adictos, D. vinha saber as �ltimas not�cias da filha.

Em 19 de mar�o, depois de dois meses e meio de sil�ncio, Jaqueline concorda em voltar a conversar com a reportagem. A retomada do contato foi conseguida sob a media��o do Padre Osvaldo Gon�alves, fundador da Fam�lia de Can�. As ‘meninas’ internadas para recupera��o do uso de drogas s�o devotas do padre, a quem consideram um santo. “Ele � como Deus para mim. Padre Osvaldo acredita tanto na nossa recupera��o, que passei a acreditar que eu possa realmente viver sem as drogas. Nas palestras, ele costuma dizer que � simples ficar livre do crack, basta n�o fumar”, conta.

Na fase da maior fissura pela droga, nos primeiros meses da interna��o, J. sonhava que estava chegando na boca de fumo e, quando ia acender o cachimbo do crack, aparecia padre Osvaldo para impedir o gesto. “No in�cio, a gente sonha que est� fumando a droga. Sente at� o gosto, pois o sonho � muito real. A medida em que o tempo vai passando, o sonho se modifica e voc� passa a sonhar que est� a ponto de usar, mas chega algu�m para impedir. Hoje, j� sonho que estou nas festas e estou tomando coquetel sem �lcool, refrigerante. O pior j� passou”, revela.

J. est� a um m�s e meio de ser liberada, em 10 de maio, quando ocorre a cerim�nia da passagem e a interna ganha uma B�blia e uma missa em sua homenagem, celebrada pelo padre Osvaldo. “Aqui h� muita rotatividade e poucas conseguem chegar at� o fim. Estou quase l�”, afirma J. Ela precisa cumprir um m�s a mais, al�m dos nove meses obrigat�rios, devido ao epis�dio da fuga logo que entrou na casa.

Segundo J., cada organismo reage de um jeito, mas parar de usar crack na primeira interna��o � muito dif�cil. “� igual tirar carteira de motorista, sabe? Uns passam de primeira no teste, outros de segunda. Eu vou passar de segunda”, diz ela, confiante. “Na primeira vez, a pessoa n�o tem muita no��o de que vai parar de vez. Pensa que est� s� ‘dando um tempo’, mas a reca�da � muito ruim e d� medo de chegar de novo no fundo do po�o. J� sei que sou impotente perante as drogas e gasto at� o �ltimo centavo. Sou ansiosa e tenho compuls�o para comprar e para usar. Tenho de substituir a droga por algo bom, saud�vel”, compara.

Na primeira interna��o, J. n�o admitiu por completo o processo perante os conhecidos. Inventou uma viagem para justificar os meses que estava fora, internada. Desta vez, at� os vizinhos j� sabem do tratamento. “Outro dia, uma vizinha com quem nunca conversei se aproximou e disse que est� rezando muito para Nossa Senhora Aparecida me ajudar”, brinca. Segundo ela, at� a motorista do especial da filha dela ficou interessada em saber o motivo do desaparecimento da m�e. “N�o adianta esconder, sabe?”, explica J., que tamb�m notou mudan�as na atitude do pai. “Ele n�o vai me dizer nunca, mas sei que ele est� buscando ajuda porque o papo dele j� � outro. Ele chegou a dizer para mim que “sabe da minha depend�ncia’ e admitiu que ‘n�s erramos juntos’. Foi um grande passo”, reconhece.

Entusiasmada, J. planeja os detalhes da pr�pria homenagem. A B�blia ser� entregue a ela pela filha de 4 anos, que tem o mesmo nome da m�e. Na primeira visita em casa, J. recebeu autoriza��o para permanecer por tr�s dias com a fam�lia. Na visita seguinte, ficou mais cinco dias. “Mam�e, eu te amo. Da pr�xima vez, voc� vai ficar aqui para sempre?”, perguntou a filha. Neste momento da entrevista, Jaqueline fica emocionada. “Minha filha � o meu presente, � a minha salva��o. Sem ela eu n�o teria motivo algum para viver, tentei suic�dio v�rias vezes. Agora, � diferente. N�o tenho a menor d�vida de que nunca mais vou usar nada. A droga n�o vai ter mais lugar na minha vida. � uma fase ruim que j� passou”, jura J., que prometeu passar o contato da equipe de reportagem aos pais, que poderiam ter voz na mat�ria.


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