
Faltam equipamentos, os medicamentos s�o insuficientes ou est�o com o prazo de validade vencido, h� dificuldade para fazer exames e os postos de sa�de funcionam de forma prec�ria, alguns no extremo improviso. H� caso at� de paciente atendido em um curral adaptado na Grande BH. Esses s�o exemplos de problemas constatados pela equipe do Estado de Minas, que conversou com cinco dos 71 profissionais formados no Brasil ou com diploma revalidado no pa�s selecionados para trabalhar em Minas na primeira etapa do Mais M�dicos, programa do governo federal que pretende fixar profissionais no interior e na periferia das grandes cidades. Em tr�s munic�pios – Itaguara e Ribeir�o das Neves, na Grande BH, e Janu�ria, no Norte de Minas – foram relatadas pelos profissionais muitas dificuldades. Nos outros dois – Par� de Minas (Centro-Oeste) e Cipot�nea (Zona da Mata) – a situa��o � melhor. Mas, apesar do cen�rio encontrado em parte das unidades de sa�de mais de um m�s depois de iniciados os trabalhos, os bolsistas est�o passando por cima dos problemas, pois perceberam que o servi�o realmente estava em falta.
Formado em Volta Redonda (RJ), o m�dico Dirceu Carneiro de Faria Salgado, de 57 anos, chegou no in�cio do m�s passado a Itaguara, cidade de 13 mil habitantes na Regi�o Metropolitana de BH, para formar uma equipe da Estrat�gia de Sa�de da Fam�lia (ESF). Selecionado pelo Mais M�dicos, ele ficou respons�vel por dividir o atendimento na zona rural com outra equipe que j� trabalhava na regi�o. Em uma das localidades, chamada de Matinha, as primeiras consultas foram feitas com companheiros inusitados. “Tem morcegos vivendo dentro da antiga escola municipal. Eles ficaram voando por cima da gente enquanto eu fazia as consultas”, contou o m�dico, que foi pego de surpresa em outros dois locais. Em um deles, a maca estava improvisada em um fog�o a lenha adaptado para receber um colchonete. No outro, atendeu em um curral. “Os pacientes ficavam sentados em bancos improvisados nas antigas cocheiras e o consult�rio n�o tinha maca para exames, apenas pequenas carteiras. O piso do curral era de terra batida, s� a sala da consulta tinha cimento”, relatou.
Alheia � quest�o estrutural, a aposentada Deusdete de Oliveira Costa, de 62, que precisou subir em uma cadeira para se sentar na maca durante o atendimento no distrito de Barro Preto, afirma que a nova equipe melhorou a situa��o na regi�o. “Antes o m�dico vinha uma vez por m�s, a cada dois meses ou at� de tr�s em tr�s meses. Agora, eles est�o agendando duas vezes por m�s”, afirmou. Com dificuldades na audi��o, ela carrega a chave da antiga escola onde recebe atendimento. “Cada morador tem a chave e abre quando vai ter consulta”, explicou.
O presidente do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM/MG), Itagiba de Castro Filho, diz que h� muito tempo a entidade vem denunciando as condi��es prec�rias de trabalho dos m�dicos, especialmente no interior e na periferia das maiores cidades. Ele afirma que n�o basta alocar os profissionais nos munic�pios onde n�o h� atendimento: � necess�rio investir para dot�-los de boas condi��es de trabalho, se o governo quiser melhorar a sa�de do pa�s. “� preciso investir para tirar os pacientes das filas para interna��es, exames de m�dia e alta complexidade e para UTI. A popula��o quer ter o direito de obter os medicamentos sem precisar entrar na Justi�a para isso”, disse.
O presidente do conselho tamb�m chama a aten��o para a quest�o dos exames complementares, que muitas vezes n�o s�o t�o necess�rios na aten��o b�sica, mas podem ajudar no futuro. “S�o esses exames, que muitas cidades n�o fazem, que podem apontar problemas graves em sua fase inicial, facilitando o diagn�stico e o tratamento”, acrescentou. Para o ex-presidente e atual conselheiro do CRM Jo�o Batista Gomes Soares, os principais gargalos estruturais em Minas s�o os medicamentos e as consultas, quando � necess�rio encaminhar o paciente a um especialista. Sem apontar locais, Soares argumenta ter not�cias de escolhidos pelo Mais M�dicos que j� est�o pensando em desistir, devido �s condi��es encontradas. “Se n�o se criarem os meios, n�o adianta levar o cidad�o. N�o existe uma rede de sa�de estruturada e nem uma sequ�ncia no trabalho do m�dico da aten��o b�sica. Por isso ele acaba desanimando e n�o permanece nos piores lugares”, disse.
Sobre a situa��o de Itaguara, o secret�rio de Sa�de do munic�pio, Edvar Alves, afirmou que um edital de licita��o est� sendo elaborado para compra de equipamentos m�dicos, al�m de mesas, cadeiras, computador e impressora. A expectativa � de que em janeiro os objetos sejam adquiridos pela prefeitura. O secret�rio admite que a estrutura na zona rural � prec�ria, mas alega que n�o h� justificativa para construir unidades de sa�de em localidades que t�m poucas fam�lias. Por isso alguns im�veis foram improvisados, argumenta. “Estou fazendo um levantamento dos im�veis municipais para, a partir do ano que vem, requisitar recursos ao Minist�rio da Sa�de para reforma das unidades”, afirmou.

Em Ribeir�o das Neves, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, faltam alguns tipos de medicamentos e a dificuldade em fazer os exames de rotina atrapalham o andamento das consultas. J� em Janu�ria, no Norte de Minas, o problema passa pela falta de equipamentos b�sicos e o munic�pio carece de uma unidade b�sica de sa�de. Em ambos, m�dicos graduados no pa�s, com o diploma revalidado conforme as leis nacionais ou formados no exterior, foram designados pelo programa Mais M�dicos para atender a popula��o. Diante das dificuldades, o jeito � improvisar para dar conta de uma demanda que n�o era atendida antes da chegada dos profissionais e tentar amenizar o gargalo da sa�de.
Ao assumir o cargo em Areias, distrito de Ribeir�o das Neves, na Grande BH, a m�dica Daniele do Amaral Silva, de 31 anos, formada em Cuba e com diploma revalidado pela UFMG, percebeu que parte dos medicamentos tinha o prazo de validade vencido. “Eles j� foram substitu�dos por novos”, conta. Depois, constatou que a farm�cia n�o tinha alguns rem�dios de prescri��o bastante comum, como os antibi�ticos Benzetacil (indicado para infec��es na garganta e pneumonias) e claritromicina (para tratar �lceras, infec��es respirat�rias e de pele).
“Os pacientes que precisam desses medicamentos t�m de ir a outras unidades. �s vezes, para eles n�o precisarem se deslocar, acabo optando por outro rem�dio, que n�o � o ideal, mas ajuda a combater a enfermidade”, diz Daniele. Ela avalia que o posto tem estrutura e conta com os equipamentos necess�rios para aten��o b�sica, mas um deles est� quebrado desde 2 de setembro, primeiro dia de trabalho. “O otosc�pio (que permite identificar sintomas de doen�as no interior da orelha) n�o est� funcionando. � de uso muito frequente”, diz.
Ao chegar ao consult�rio, Daniele estranhou o fato de n�o haver computador. O jeito foi usar seu pr�prio notebook e pagar cerca de R$ 300 por uma impressora nova, al�m de comprar os pap�is. O toner de tinta consumiu outros R$ 200 e a reposi��o mensal custa R$ 60, segundo ela. “Quando um paciente vem renovar receita, � s� imprimir a que ficou gravada no computador”, observa. O que Daniele n�o consegue acelerar � a realiza��o dos exames. “Muitos demoram, como ultrassom abdominal, ecocardiograma, exame de sangue e raios X. A maioria prefere pagar na rede particular, para apressar o resultado”, conta.
Ela j� havia trabalhado em dois centros de sa�de da capital. Apesar dos problemas encontrados em Ribeir�o das Neves, ela n�o se arrepende de ter assumido o cargo no posto, que estava sem m�dico desde janeiro. “O posto � novo, a estrutura f�sica � boa. Vi que havia uma demanda reprimida muito grande. Alguns pacientes chegam com exames antigos, j� sem validade, porque n�o havia quem pudesse olh�-los”, contou Daniele, que trabalha das 8h �s 17h e atende 20 pessoas por dia, em m�dia. “Muitos pacientes estavam sem tomar medica��es, porque a receita vencia e eles n�o tinham como renovar. Outros estavam sem fazer exames de rotina. Alguns recorriam � rede particular”, acrescenta. Segundo ela, gestantes que a procuraram para fazer acompanhamento pr�-natal j� tinham quase 30 semanas de gravidez.
Mesmo com as dificuldades, a aposentada Salvadora Rodrigues Vieira, de 52 anos, que mora quase ao lado do posto, aprovou a chegada de Daniele. Ela tem diabetes e toma medica��o controlada. Antes de a bolsista do Mais M�dicos assumir o cargo, a paciente buscava a prescri��o no Hospital das Cl�nicas da UFMG, no Bairro Santa Efig�nia, Regi�o Leste de BH. “Eu perdia um dia inteiro para pegar a receita. Agora melhorou demais”, diz.
No entanto, Salvadora reclama do fato de os pedidos de exame demorarem muito para ser atendidos. “N�o adianta o posto funcionar bem se n�o tem condi��es de o m�dico trabalhar. Minha filha de 19 anos apresentou um pedido de ultrassom na garganta em maio e at� agora n�o a chamaram para fazer”, relata. “Pedi uma tomografia em agosto de 2012 e s� consegui fazer semana passada. Se estivesse para morrer, morreria”, diz.
A Prefeitura de Ribeir�o das Neves informou por meio de nota que a unidade do distrito Areias encontra-se em processo final de reforma. Segundo a nota, o posto n�o � informatizado, por isso ainda n�o h� computador e impressora. A aquisi��o de medicamentos est� sendo regularizada e o otosc�pio sair� da manuten��o nos pr�ximos dias, segundo a administra��o.
O programa
O programa Mais M�dicos foi lan�ado em julho pelo Minist�rio da Sa�de, com o objetivo de levar profissionais a regi�es do Brasil onde h� car�ncia de pessoal. J� ocorreram duas chamadas, sendo que apenas aqueles que se inscreveram na primeira fase come�aram a trabalhar, a maioria em 2 de setembro. Al�m de m�o de obra, o programa prev� investimento de R$ 15 bilh�es na infraestrutura de hospitais e unidades de sa�de at� 2014 e a abertura de 11,5 mil vagas em cursos de medicina, em parceria com o Minist�rio da Educa��o, at� 2017.
� espera do posto de sa�de
O desafio de trabalhar no Mais M�dicos diante de poucos recursos tamb�m � encarado pelo m�dico Gustavo Rocha de Carvalho, que iniciou as atividades em Janu�ria, no Norte de Minas, em 2 de setembro. Ele admite que enfrenta a falta de equipamentos, como nebulizador, mesa ginecol�gica e at� maca. Por�m, garante que isso n�o chega a comprometer a assist�ncia � popula��o. “Enfrentamos dificuldades. Mas contamos com o apoio da Secretaria Municipal de Sa�de para solicitar os exames complementares e encaminhar os pacientes para consultas com os especialistas”, assegura o m�dico, que atende no posto do Programa de Sa�de da Fam�lia (PSF) do Centro de Aten��o Integral � Crian�a (Caic), em uma das �reas mais pobres da cidade. Por outro lado, ele – que cumpre jornada de 40 horas semanais e atende, em m�dia, 30 pessoas por dia – disse que a evolu��o s� ser� maior quando for constru�da uma unidade b�sica de sa�de na cidade.
Janu�ria recebeu at� agora quatro profissionais do Mais M�dicos. O secret�rio municipal de Sa�de, Onedes Bruno de Souza, disse que aguarda recursos federais para construir uma unidade b�sica ou reformar o posto de atendimento do Caic. “Infelizmente, antes a aten��o prim�ria � sa�de em nosso munic�pio nem existia. Eram apenas duas unidades do PSF e passamos para 16.” Ele informou ainda que a administra��o tenta outras fontes de recursos e aguarda o recebimento R$ 250 mil da Uni�o, viabilizados por meio de uma emenda parlamentar. Essa verba ser� usada para comprar equipamentos e materiais para oito postos no munic�pio.
A equipe do Estado de Minas entrou em contato com o Minist�rio da Sa�de para comentar os problemas de estrutura das cidades e fazer um balan�o do primeiro m�s do programa, mas n�o obteve retorno.
Quem achou o consult�rio em ordem
Enquanto m�dicos relatam problemas estruturais em pelo menos tr�s cidades, h� tamb�m exemplos de profissionais selecionados no Mais M�dicos que encontraram boas condi��es de trabalho. As cidades n�o escapam de dificuldades, mas nada que influencie diretamente no trabalho dos novos profissionais.
Com mais de 40 anos de experi�ncia, o m�dico Thomaz Chelini Pereira, de 67 anos, nascido e criado em Juiz de Fora, na Zona da Mata, resolveu se candidatar para ocupar uma vaga em Cipot�nea, munic�pio com pouco mais de 6 mil habitantes, na mesma regi�o. O oncologista aposentado foi designado para atuar como cl�nico-geral, �rea de sua resid�ncia, na �nica unidade b�sica de sa�de da cidade, que fica na �rea urbana. “O posto � novo e bem arrumado. Tem os medicamentos de que preciso e uma estrutura para acesso � internet”, contou. H� tamb�m laborat�rio no munic�pio.
O m�dico lembra que a cidade � bem pequena. Portanto, casos de urg�ncia e emerg�ncia s�o encaminhados ao hospital filantr�pico ou a outras cidades.
DIFERENCIADO Em Par� de Minas, na Regi�o Central, a obstetra Roseni F�tima Norberto, depois de 16 anos clinicando em S�o Jo�o del-Rei, est� atendendo exclusivamente no Centro de Aten��o � Sa�de da Mulher e da Crian�a (Casmuc). Neste primeiro m�s, ela fez cerca de 300 atendimentos e garante que a unidade tem todo o equipamento necess�rio.
“Meu objetivo � oferecer um tratamento diferenciado, mais humano. Principalmente aqui, onde atendo exclusivamente mulheres e crian�as, � muito importante essa diferen�a”, diz. O principal gargalo � a escassez de especialistas para fazer exames de imagem.
O secretario de sa�de, Cleber de Faria, diz que a cidade n�o sofre com a falta de profissionais para a atual estrutura, mas diz que h� bairros sem cobertura, o que deixa pelo menos 20 mil pessoas sem uma unidade de refer�ncia. Todos s�o obrigados a procurar postos de sa�de do Centro ou de algum bairro pr�ximo. “Estrategicamente, colocamos Roseni no Casmuc. Ela atende justamente essa parte da popula��o.”