Valquiria Lopes

Banidos das ruas de Belo Horizonte h� 10 anos, eles est�o de volta. Mas, de vendedores de mercadorias expostas clandestinamente em barracas nas cal�adas da capital, se transformaram em falsos hippies – uma esp�cie de “artes�os made in China”, que, aproveitando-se de uma brecha legal, vendem produtos industrializados de origem duvidosa como se fossem feitos � m�o. Proibidos de trabalhar nas ruas desde 2003, quando o C�digo de Posturas entrou em vigor, os camel�s est�o reocupando o Centro. Com panos estendidos nas cal�adas, eles pegam carona em liminar que autoriza o com�rcio de artesanato. E n�o se intimidam: exp�em correntes, colares e pulseiras de a�o, piercings e brincos enrolados em embalagens pr�ticas, tiaras, em meio a uma vasta linha de quinquilharias que admitem comprar em centros comerciais de BH ou S�o Paulo, muitas de proced�ncia chinesa. A decis�o que libera a venda de trabalho artesanal � de 26 de setembro do ano passado, a pedido da Defensoria P�blica do estado, que moveu a��o civil p�blica contra a Prefeitura de Belo Horizonte e o governo de Minas.
Quem conquistou o espa�o por direito reclama da atua��o dos ambulantes e da falta de uma fiscaliza��o capaz de separar o que � com�rcio ilegal dos produtos artesanais. “Eles trazem mercadorias vendidas em lojas populares para concorrer com pe�as que levamos horas ou mesmo dias para fazer”, queixa-se o artes�o Jos� Conti, de 50 anos, que desde crian�a trabalha com artesanato. Ele exp�e quadros feitos com vidro na Rua Rio de Janeiro, bem ao lado de comerciantes que est�o � margem da lei. “Se a prefeitura teve que aceitar que algu�m exponha seu trabalho na rua, que ent�o fiscalize quem realmente tem o direito de ficar”, cobra.
A exemplo de Jos�, o artes�o Andis Ferreira, que faz pe�as ornamentais de arame desde os 16 anos, chama aten��o para a facilidade de se distinguirem os dois tipos de produtos – artesanal e industrializado –, o que � ignorado pelos fiscais, segundo ele. “At� um leigo sabe separar as pe�as feitas por artes�os dos objetos que v�m de f�brica e s�o produzidos em larga escala. Nosso trabalho � �nico. Basta pedir para eles produzirem uma pe�a na hora, que n�o v�o saber fazer”, diz. Ele detalha ainda como tudo ocorre. “Os camel�s chegam cedo, de carro e com suas bolsas. V�o ocupando o passeio e tomando nossos lugares”, afirma, alegando ainda que isso faz os artes�os se distanciarem cada vez mais do quarteir�o fechado da Pra�a Sete.
Irritados com a situa��o, alguns dos hippies admitem se sentir incomodados com a presen�a dos camel�s. � o caso de duas jovens que preferiram n�o se identificar, por temer repres�lias. “Eles n�o s�o agressivos conosco, mas nos incomodam muito. Temos uma cultura n�made que n�o � comercial e me sinto ofendida de expor meu trabalho ao lado de pe�as produzidas numa f�brica”, diz uma delas. A outra cobra presen�a da prefeitura. “Os fiscais v�m a� e nunca falam nada. � como se tudo estivesse normal.” No quarteir�o fechado da Rua Rio de Janeiro, na Pra�a Sete, no entanto, os camel�s n�o conseguiram se infiltrar. Mas n�o por for�a de fiscaliza��o. “Aqui a gente n�o deixa”, explica o artes�o Vitor Serafim de Ara�jo, de 41, ao afirmar que o grupo concentrado no local � resistente � entrada de produtos comerciais no espa�o.
Mesmo tendo conhecimento de que est�o na clandestinidade, os camel�s se defendem para manter seus produtos em exposi��o. A alega��o � sempre de que dependem da infra��o para viver. Um deles, Fl�vio Vasconcelos, garante ser artes�o, mas exp�e pe�as de fabrica��o industrial no pano estendido na Rua Rio Janeiro, pr�ximo ao Shopping Cidade. “Misturo uma coisinha ou outra ao artesanato. Tenho fam�lia para sustentar. Melhor estar aqui do que desempregado”, argumenta.
H� quem tenha menos preocupa��o em disfar�ar. A ambulante Maria do Carmo Abreu, de 58, assume a irregularidade. “H� 28 anos trabalho na rua. Fico mudando de lugar sempre. J� tive mercadoria apreendida, mas nem todo dia o fiscal leva os produtos, mesmo sabendo que n�o � artesanato”, diz. O infrator que expuser mercadorias em vias p�blicas sem permiss�o pode pagar multa de R$ 596,23 a R$ 1.430,95, al�m de ter os produtos apreendidos, segundo as regras do C�digo de Posturas.
A LIMINAR
Ao ingressar com a a��o civil que abriu espa�o para a volta dos camel�s, os defensores p�blicos alegavam querer proteger os direitos de hippies e artes�os de rua, presentes sobretudo na Pra�a Sete. Desde 2011, segundo a defensoria, eles vinham sendo abordados por fiscais, que alertavam n�o ser permitida a atividade e, com a ajuda de policiais militares, confiscavam produtos e equipamentos de trabalho. A a��o defendia que devia ser resguardado o “direito fundamental ao livre exerc�cio da cultura”, com base em princ�pios como liberdade de express�o.
O mercado a c�u aberto
Quem pro�be
C�digo de Posturas do Munic�pio de Belo Horizonte
A Lei 8.616, de 14 de julho de 2003,
em seu artigo 118, veda o exerc�cio
de atividade por camel�s e toreiros
em vias p�blicas.
Quem permite
Liminar de setembro de 2012
Decis�o do juiz Geraldo Claret de Arantes, da 1ª Vara da Fazenda e Autarquias de Belo Horizonte, permite que artes�os de rua ou hippies exer�am seu direito � express�o art�stica em Belo Horizonte, podendo confeccionar e expor e vender suas pe�as e objetos art�sticos sem pr�vio licenciamento, sob pena de multa di�ria de R$ 5 mil. A liminar determina ainda a devolu��o dos objetos indevidamente apreendidos, em 10 dias.