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Estado de Minas MONTANHAS DE ENTULHO QUE 'NINGU�M V�'

Bota-foras clandestinos desrespeitam leis e imperam na Grande BH

Aterros clandestinos em vales de bairro em Neves recebem toneladas de restos de constru��o e lixo dos quatro cantos da Grande BH sem ser incomodados pela pol�cia ou pela prefeitura. Neg�cio lucrativo, que amea�a o meio ambiente e a popula��o � retrato do total descontrole no descarte de detritos na regi�o metropolitana


postado em 17/11/2013 00:12 / atualizado em 17/11/2013 07:39

Em área particular às margens da BR-040, material de descarte controlado é aterrado com outros rejeitos e contamina o solo(foto: Mateus Parreiras / EM / DA PRESS)
Em �rea particular �s margens da BR-040, material de descarte controlado � aterrado com outros rejeitos e contamina o solo (foto: Mateus Parreiras / EM / DA PRESS)
Cada caminh�o carregado de entulho que entra pelo port�o azul de uma oficina mec�nica na Rua Dion�zio Gomes deixa cinco metros c�bicos mais raso um dos poucos vales com remanescentes de mata de cerrado do Bairro Veneza, em Ribeir�o das Neves, na Grande BH. O volume corresponde � m�dia de 6,5 toneladas que cada ca�amba carregada com restos de constru��o, lixo e at� material t�xico despeja de forma clandestina no lugar. O sucesso do “empreendimento”, vizinho a condom�nios de luxo e que cobra R$ 50 a cada despejo, recebendo detritos dos 34 munic�pios da regi�o metropolitana, obrigou o dono a abrir um outro, em lote na mesma via, para dar conta da demanda. Agora, ele aterra um outro vale, naquele que � um dos mais populosos bairros da cidade de 316 mil habitantes. Apesar de bem conhecidos dos ca�ambeiros e da vizinhan�a, e de ficarem bem perto de unidades da Pol�cia Militar, os bota-foras clandestinos s�o desconhecidos da Prefeitura de Ribeir�o das Neves.


A reportagem do Estado de Minas investigou a composi��o dos descartes e o destino das ca�ambas dispostas em Belo Horizonte para mostrar que esquemas como esse, de desrespeito �s leis ambientais e de deposi��o ilegal de res�duos, imperam por toda a Grande BH. O resultado mais grave vem com as chuvas, na forma de enchentes causadas por drenagens de vias bloqueadas, assoreamento de cursos d’�gua, polui��o, riscos de desabamentos e acidentes com ve�culos.

Especialistas apontam que o florescimento de esquemas irregulares s�o resultado do aquecimento da ind�stria da constru��o civil, em um quadro de fiscaliza��o deficiente e de falta de locais adequados para dep�sito e reciclagem do material que sobra dos empreendimentos das grandes cidades brasileiras. No rastro das ca�ambas que partem especialmente de Belo Horizonte foram encontradas �reas de transbordo que n�o separam produtos perigosos de material inerte e que amontoam res�duos que deveriam ser descartados de forma controlada. H� tamb�m ca�ambeiros que depositam sua carga nas vias ou em aterros clandestinos.

Para se ter uma dimens�o do problema, a Superintend�ncia de Limpeza Urbana (SLU) de BH recolheu no ano passado 223,5 mil toneladas de entulho, sendo 120 mil (53,6%) descartes clandestinos em lotes vagos, vias p�blicas e margens de cursos d’�gua. Um volume semelhante de material de constru��o daria para erguer 1.770 habita��es populares. O maior projeto de moradias populares da capital, o Minha casa minha vida do Jardim Vit�ria II, tem apenas 180 unidades a mais.

INDICA��ES

Ignorado pelas autoridades, o bota-fora clandestino do Bairro Veneza, em Neves, � velho conhecido dos ca�ambeiros. Em um ponto de transbordo do Bairro Vila Paris, em Contagem, acreditando estar falando com um interessado em entrar no ramo, um grupo de cinco motoristas e ajudantes explicou � reportagem do EM como funciona o esquema. Parte dos patr�es usa um sistema de vales em bota-foras: compram v�rias fichas que s�o entregues ao caminhoneiro, que s� descarrega nos aterros ao entreg�-las. “Mas tem quem n�o trabalhe com ficha. A�, inclui no nosso pagamento o pre�o do descarte”, disse um dos mais velhos da roda. � nessa situa��o que encontrar locais clandestinos de descarte se torna lucrativo, pois os espa�os licenciados cobram de R$ 70 a R$ 90 e os clandestinos, no m�ximo R$ 50. A diferen�a fica com o motorista.

O mais falante do grupo, um rapaz com menos de 30 anos, admitiu descartar entulho em vias p�blicas se a fila no bota-fora estiver grande, a chuva dificultar a descarga ou quando sobra tempo. “Se n�o estiver apertado, deixo a ca�amba por �ltimo e levo s� no fim da tarde ou de noite para jogar no canteiro central ou em lote vago. Se n�o tiver como, levo para Neves, no aterro clandestino”, afirma.


A entrada do primeiro depósito na cidade da Grande BH ainda tem a fachada de uma oficina, mas a procura foi tamanha que o dono adquiriu imóvel próximo para o mesmo fim e nem se preocupou em disfarçar(foto: Renato Weil / EM / DA PRESS)
A entrada do primeiro dep�sito na cidade da Grande BH ainda tem a fachada de uma oficina, mas a procura foi tamanha que o dono adquiriu im�vel pr�ximo para o mesmo fim e nem se preocupou em disfar�ar (foto: Renato Weil / EM / DA PRESS)
Clandestino, mas diante de todos


O bota-fora clandestino do Veneza fica em um dos pontos comerciais mais movimentados do bairro de Ribeir�o das Neves e a tr�s quarteir�es de uma companhia da Pol�cia Militar. Apesar disso, ningu�m nunca interferiu nos neg�cios irregulares. O acesso pela oficina de fachada leva a um corredor de 20 metros de comprimento, com tr�s carros velhos estacionados e pe�as sendo lubrificadas em um tanque. Adiante, o solo fofo misturado com lixo mostra sinais de aterramento, em um espa�o onde caminh�es e tratores s�o usados na compacta��o e transporte dos res�duos. As ca�ambas s�o despejadas nesse ponto e depois as m�quinas pesadas empurram o conte�do para o precip�cio, com cerca de 30 metros de profundidade, � beira de um vale. Restos de concreto, tijolos, ferragens, latas de tinta, recipientes de produtos qu�micos e tudo mais escorrega por esse aterro e cobre a vegeta��o no fundo.

Um senhor de meia-idade usando macac�o azul de mec�nico se apresenta como dono do local, de apelido Marc�o. A equipe do EM pergunta quanto custa virar duas ca�ambas de entulho misturado com produtos contaminados, como latas de tinta, solventes e l�mpadas de merc�rio. Todos esses materiais s�o t�xicos e s� podem ser estocados em locais com licen�a ambiental espec�fica, por representar perigo � sa�de humana. Mas isso n�o se mostra problema para Marc�o. Ele s� recomenda jogar os rejeitos em outro ponto, por causa da chuva e da lota��o do bota-fora da oficina. “Tenho outro lugar, na curva ali da frente. Cobramos R$ 50. � um outro lugar que eu mesmo arrumei. Se estiar de manh�, de tarde a m�quina empurra o entulho”, disse.

O dono dos bota-foras leva a equipe at� o outro endere�o, a menos de 500 metros do primeiro. Apresenta um lote com uma casa e um muro parcialmente derrubado, de onde se v�, da rua mesmo, as montanhas de entulho acumuladas no quintal. Outro vale nos fundos come�a a ser aterrado por todo tipo de entulho e destro�os. “Tem uns 10 anos que tenho o primeiro lote. Como ficou muito cheio, arranjei este aqui. E estou esperando a imobili�ria liberar um outro lote para comprar e fazer mais um ponto. Preciso de mais espa�o, porque vem gente de tudo quanto � lugar para c�: de BH, Contagem, Neves, Esmeraldas...”, comenta, sem qualquer constrangimento ou medo de ser descoberto pela fiscaliza��o ambiental.

‘Parece um bota-fora’ Apesar da total falta de discri��o tanto do dono quanto das montanhas de entulho acumuladas nos bota-foras do Veneza, a Prefeitura de Ribeir�o das Neves diz desconhecer o problema. Nem mesmo depois da den�ncia da reportagem a fiscaliza��o municipal conseguiu notificar os dep�sitos clandestinos. A administra��o informou que funcion�rios do setor de posturas estiveram nos dois endere�os e constataram “a exist�ncia do que parece ser um bota-fora”. Mas isso n�o foi suficiente para que os poluidores fossem fiscalizados e multados, pois “o local estava fechado”. De acordo com a prefeitura, os agentes “retornar�o para fazer nova vistoria e, se detectada alguma irregularidade, notificar�o o propriet�rio”.


Depósito no Veneza: irregularidade escancarada em área de grande movimento(foto: Renato Weil / EM / DA PRESS)
Dep�sito no Veneza: irregularidade escancarada em �rea de grande movimento (foto: Renato Weil / EM / DA PRESS)
Fiscaliza��o da porta para fora


Monitorar as atividades dos transportadores e receptores de res�duos n�o se mostra tarefa f�cil, j� que mesmo quando os fiscais v�o aos locais denunciados, muitas vezes n�o conseguem comprovar as irregularidades. Assim como ocorreu em Neves, de acordo com fiscais das prefeituras da Grande BH procuradas pelo EM, as �reas particulares muitas vezes est�o trancadas no momento da fiscaliza��o, os respons�veis n�o aparecem para atender os agentes e o material perigoso pode j� se encontrar enterrado, o que faz necess�rio uso de m�quinas para obter amostras que nem sempre confirmam as irregularidades. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), a��es de fiscaliza��o em locais de deposi��o irregular de entulho e bota-foras foram ampliadas em 8,7% nos quatro primeiros meses deste ano em rela��o ao mesmo per�odo de 2012, passando de 4.682 para 5.092 procedimentos. As multas, contudo, ainda s�o raras, na propor��o de uma a cada cinco dias. E diminu�ram de 51 para 23 (queda de 45%) no per�odo.

No caso do ponto de transbordo de ca�ambas em que o Estado de Minas flagrou o descarte irregular de material t�xico e de descarte controlado, no Bairro Calafate, entre a linha do metr� e a Avenida Juscelino Kubitschek, a PBH informa que o local � alvo de fiscaliza��o, por exercer a atividade em �rea acima da previsto pelo alvar�, podendo o empreendimento “ser multado e interditado”. Segundo o analista ambiental da empresa, Marc�lio Angelo Alves Martins, esse comportamento � irregular e n�o � a praxe no empreendimento. “Ocorre de virem ca�ambas com produtos perigosos misturados, mas nossa pol�tica � devolver aos geradores ou cobrar pela destina��o correta”, disse. Sobre a deposi��o prolongada de sucata e de produtos que podem contaminar o solo, o analista informou que os montes aguardam apenas o ac�mulo suficiente para serem transportados para locais adequados.

Um dos caminh�es que deixou o transbordo na �ltima quarta-feira continha visivelmente entulho contaminado, e foi seguido pela equipe do EM. O ve�culo foi barrado no aterro municipal da BR-040, no Bairro Calif�rnia, na Regi�o Noroeste, que n�o aceita a mistura. O motorista, ent�o, dirigiu at� o vizinho Bairro Filad�lfia, onde funciona um bota-fora particular. No local, apenas entulho de constru��o civil, como tijolos, areia e terra, poderiam ser aterrados, mas por todo o espa�o que foi compactado pelas m�quinas despontam do solo restos de muitos pneus, latas de tintas e recipientes de produtos qu�micos usados em reformas e constru��es.

O encarregado do empreendimento, que se identificou apenas como Alex, confirmou n�o ter licen�a para receber e aterrar res�duos contaminados. Disse, ainda, que as latas e recipientes encontrados pela reportagem, mesmo os parcialmente enterrados, seriam ainda recolhidos e reciclados por catadores que trabalham no local. A Secretaria Municipal Adjunta de Regula��o Urbana informou que “n�o h� alvar� de localiza��o e funcionamento para o endere�o”. “A Ger�ncia de Fiscaliza��o da Regional Noroeste informa que h� a��o fiscal em andamento no local, devido ao exerc�cio de atividade sem alvar� e queima de res�duos a c�u aberto. O infrator pode sofrer penalidade de multa e interdi��o”, atestou a secretaria.

VETOR SUL

Depois de den�ncia feita pelo Estado de Minas em 20 de agosto dando conta de mais de 25 bota-foras ilegais em outro trecho da BR-040, na sa�da Sul de BH, no sentido Rio de Janeiro, a Prefeitura de BH providenciou um levantamento sobre a situa��o. Uma reuni�o foi convocada na semana passada para tra�ar estrat�gias de combate a essa situa��o, em conjunto com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, prefeituras e secret�rios de Meio Ambiente de Nova Lima e Brumadinho, al�m do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas, Copasa e Pol�cia Rodovi�ria Federal, entre outros. Foi acertado que os munic�pios forneceriam recursos e pessoal para auxiliar o Dnit nas fiscaliza��es. A PBH tenta agora alterar a lei e incluir puni��es n�o apenas para quem produz res�duos e os descarta de forma inadequada, mas tamb�m aos transportadores.


A estrada que virou dep�sito de rejeitos

A atitude dos motoristas de caminh�es que atiram res�duos ao longo de vias p�blicas, seja pela �nsia de lucro ou pela pressa, transformaram o trecho da rodovia BR-040 entre Belo Horizonte e Ribeir�o das Neves, no sentido Norte, sa�da para Bras�lia, em um gigantesco e escancarado bota-fora. Em 28 quil�metros da via, a reportagem do EM contou 59 pontos de descarte clandestino em  �reas de dom�nio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes �s margens da rodovia, nos canteiros centrais e espa�os de manobra para retornos. � como se quem trafega por esse trecho passasse por um monte de res�duos a cada 474,5 metros. A composi��o dessas pilhas � a mesma das encontradas nas ca�ambas transportadas em BH: restos de lajes, tijolos, ferragens, pedras, latas de tinta, recipientes de solventes, l�mpadas e at� sucata contendo �leo lubrificante, como pe�as automotivas.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Loca��o em Geral do Estado de Minas Gerais, Geraldo Anat�lio, reconhece que motoristas e auxiliares depositam o conte�do das ca�ambas em locais impr�prios, mas diz que isso ocorre por falta de alternativa. “O pre�o do despejo regular � muito alto, h� poucos locais para a deposi��o e as dist�ncias s�o muito longas”, afirma. De acordo com o sindicalista, uma proposta deve ser negociada para instituir a reciclagem de material coletado em mais usinas municipais. Atualmente, h� tr�s em funcionamento e outras duas em estudo em Belo Horizonte. “A realidade hoje � essa. A popula��o precisa descartar os res�duos, o setor gera emprego e renda, mas precisamos de apoio municipal, por quest�es ambientais e econ�micas.”

De acordo com o professor do Departamento de Engenharia Sanit�ria e Ambiental da UFMG Rafael Tobias, os descartes contaminados s�o graves, sobretudo por amea�ar a sa�de humana, com efeitos diretos ou cumulativos sobre o organismo. “Esses res�duos se dissolvem na �gua das chuvas, na forma de um chorume que contamina mananciais. As tintas, por exemplo, cont�m metais pesados, o que afeta o sistema neurol�gico. O merc�rio (presente em l�mpadas, por exemplo) pode afetar o sistema nervoso”, afirma. Para o especialista, o problema do entulho � justamente o grande volume, que causa assoreamento de cursos d’�gua e soterramento de nascentes. “Sem falar que, quando acumulados em estradas e vias, esses res�duos ter�o de ser removidos pelo poder p�blico e esse custo ser� dividido com toda a sociedade”, afirma.


O QUE DIZ A LEI

Quem despeja entulho e lixo contaminado �s margens de rodovias ou em outros espa�os p�blicos pode ser enquadrado na Lei dos Crimes Ambientais (9.605/1998). O artigo 54 define como crime “causar polui��o de qualquer natureza em n�veis tais que resultem ou possam resultar em danos � sa�de humana ou provoquem a mortandade de animais ou a destrui��o significativa da flora”. A lei estabelece pena de um a quatro anos de pris�o e multa entre R$ 5 mil e R$ 50 milh�es. Se o descarte ilegal ocorrer em Belo Horizonte, o respons�vel responde ainda por infra��o no �mbito do munic�pio e est� sujeito a multa entre R$ 106 e R$ 4.037.

 


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