
A legisla��o determina que, para exercer a atividade de guardador ou lavador de carro, � preciso ter autoriza��o do poder p�blico. Quem n�o cumprir a exig�ncia pode ser punido com multa ou pris�o de 15 dias a tr�s meses, segundo o artigo 47 da Lei de Contraven��es Penais. Apesar disso, a Pol�cia Militar parou de prender flanelinhas por exerc�cio ilegal da profiss�o na �rea dentro dos limites da Avenida do Contorno, em Belo Horizonte. O motivo � que a Justi�a mineira, repetindo posi��o adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), passou a considerar que a infra��o n�o deve sofrer san��es penais, apenas administrativas. Profissionais regularizados acreditam que as multas aplicadas pela prefeitura s�o insuficientes para extinguir os ilegais.
O caso que chegou ao STF come�ou com uma den�ncia contra tr�s flanelinhas encaminhada pelo Minist�rio P�blico mineiro ao Juizado Especial Criminal de BH. Segundo a promotoria, os homens exerciam as atividades de “lavadores e tomadores de conta de ve�culos” sem o devido cadastro realizado pela prefeitura, o que caracterizaria contraven��o penal. Ap�s perder a causa em primeira inst�ncia, o MP conseguiu vencer em segunda inst�ncia, mas a Defensoria P�blica da Uni�o recorreu ao Supremo para suspender o andamento da a��o penal, pedido atendido em mar�o do ano passado pelo relator, ministro Ricardo Lewandowski. Ele determinou que fosse restabelecida a senten�a que rejeitou a den�ncia.
O coordenador dos Juizados Especiais da Comarca de BH, Vicente de Oliveira e Silva, afirma que o julgamento do STF dever� ser replicado em n�vel estadual sempre que um flanelinha for denunciado por exerc�cio ilegal da profiss�o. “Normalmente, no direito brasileiro, a palavra final � do STF. Se ele entendeu que a conduta do flanelinha n�o caracteriza essa contraven��o penal, os ju�zes v�o acompanhar essa decis�o. Juridicamente, a quest�o est� resolvida”, diz. Caso den�ncia semelhante seja encaminhada pelo MP � Justi�a, “o pr�prio flanelinha, sem estar representado por defensor p�blico, pode impetrar um habeas corpus, que vai ser deferido diante da jurisprud�ncia criada pelo STF”, avalia.
Diante do posicionamento da Justi�a, o trabalho de prender um flanelinha por exerc�cio ilegal da profiss�o se tornou in�til, como reconhece a comandante do Comando de Policiamento da Capital (CPC), coronel Cl�udia Romualdo. “Se a Justi�a j� decretou que essa contraven��o n�o se aplica ao flanelinha, vamos ter que verificar se na a��o dele h� algum tipo de crime. Resta prend�-lo se fizer amea�a ao propriet�rio do ve�culo, se estiver tentando extorqui-lo”, analisa. Para poupar esfor�o, a PM deixou de efetuar esse tipo de pris�o, informa o tenente-coronel V�tor Ara�jo, subcomandante do 1º batalh�o, respons�vel pela �rea dentro da Avenida do Contorno. “N�o tem sentido fazer essa opera��o por iniciativa da PM. � um trabalho v�o, toma o tempo de um policial que podia estar na rua fazendo patrulhamento”, ressalta.
Medo de vingan�a Os flanelinhas s�o presos na �rea central somente se j� tiverem um mandado de pris�o expedido contra eles, se tentarem extorquir algum motorista ou praticarem outro crime. O problema � que, ao ligar para a pol�cia, quase nenhuma v�tima aceita se identificar. “Temos que conduzir � delegacia a v�tima e o agente (criminoso). O delegado precisa ouvir as partes e arbitrar a a��o do infrator. Se n�o for assim, n�o podemos fazer nada”, explica Ara�jo. “Muitas v�timas ligam para a PM, mas n�o se disp�em a esperar a pol�cia chegar ao local. Muitas vezes frequentam aquele lugar, t�m medo de voltar l� e sofrer alguma vingan�a, ter o carro danificado, o pneu furado. Acabam ficando ref�ns do flanelinha, que aproveita para pedir dinheiro antecipado”, acrescenta.
Quando a v�tima n�o quer se identificar, resta � PM conversar com o criminoso. “A pol�cia faz o cadastro do flanelinha, anota seus dados, faz um boletim de ocorr�ncia simplificado, mas sem a v�tima n�o h� como conduzi-lo � delegacia. A gente fala para o flanelinha que ele n�o pode cobrar antes, que o motorista s� paga se quiser. Geralmente isso tem surtido efeito”, afirma o subcomandante do 1º batalh�o. Ele afirma que a decis�o do STF dificultou a a��o dos militares: “Sem d�vida, foi um dificultador, j� que acabou legalizando a atividade, indiretamente. As a��es junto com os fiscais da prefeitura ficaram comprometidas”.
Apesar da mudan�a de postura da PM, o superintendente de Investiga��es e Pol�cia Judici�ria de Minas, Jeferson Botelho, afirma que as pris�es de flanelinhas por exerc�cio ilegal da profiss�o devem continuar. “Uma norma penal � revogada somente por uma lei posterior, o que n�o ocorreu com a Lei de Contraven��es Penais. A decis�o do Supremo n�o tem poder de revogar a lei. A contraven��o permanece intacta, e as pessoas que est�o praticando esse tipo de conduta poder�o receber a reprimenda da pol�cia”, afirma. Se os militares deixarem de prender guardadores e lavadores de carro n�o cadastrados na prefeitura, eles cometem o crime de prevarica��o, na avalia��o de Botelho. “A pol�cia n�o pode descumprir uma lei”, ressalta.
Multa n�o inibe irregulares, diz sindicato
A Regional Centro-Sul tem 919 lavadores de carro e 245 guardadores cadastrados, autorizados a exercer as atividades. Os flanelinhas n�o habilitados podem ser multados pela prefeitura em R$ 1.514,66, se atuarem dentro dos limites da Avenida do Contorno, e em R$ 631,10, se estiverem fora desse per�metro. J� a Superintend�ncia Regional do Trabalho concedeu 877 registros para as duas profiss�es desde 2000. Na avalia��o do presidente do sindicato que representa esses profissionais, Martim dos Santos, as penalidades aplicadas pelo munic�pio n�o s�o suficientes para acabar com os irregulares.
“De uns oito meses para c� aumentou o n�mero de flanelinhas, sobretudo no Centro e em bairros vizinhos. A fiscaliza��o da prefeitura � insuficiente”, critica Santos. Os irregulares n�o se intimidam ao serem multados, segundo o sindicalista. “Eles n�o t�m compromisso. N�o v�o pagar nunca”, afirma. Ele avalia como “retrocesso” o fato de a Justi�a ter julgado que flanelinhas n�o devem responder pela contraven��o de exerc�cio ilegal da profiss�o. “Com a repress�o policial e a possibilidade de ser preso, o flanelinha ficava mais atento”, constata. Procurada, a Secretaria Municipal de Regula��o Urbana n�o se manifestou sobre o assunto.
J� Guilherme Orlando Anchieta Melo, professor de direito penal da Fumec, avalia como “perfeita” a decis�o do STF e critica o Minist�rio P�blico por denunciar flanelinhas n�o regularizados. “Por n�o se registrarem como deveriam, as pessoas que tomam conta de carros merecem uma san��o penal? Elas n�o merecem ter uma ficha suja que vai dificultar ainda mais a obten��o de um emprego formal”, opina. Ele ressalta que � a pr�tica de extors�o que deve ser punida como crime.
A funcion�ria p�blica Vilma Oliveira, de 58 anos, conta que flanelinhas tentaram extorqui-la mais de uma vez. “Uma noite, um rapaz pediu R$ 15 antecipado. Quando falei que n�o pagaria, veio a amea�a: ‘O carro vai ser estragado, v�o arranh�-lo’. N�o paguei, mas fiquei com medo”, relata. Ela percebe que a postura dos guardadores regularizados � diferente: “Quando eles t�m o colete (da prefeitura) d� uma confiabilidade”.