
Enfrentar a dura rotina da pris�o, a saudade, a solid�o e o abandono � apenas parte da pena cumprida por detentas espalhadas pelos pres�dios do interior de Minas. Para muitas, levadas para unidades longe de sua cidade natal, a dist�ncia � mais um muro que se ergue entre elas e filhos, maridos, parentes e amigos trancados do lado de fora. A falta de recursos das fam�lias para o deslocamento que as visitas exigem as condena a um cotidiano ainda mais solit�rio. Muitas j� deixaram de esperar reconhecer um rosto entre os visitantes dos domingos; outras dizem entender a dificuldade dos familiares; todas sofrem com o isolamento imposto pelo crime pelo qual foram condenadas – ainda que muitas jurem inoc�ncia.
Na pris�o, receber visita, al�m de matar a saudade, significa uma chance de contato com o mundo exterior. Uma oportunidade negada a muitas das internas de unidades como o Pres�dio do Bairro Alvorada, em Montes Claros, cuja ala feminina conta com 56 presas, a maioria (80%) envolvida com o tr�fico de drogas. A unidade recebe mulheres de diversas partes do Norte de Minas, diante da falta de unidades femininas em outras cidades da regi�o. Atualmente, 13 delas t�m esse perfil. Entre todas, 98% s�o m�es, mas menos de 5% preservam relacionamentos fixos. Somente tr�s recebem visitas �ntimas.
O dia de visita��o � diferenciado na cadeia. Nele, as detentas acordam cedo, tomam banho e cuidam bem do visual, na expectativa de um abra�o, um alimento diferente do card�pio da cadeia ou coisas simples para quem est� do lado de fora, como produtos de higiene pessoal. Mas, no caso de internas como Cl�udia de Jesus, condenada por envolvimento em latroc�nio (roubo seguido de morte), domingo � data como outra data qualquer. Desde que chegou ao pres�dio de Montes Claros, h� cinco meses, ela nunca recebeu ningu�m. Quase um semestre sem contato com os tr�s filhos, de 13, 14 e 16 anos. “No in�cio, a gente estranha, mas acaba aceitando. Tenho que sair daqui com a cabe�a erguida e n�o voltar mais para o mundo do crime”, afirma ela, cuja fam�lia � de Jana�ba, a 130 quil�metros de Montes Claros.
Ex-garota de programa, ela cumpre condena��o de 20 anos em regime fechado. Inicialmente, ficou presa seis anos nas cadeias de Itabira (onde o crime foi cometido) e de Rio Piracicaba, no Vale do A�o. Nessa �ltima, conta, recebeu a visita da m�e uma �nica vez. “Vim para c� exatamente para ficar mais perto da minha fam�lia”, diz a mulher, que garante ter sido “envolvida no crime”, de forma alheia � sua vontade. “O problema foi que entrei em um carro com um cara que chamou a gente para tomar cerveja. O dono do carro tinha sido morto momentos antes”, afirma. Em Montes Claros, o �nico consolo � a permiss�o para, uma vez por m�s, telefonar para um parente, com acompanhamento do Servi�o de Assist�ncia Social. “Fico muito feliz de pelo menos ouvir a voz de algu�m da fam�lia.”
Acorrentadas
Desde domingo o Estado de Minas publica a s�rie “Elas na cadeia”, que retrata o drama de mulheres que cumprem pena nos pres�dios de Minas. A primeira reportagem tra�ou o perfil das detentas , seus medos, culpas e solid�o que n�o aparecem nas senten�as, al�m do abandono dos companheiros e at� dos pais. Ontem, o EM registrou a dor das m�es que o crime separou dos filhos e das que t�m de cri�-los atr�s das grades, submetidos a uma pena para a qual n�o foram condenados.
Abandono
O O abandono sofrido pelas presas est� ligado � pr�pria condi��o feminina na sociedade, que ainda atribui � mulher a fun��o de cuidar do lar. A opini�o � do soci�logo Vinicius Couto, do Centro de Estudos de Criminalidade e Seguran�a P�blica da UFMG. “A mulher � o eixo da fam�lia, vista como quem tem obriga��o de ficar em casa, enquanto o homem � ‘feito’ para a rua, para o mundo. Ent�o, quando ela � presa, para o marido � mais f�cil livrar-se do elo familiar e procurar outra rela��o”, afirma.
Da cela para a medicina
Luciene Guimar�es tem 23 anos. Maior que a idade � sua pena: 26 anos de reclus�o por coautoria em um latroc�nio. No pres�dio de Montes Claros, � outra a sofrer com a falta de visitas dos familiares, que moram em Bras�lia de Minas, a 100 quil�metros de dist�ncia. Em quase quatro anos, foram raras as vezes que recebeu algu�m. “No dia da visita, quando a agente (penitenci�ria) chega e anuncia que algu�m veio me ver, fico at� surpresa”, confessa. Luciene s� recebe visitas de uma irm�, mas faz mais de dois meses que ela n�o aparece. “Antes, eu sempre esperava algu�m. Agora n�o espero mais”, afirma a mulher, que reconhece as dificuldades da fam�lia.
A saudade maior � do �nico filho, Pl�nio, de 7 anos, que mora com a av�. Desde que foi detida, s� o viu uma vez. A dor de m�e, Luciene procura compensar dedicando-se aos estudos. Tenta us�-los para retomar a cidadania e um sonho de crian�a: quer ser m�dica. N�o qualquer m�dica: oncologista. Quer salvar crian�as, como o irm�o de 5 anos, que viu morrer v�tima de leucemia. Quando foi presa, tinha parado de estudar na sexta s�rie. Na cadeia concluiu o supletivo do ensino fundamental e conseguiu o diploma do ensino m�dio. Agora, al�m de trabalhar na oficina de artesanato, dedica maior tempo � leitura de livros de biologia e qu�mica. “O sonho de fazer medicina eu tinha desde crian�a e achei que tinha morrido, mas, na verdade, estava apenas adormecido.” Pelos c�lculos dela, em quatro anos, com a progress�o de pena, deve passar para o regime semiaberto e poder� deixar a cadeia para estudar.
A detenta que sonha ser m�dica tem consci�ncia de que vai enfrentar preconceito, mas garante que est� pronta. “Sei que algumas pessoas poder�o virar as costas para mim, mas isso n�o vai fazer diferen�a. Acredito que serei capaz de driblar o preconceito. N�o vou entrar numa universidade para sair matando as pessoas. Quero realmente o melhor para a minha fam�lia, especialmente para o meu filho.”
UNIDAS NO SOFRIMENTO
Apesar da solid�o experimentada pelas detentas que cumprem pena no interior, estar perto de parentes pode n�o ser exatamente um consolo. Que o diga Sheila Rodrigues, de 23 anos. Desde que chegou ao Pres�dio do Alvorada, em Montes Claros, ela tem contato apenas com uma pessoa da fam�lia: a m�e, C�cera, de 58. Mas isso n�o ocorre no momento de visita: m�e e filha est�o presas por tr�fico e dividem a cela. Elas s�o de V�rzea da Palma, a 210 quil�metros de Montes Claros.
Sheila foi presa em 26 de dezembro de 2012. Quarenta e dois dias depois, foi transferida para Montes Claros, diante da falta de unidade feminina em sua cidade. Foi condenada a nove anos e seis meses de reclus�o. De acordo com a pol�cia, a filha assumiu no tr�fico o posto da m�e, que havia sido presa dois anos antes. Ela, por�m, nega a venda de entorpecentes. Alega que quem traficava era o ex-marido, que a abandonou depois que foi levada para a pris�o.
Assim como as demais detentas de outros munic�pios, Sheila reclama que, em mais de um ano na pris�o de Montes Claros, al�m de n�o receber visitas, sofre com a dist�ncia dos quatro filhos, que ficaram com parentes em sua cidade. A dor maior � a saudade do ca�ula, Yago. Ela conta que quando foi presa, amamentava a crian�a, ent�o com 4 meses. “Tive que parar de amamentar. Ele ficou com minha sogra. Depois que vim pra c�, s� recebi fotos do meu filho uma vez”, diz a detenta. Dele, agora pouco sabe: “S� sei que est� com 1 ano e alguma coisa”, afirma.
Sheila disse que seu atual companheiro, Tiago, pai de Yago, que trabalha como vigilante em V�rzea da Palma, ainda n�o a visitou em Montes Claros. Mas ela relata que, uma vez, por m�s, fala com ele pelo telefone, em liga��es limitadas a 10 minutos. Contatos tamb�m s�o mantidos por carta. Apesar da falta de visitas, a mulher assegura que o companheiro nunca deixou de apoi�-la. “Ele sempre manda cartas, dizendo que acredita em mim. Pede para eu mudar de vida e diz que vai me ajudar a ser outra pessoa, a n�o mais mexer com esse ‘trem’ (a droga)”.
Al�m de dividirem a cela, m�e e filha freq�entam aulas da alfabetiza��o de adultos na pris�o. Atualmente, est�o na quarta s�rie do ensino fundamental. Tamb�m trabalham em uma oficina de artesanato. C�cera, a m�e, foi presa em 15 de julho de 2010 por vender drogas na casa simples da fam�lia, em V�rzea da Palma. Alega que entrou no mundo do tr�fico por pobreza e necessidade. Condenada a oito anos e dois meses de pris�o, foi transferida para Montes Claros em dezembro de 2011. Sem visitas, ficou mais de um ano sem ver ningu�m da fam�lia. At� que a filha chegou para tamb�m cumprir pena, em fevereiro do ano passado.