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Estado de Minas

Comunidades relatam em Belo Horizonte viola��o do direito � moradia

Encontro dos Atingidos - Quem Perde com os Megaeventos e Megaempreendimentos acontece termina amanh�


postado em 02/05/2014 08:59 / atualizado em 02/05/2014 09:05

Rosane Cristina Duarte, 42, tinha 2 anos quando foi morar com a fam�lia no bairro Bet�nia, regi�o oeste de Belo Horizonte, cidade que recebe, nesta semana, o Encontro dos Atingidos – Quem Perde com os Megaeventos e Megaempreendimentos. Com o tempo, o terreno dos pais ganhou instala��es e at� outras casas, que abrigaram as fam�lias que ela e o irm�o formaram. Hoje, n�o h� mais registro do que eles constru�ram ali. O local foi ocupado pelo gramado e pelo asfalto da longa pista constru�da recentemente. A fam�lia de Rosane foi uma das 240 desapropriadas da Rua L�tus para a constru��o da Via 2010, um dos projetos de mobilidade urbana criados em Minas Gerais para a Copa do Mundo de 2014.

Para a remo��o das fam�lias, a prefeitura da cidade, por meio da Superintend�ncia de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), enviou peritos que avaliaram os valores dos im�veis. A quantia baixa n�o agradou, e os moradores conseguiram que nova avalia��o fosse feita. Mesmo assim, a quest�o n�o foi resolvida: “Fizemos v�rias reuni�es com a Defensoria P�blica, que informou que a lei diz que voc� tem que sair com o dinheiro em m�os. A indeniza��o tem que ser justa, breve e em dinheiro, mas n�o foi o que ocorreu l�”, relata. De acordo com Rosane, nenhuma das fam�lias saiu com a chave da nova moradia garantida: “Se a gente pudesse escolher, n�o queria sair. Mas, j� que n�o tinha jeito, n�s quer�amos sair com o dinheiro para a gente comprar outro lugar”.

As fam�lias que viviam na L�tus foram surpreendidas com a chegada de oficiais de Justi�a, que davam o prazo de poucas horas para que elas retirassem os pertences das casas e desocupassem o im�vel. “Eles chegavam l� sem avisar, sem nada. Teve gente que precisou p�r tudo na rua porque n�o tinha para onde ir. E quando tirava o �ltimo m�vel de dentro do im�vel, a m�quina colocava tudo no ch�o”, lembra Rosane. A abordagem gerou a��o do Minist�rio P�blico Federal em Minas Gerais que, em maio do ano passado, encaminhou uma recomenda��o � prefeitura de Belo Horizonte pedindo que as remo��es fossem suspensas devido �s irregularidades constatadas � �poca.

O projeto, no entanto, n�o parou. Com as remo��es, muitos moradores buscaram casas de parentes como ref�gio. Outros, como ela, passaram a pagar aluguel. Pela casa pequena localizada dentro de outra resid�ncia, no bairro Barreiro, ela paga, h� quase um ano, R$ 550 mensais. O preju�zo n�o parou a�. Com a mudan�a, Rosane perdeu o emprego de bab�: “Eu cuidava de duas crian�as filhas de amigas, mas cada uma foi morar em um bairro diferente. Como � que eu vou arrumar um emprego de bab� se ningu�m me conhece aqui? Eu fiquei desempregada”.

Ela tamb�m se afastou dos amigos da vizinhan�a, passou a morar, assim como o pai e o irm�o, em um bairro diferente, viu os sobrinhos terem que mudar de escola. “N�o precisava. No lado onde estavam as nossas casas, s� tem grama. N�o foi utilizado para nada”. Para ela, a Copa do Mundo de 2014 significou a paralisa��o da pr�pria vida. Tr�s anos depois de muita ang�stia, Rosane ainda aguarda a libera��o dos R$ 110 mil que deve receber como indeniza��o para comprar um im�vel, que ainda n�o sabe onde ser�.

No caminho para o local em que passou boa parte da vida, j� no bairro Bet�nia, vimos um apartamento � venda. R$ 195 mil � o valor para a compra do im�vel de 48 metros quadrados (m²). “Eu vou ter que financiar e me endividar, porque aqui n�o se acha nada nesse valor [da indeniza��o]”, diz Rosane, que continua fazendo compras, pagando contas e caminhando no bairro onde viveu por d�cadas.

A Via 210 � um dos sete projetos de mobilidade urbana que constam na Matriz de Responsabilidade da Copa, em rela��o ao estado de Minas Gerais. Al�m da via, foram projetadas a instala��o de tr�s BRTs (Bus Rapid Transit), duas amplia��es de avenidas e a expans�o da Central de Controle do Tr�nsito. A equipe da Ag�ncia Brasil entrou em contato com a Sudecap, em Belo Horizonte, mas foi informada de que, por causa do feriado do Dia do Trabalho, as a��es da secretaria s� devem ser retomadas na pr�xima segunda-feira (5).

De acordo com o Portal da Transpar�ncia, o projeto custou R$ 130,3 milh�es, recursos de responsabilidade do governo de Minas Gerais e da prefeitura de Belo Horizonte, financiados pela Caixa Econ�mica Federal (CEF). Para as desapropria��es, que ocorreram entre maio de 2010 e dezembro de 2013, foram destinados R$ 22,8 milh�es desse total.

O projeto teve o objetivo de conectar “duas vias arteriais de grande capacidade e abrang�ncia metropolitana (Via do Min�rio e Avenida Teresa Cristina), que hoje s�o ligadas por meio do sistema local dos bairros adjacentes, o que compromete a fluidez do tr�fego de ve�culos naquela regi�o do Anel Rodovi�rio”, conforme consta no Portal da Transpar�ncia. Outra interven��o prevista para essa �rea do Anel Rodovi�rio � um projeto de amplia��o e moderniza��o, em volta do qual existe, desde 1981, a comunidade Vila da Paz, considerada pela Defensoria P�blica “a que est� na situa��o de maior risco e que convive com maior insalubridade, em todo o anel”, de acordo com o defensor p�blico federal Estev�o Ferreira Couto. Ele diz que a interven��o foi anunciada inicialmente como parte dos projetos da Copa, mas os atrasos na obra inviabilizaram a conclus�o a tempo do Mundial.

A equipe da Ag�ncia Brasil visitou a Vila da Paz e viu a situa��o de extrema pobreza em que vivem as fam�lias, que se distribuem entre �reas elevadas e a que fica debaixo de um viaduto. N�o h� saneamento b�sico no local. As instala��es que garantem �gua e luz el�trica – inexistentes em muitas das casas – foram improvisadas pelos pr�prios moradores. Ao contr�rio dos que moravam no bairro Bet�nia, os da Vila da Paz querem sair da �rea h� anos, mas ficaram ali, em meio aos carros, insetos e animais com os quais dividem espa�o.

O concreto do viaduto � o teto da casa de Gleide Parecida, 39. Ela, o marido, quatro filhos e dois cachorros vivem entre paredes feitas de pneus e sacos de gr�os de areia que escorrem de um dos pilares que sustentam o viaduto. “Eu quero sair daqui, quero seguran�a, porque h� 15 anos eu n�o durmo, eu s� cochilo de tanto medo”, relata. “A situa��o aqui todo mundo sabe qual �, estamos cansados de fazer cadastros, n�s queremos outro lugar para morar”, afirma Luciene Martins, 32.

A insalubridade do local coloca em risco a vida de centenas de pessoas, todos os dias. Nos �ltimos anos, inc�ndios destru�ram algumas das moradias, levando fam�lias a locais mais �ngremes e sem estrutura alguma. � o caso de Cassimara Pereira, 25, que fez de um barranco sob o viaduto a moradia dela e dos filhos de 6, 7 e 10 anos. Ela conta que havia sa�do de casa para regularizar o cadastro para receber o Bolsa Fam�lia no dia 25 de fevereiro, quando o �ltimo inc�ndio registrado na vila ocorreu. Na volta, pegou as crian�as na escola e foi para casa. Quando chegou l�, viu os restos do barraco chamuscados pelo fogo. Tudo o que tem hoje foi doado pelos outros moradores.

A dificuldade de acesso � moradia na regi�o, que � controlada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (Dnit), n�o � o �nico problema enfrentado pela popula��o. Faltam escolas, postos de sa�de, creches. Os problemas levaram a Defensoria P�blica a propor, juntamente com o Minist�rio P�blico Federal, uma a��o civil p�blica que estabeleceu que nenhuma obra deveria avan�ar sobre as casas, sem que a quest�o da moradia estivesse resolvida.

O defensor Estev�o Ferreira Couto explica que uma liminar deferida na a��o estabeleceu que as fam�lias em situa��o mais prec�ria deveriam receber o Bolsa Aluguel, cujo valor varia entre R$ 500 e R$ 900. “Essa liminar foi uma vit�ria e, com ela, j� conseguimos retirar 11 fam�lias do local, mas n�o queremos apenas uma situa��o provis�ria, queremos uma situa��o definitiva para a moradia dessas pessoas”, acrescenta.

Os locais visitados n�o s�o os �nicos a sofrer problemas desse tipo ou a serem amea�adas de remo��o. � o caso das ocupa��es Wiliam Rosa, em Contagem (MG), que re�ne 5 mil fam�lias, Vit�ria, Rosa Le�o e Esperan�a, localizadas na capital, compostas, ao todo, por 3 mil fam�lias, de acordo com o Comit� Popular dos Atingidos pela Copa de Belo Horizonte. A integrante do comit� Isabela Gon�alves relata que as amea�as foram fortalecidas nos �ltimos meses. Para ela, “essa Copa � um modelo radicalizado de uma cidade que exclui”, concluiu.


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