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Estado de Minas

Crian�as ilhadas no Rio S�o Francisco enfrentam dura jornada para estudar

�ltima reportagem da s�rie sobre a vida no meio do Velho Chico revela a dura jornada de crian�as que s�o a esperan�a de superar o analfabetismo que condenou gera��es


postado em 04/05/2014 00:12 / atualizado em 04/05/2014 07:27

Luiz Ribeiro
Enviado especial


Transporte sai da Ilha da Capivara e vai até Pedras de Maria da Cruz: ponto de embarque depende do rio(foto: Luiz Ribeiro/DA Press,)
Transporte sai da Ilha da Capivara e vai at� Pedras de Maria da Cruz: ponto de embarque depende do rio (foto: Luiz Ribeiro/DA Press,)

Pedras de Maria da Cruz e Manga – Separados do mundo h� cerca de cinco d�cadas, desde seus ancestrais que foram expulsos das margens do Rio S�o Francisco por fazendeiros, privados de energia el�trica e desconhecendo TV ou internet, os moradores das ilhas do Velho Chico podem ter na educa��o a ponte para romper o isolamento que se eterniza por gera��es. Nessas comunidades, o analfabetismo � fato comum entre os adultos, privados do estudo pela dist�ncia da escola. Hoje, os filhos dos ilh�us j� enxergam uma oportunidade para mudar a realidade. Por�m, a tarefa est� longe de ser f�cil. Para chegar � sala de aula os alunos enfrentam uma vida de sacrif�cio, iniciada na caminhada at� a lancha que faz as vezes de escolar. Depois � preciso gastar boa parte do tempo navegando, antes de caminhar novamente at� a escola.


O transporte fluvial, iniciado h� quatro anos, � feito em lanchas fornecidas aos munic�pios ribeirinhos pelo governo federal, por interm�dio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educa��o. A reportagem do Estado de Minas acompanhou a rotina de crian�as das ilhas na jornada at� a escola. A labuta � encarada por estudantes como Vanaick Ferreira Silva, de 13 anos, do s�timo ano do ensino fundamental, da Ilha da Capivara, em Pedras de Maria da Cruz. Ele acorda cedo, toma banho no rio e, por volta das 11h, logo ap�s o almo�o, caminha cerca de 400 metros para esperar a lancha escolarque o levar� at� uma escola p�blica da cidade.

Recentemente, com a redu��o do n�vel do rio, o local de embarque teve que ser mudado. Para chegar at� o ponto, Vanaick e outras crian�as precisam andar no meio do mato. “Tem muito carrapicho, gruda na roupa da gente”, reclama Fab�ola, de 12, irm� de Vanaick, do quinto ano do ensino fundamental. No caminho ainda h� o risco de serem picados por cobras.

A embarca��o, que tem capacidade para 19 alunos, parte por volta do meio-dia e leva aproximadamente 40 minutos para percorrer os cerca de 10 quil�metros at� o desembarque em Pedras de Maria da Cruz. L�, os alunos tem de caminhar  mais at� a escola, onde costumam chegar atrasados para as aulas, que come�am �s 13h. Retornam depois das 17h. “Tem dia que eles atrasam e j� chegam aqui � noite, no escuro”, reclama uma das m�es.

O sacrif�cio, no entanto, n�o desestimula Claudin�ia Pereira Lima, de 12, que est� no sexto ano. “Quero ser m�dica para cuidar das pessoas”, diz ela, integrante de uma fam�lia de seis irm�os, filhos de Neide Pereira Lima, que vive em extrema pobreza, em uma casa de pau a pique. Claudin�ia se refere a algo que � pouco conhecido por seus vizinhos. N�o � f�cil conseguir atendimento m�dico na ilha.

N�o � sempre que os filhos dos moradores das ilhas podem recorrer ao transporte fluvial. Nos dois primeiros meses do ano letivo deste ano, os alunos das ilhas em Pedras de Maria da Cruz ficaram impedidos de ir � escola, pois uma pe�a da lancha escolar do munic�pio quebrou e a prefeitura n�o conseguiu consert�-la a tempo.

“O problema � que precis�vamos comprar uma pe�a para a lancha e n�o tinha fornecedor qualificado na regi�o. Al�m disso, para adquirir qualquer coisa � preciso licita��o”, alega o prefeito da cidade, Sebasti�o Chaves de Medeiros (PTB). “Estamos tentando, junto ao Minist�rio da Educa��o, a libera��o de recursos para comprar um lancha reserva”, acrescentou.

Assim que entram na embarcação, estudantes tiram as mochilas e colocam os coletes salva-vidas(foto: Solon Queiroz/Esp.EM DA Press)
Assim que entram na embarca��o, estudantes tiram as mochilas e colocam os coletes salva-vidas (foto: Solon Queiroz/Esp.EM DA Press)
A rotina do escolar fluvial � comum nas comum para as crian�as que vivem no meio da correnteza do Velho Chico. Por volta das 11h, na Ilha de Pau Preto, munic�pio de Manga, alunos formam fila para entrar na lancha. Navegam por oito quil�metros. O embarque � r�pido. Os estudantes pulam com destreza no transporte, colocam coletes e se acomodam. Mas a agilidade n�o � sin�nimo de facilidade. Domingos Pereira dos Anjos, de 12, que est� no s�timo ano do ensino fundamental, reclama da dificuldade para chegar � escola. “A gente tem que esperar a lancha debaixo do sol quente. Muitas vezes tenho que sair de casa sem almo�ar”, disse o garoto, que sonha em ser policial militar.

Tamb�m em Manga, a Ilha da Ingazeira conta com uma pequena escola, da rede municipal, mas ela oferece ensino somente at� o quinto ano do ensino fundamental. S�o 11 alunos. A institui��o funcionava em um antigo pr�dio constru�do perto do barranco do rio e que foi destru�do por uma enchente em 2010. As aulas, ministradas por uma moradora da ilha, foram transferidas para uma pequena casa, alugada pela prefeitura, em local mais seguro. Mas, como todas as casas dos demais moradores, n�o disp�e sequer de estrutura de saneamento b�sico, como banheiro.

As crian�as e adolescentes que passaram do quinto ano s�o transportados em lancha por nove quil�metros pelo Rio S�o Francisco at� o distrito de Porto Agr�rio, que pertence a Juven�lia. “Os alunos viajam sozinhos com o condutor, sem ningu�m respons�vel pela seguran�a deles”, reclama o lavrador Jos� Carlos Nunes, que mora na ilha.

A secret�ria de Educa��o de Manga, Eneida Mendes, foi procurada, mas, informada sobre a reclama��o dos moradores da Ilha da Ingazeira, disse que iria apurar a situa��o. Segundo o Minist�rio da Educa��o, 10 munic�pios ribeirinhos de Minas receberam 14 lanchas usadas no transporte. O MEC informou que repassa recursos espec�ficos para custear esse tipo de transporte, por interm�dio do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar, mas n�o revelou o montante dos recursos.

 

Brincadeira de antigamente

O franc�s Jean Jaques Rosseau, na teoria do “bom selvagem”, que surgiu no s�culo 18, diz que “o homem por natureza � bom” – ou seja, nasce puro e a maldade vem da sociedade. Essa “pureza” citada pelo pensador franc�s pode ser verificada nas crian�as das ilhas do S�o Francisco, com quase nenhum contato com o “mundo da terra firme”.

Elas carregam um primitivismo pueril, n�o conhecem brinquedos modernos, como jogos eletr�nicos ou telefone celular, mas s�o felizes com as brincadeiras que inventam e n�o se importam com os riscos aos quais est�o expostas, como cobras venenosas. As serpentes s�o comuns nas ilhas, principalmente por causa de seus h�bitos alimentares. No local h� muitos ca�otes, como � chamada uma esp�cie de sapo comum em �reas alagadas da regi�o, alimento para as cobras.

“De vez em quando, a gente t� dormindo � noite e aparece cobra debaixo da cama”, diz Claudin�ia, de 12 anos, sem demonstrar medo. Na mesma ilha est�o os irm�os W�tila, de 6 anos, e Clayton, de 5, sempre com um sorriso no rosto. O motivo da alegria � o cavalo de pau, brincadeira infantil que vem de �pocas passadas. W�tila estava montada em Pica-pau, enquanto o irm�o se divertia no brinquedo que chama de Pastorinho. As crian�as da ilha tamb�m se divertem com outras brincadeiras, como esconde-esconde, bater lata e gostam de simular que est�o dirigindo um barquinho a motor.

A Bahia � logo ali

A Ilha da Ingazeira, em Manga, � a ilha do S�o Francisco mais habitada, com 32 fam�lias, todas remanescentes de quilombos. Os moradores est�o em Minas, mas fazem compras, recebem pagamentos de aposentadorias e procuram atendimento m�dico no estado vizinho, na Bahia.

De Manga at� a ilha � preciso navegar 45 quil�metros pelo rio em um barco movido por um pequeno motor (rabeta), com velocidade m�dia de 8 km/h. � um caminho lento. Por terra, s�o 70 quil�metros entre a sede do munic�pio e o lugar em terra firme onde pode ser feita a travessia de um bra�o do rio para chegar at� a ilha. Para chegar ao local por terra � preciso encarar atalhos em trechos vicinais malconservados, que ficam intransit�veis durante o per�odo chuvoso.

A ilha fica na divisa de Minas com a Bahia. Por isso, os moradores preferem fazem compras nos munic�pios baianos de Malhada (17,4 mil habitantes) e Carinhanha (28,7 mil habitantes), que ficam mais perto do que Manga: a primeira a 10 quil�metros e a segunda a 15 quil�metros de dist�ncia. O presidente da Associa��o dos Remanescentes Quilombolas da Ilha da Ingazeira, Celino Leris de Oliveira, diz que, quando precisam comprar algum mantimento, os moradores v�o at� Malhada, deslocando-se de rabeta. A maior dificuldade � conseguir atendimento m�dico. “A gente tem que viajar at� Carinhanha, que � um lugar mais desenvolvido. Mas � muito demorado”, diz. Os habitantes tamb�m usam sinal de telefonia celular da Bahia. “� o �nico jeito de a gente se comunicar e buscar algum recurso”, diz Jo�o Batista Pereira, de 60.

Celino lamenta a m� qualidade das moradias, com paredes de pau a pique, cujas frestas servem de esconderijos para o barbeiro transmissor da doen�a de Chagas. “O pior � que a Sucam nem vem mais aqui”, critica o ilh�u, fazendo refer�ncia � atual Funda��o Nacional de Sa�de (FNS), substituta do �rg�o que combatia os vetores de doen�as e endemias na zona rural. Celino reclama tamb�m da falta de saneamento b�sico. “A gente � obrigado a beber a �gua do Rio S�o Francisco, sem nenhum tratamento. E o rio recebe esgoto e lixo”, descreve.

Os moradores da Ingazeira retiram o sustento do cultivo de pequenas lavouras de milho e feij�o. “Mas, com a seca deste ano n�o colhemos nada”, conta Amauri Nunes da Concei��o, de 27, que vive numa moradia simples de tr�s c�modos, de parede de enchimento e de ch�o batido.


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