
Todo o material coletado nas escava��es do s�tio arqueol�gico Lapa do Santo, em Matozinhos, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, � enviado para os Estados Unidos para an�lise. J� o DNA nos ossos � feito na Alemanha. � poss�vel saber, inclusive, se as pessoas que viveram h� 10,8 mil anos usavam plantas medicinais e saber outros costumes da �poca.
A terra retirada das escava��es � peneirada por um bi�logo marinho em uma �rea externa. Entre o material arqueol�gico, est�o v�rias conchas, que comprovam que a regi�o j� esteve no fundo o mar. “Encontramos carv�o e ossos dos animais que os povos antigos consumiam, como veados e porcos-do-mato. Tudo � guardado”, informou o antrop�logo paulista Andr� Strauss, coordenador dos trabalhos em Matozinhos.
O antrop�logo e cirurgi�o dentista Rodrigo Elias Oliveira � um dos principais exumadores de sepultamentos arqueol�gicos do mundo e percebe at� “bico de papagaio” nos esqueletos. A mand�bula da ossada encontrada h� algumas semanas mostra que a mulher perdeu os dentes ainda em vida, indica o pesquisador. “H� reabsor��o �ssea, o que tamb�m � sugestivo de idade”, afirmou.
O pesquisador Andersen Liryo, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coletava ontem sedimentos da cavidade abdominal e regi�o p�lvica dos esqueletos para an�lises paleoparasitol�gicas, trabalho feito por dois pesquisadores da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde tamb�m s�o feitos exames de DNA.

“� como se fosse um exame de fezes nos ossos de uma pessoa que viveu h� milhares de anos. N�o encontramos fezes preservadas. Elas se desfazem, mas parte dos ovos deles acabam sendo preservados”, disse Andersen. “� poss�vel saber o tipo de alimentos e at� com que animais mantinham contatos. Alguns parasitas t�m, em seu ciclo de evolu��o, que passar obrigatoriamente por outros animais, n�o s� pelo humano e pela terra”, afirma o pesquisador. Um dos resultados anteriores detectou presen�a de um ovo de ascaris lumbricoides, mas h� suspeita de contamina��o da �rea de pesquisa, que j� foi usada como curral no passado.
Todo o esqueleto � remontado em laborat�rio. Rodrigo j� remontou um cr�nio encontrado fragmentado em mais de 50 pe�as. Juntou tudo como um quebra-cabe�a, trabalho que pode demorar at� seis meses.
O cr�nio da mulher idosa foi retirado ontem tamb�m estava fragmentado e ser� refeito por Rodrigo. Sobre ele estava o joelho do homem, e a m�o dela ficava sobre o joelho dele. Como era costume da �poca colocar blocos de pedra sobre os corpos, segundo os pesquisadores, o cr�nio feminino foi pressionado e quebrou. “Talvez eles usassem as pedras como uma esp�cie de l�pide ou para evidenciar onde estavam sepultados”, acredita Andr�.
PROFUNDIDADE Os dois esqueletos foram encontrados a mais de um metro de profundidade. Os pesquisadores ficam atentos onde pisam para n�o causar desmoronamento das bordas das escava��es. Quanto mais profunda a descoberta, mais antiga � a hist�ria. “� como se a gente fatiasse um bolo para estudar as suas camadas de terra. Estudamos a data��o dos carv�es e a profundidade do sepultamento. Tudo � importante para saber a idade dos esqueletos”, afirma Rodrigo Oliveira.
Os pesquisadores usam pinc�is para retirar a terra do entorno dos esqueletos. A delicadeza � a mesma de um pintor retocando sua tela, e aos poucos vai revelando um passado de milhares de anos. Essa etapa da escava��o levou 14 semanas. Foram descobertos 12 esqueletos em um espa�o de 12 metros quadrados. Andr� acredita que existam sepultamentos mais profundos. Sua expectativa � chegar a esqueletos pleistoc�nicos, acima de 12 mil anos, ou seja, antepassados de “Luzia”. Em uma pedra no ch�o do abrigo, pr�ximo ao local da escava��o, foram achadas v�rias gravuras semelhantes ao que chamam de “taradinho”, um desenho encontrado na Lapa do Santo, em 2009, e que ganhou esse nome pelo falo avantajado.
Caverna � um tesouro arqueol�gico
Desde 2001, pelo menos 100 pessoas, entre pesquisadores e leigos, visitaram a Lapa do Santo, que fica em uma �rea de preserva��o ambiental (APA) dentro de uma propriedade particular. O acesso � controlado pelo dono da fazenda e � preciso da permiss�o para entrar. Ele prefere manter segredo do tesouro arqueol�gico em suas terras para garantir o sossego. No grupo de visitantes, existem estudiosos do mundo inteiro. De vez em quando, Andr� Strauss leva moradores da regi�o e faz palestras no local para inform�-los sobre o que vem sendo achado e a import�ncia dessas descobertas para a hist�ria da humanidade.
A entrada da caverna lembra uma catedral foi esculpida pelo tempo. Um ambiente sagrado para a ci�ncia em rochas formadas h� 600 milh�es de anos. O nome Lapa do Santo vem de um dos espeleotemas, que s�o forma��es rochosas que pendem do teto da caverna e que tem o aspecto demon�aco, o “tinhoso”, como preferem dizer. “Demos o nome Lapa do Santo ao s�tio para neutralizar a influ�ncia maligna do tinhoso”, brinca Strauss.
Agora, depois de 14 semanas de escava��o, os pesquisadores arrumam as malas e se preparam para voltar para casa no pr�ximo s�bado. Antes, devolvem a terra para o buraco da escava��o. Fica tudo preservado para a pr�xima etapa do trabalho, que s� deve ocorrer em 2016.
LINHA DO TEMPO
Descobertas arqueol�gicas come�aram em minas na primeira metade do s�culo 19
1801
Nasce em Copenhague, na Dinamarca, Peter W. Lund, que viveu 46 anos na regi�o de Lagoa Santa e � considerado o pai da paleontologia, arqueologia e espeleologia brasileiras
1832
Lund faz as primeiras descobertas de f�sseis em cavernas e abrigos de Lagoa Santa
1845
O cientista envia ao rei da Dinamarca a cole��o de f�sseis encontrados na regi�o de Lagoa Santa
1880
Lund morre em Lagoa Santa
D�cada de 1950
Pesquisadores da Academia Mineira de Ci�ncias e do Museu Nacional do Rio de Janeiro retomam as escava��es na regi�o
1974
Miss�o franco-brasileira, chefiada por Annette Laming Emperaire (1917-1977), faz escava��es at� 1976 em Lagoa Santa
1975
Annette Laming encontra na Lapa Vermelha IV o cr�nio de Luzia, o f�ssil humano mais antigo com data��o no Brasil
1998
Antrop�logo Walter Neves, da Universidade de S�o Paulo, estuda e data em 11,4 mil anos o cr�nio de Luzia
2010
Em maio, governos de Minas e Dinamarca fecham acordo para cess�o, em comodato, de 300 f�sseis para exposi��o permanente em Lagoa Santa