
O medo de descobrir que as doces palavras do Don Juan virtual podem ser uma farsa tamb�m faz com que as mulheres resistam antes de procurar a pol�cia. “O n�mero de v�timas pode ser maior do que os casos que recebemos, porque elas se sentem envergonhadas. Algumas n�o contam nem mesmo para a fam�lia”, explica a delegada titular da 1ª Delegacia de Crimes Cibern�ticos, Paloma Kairala. V�tima de um golpe no ano passado, quando perdeu R$ 56,5 mil, a dona de casa S., de 52 anos, diz n�o acreditar que caiu na hist�ria contada pelo falso engenheiro civil norte-americano James, com o qual chegou a se casar pela internet em menos de dois meses de relacionamento. A d�vida, que hoje chega a R$ 90 mil, perturba o sono e ela se viu obrigada a p�r o apartamento � venda para pagar o d�bito.
“Ele me enviou um convite pelo Skype, come�amos a conversar e a namorar. Ele dizia que queria um novo amor, uma companheira para dividir um lar e que viria morar no Brasil. Eu s� queria ser amada, queria ter algu�m”, conta, ressentida. Nos momentos �ntimos do casal, mantidos sempre pelo meio virtual, James prometia amor e afirmava que o que mais queria era estar ao lado dela. Ele chegou a apresentar a S. uma filha, Emily, de 20 anos, da qual ela ficou amiga.
Os problemas come�aram com os primeiros pedidos de transfer�ncia banc�ria. Segundo a mulher, James disse que participaria de uma concorr�ncia para construir 60 pr�dios no Peru, para onde viajou. De l�, recorri a S. para pagar a emiss�o e o envio de um documento muito importante para o processo. Foi o primeiro dos muitos dep�sitos feitos por ela. Em seguida, o golpista e a falsa filha inventaram dramas envolvendo doen�a, acidentes de carro, coma, falta de dinheiro para pagar di�rias de hotel e alimenta��o.
“Ele me disse que estava passando fome no Peru e que n�o tinha como voltar para os EUA. Me pedia para salvar a vida da filha, que tinha ido para um safari na �frica e se acidentou. Um m�dico de Gana come�ou a entrar em contato comigo e pedir dinheiro para o tratamento da garota. Eu a tinha como filha e fiz de tudo para salv�-la”, lembra. Todas as despesas seriam pagas com dinheiro de uma heran�a de James, como ele lhe informou. “Mas a mala, enviada por um diplomata da Inglaterra, havia ficado presa na alf�ndega no Brasil. Tive que pagar v�rias taxas para liber�-la. Era tudo uma farsa”, conta.
DOR
A partir das hist�rias mirabolantes, S. come�ou a entrar numa roda viva de preju�zo e dor. “Peguei dinheiro emprestado onde pude para ajud�-lo. No banco, nas lojas de departamento onde eu tinha cr�dito, com agiotas, vizinhos e parentes. Minha irm� e meu afilhado me alertaram que era golpe, mas eu n�o acreditava. Estava me sentindo amada. N�o fazia aquilo pelo dinheiro, mas pelo sonho de se sentir querida, ter algu�m para me perguntar como foi meu dia, para dormir abra�ada, e ele se aproveitou disso”.
S. conta que o golpista n�o roubou apenas o dinheiro. “Ele roubou meus sonhos. Hoje vivo um pesadelo. Envelheci. Minha pele est� envelhecida, meus cabelos ficaram brancos. Engordei e n�o estou me arrumando.” Um dos maiores dramas que S. ainda vive � a rejei��o do pai. “Peguei R$ 7 mil com meu pai e depois o ouvi me chamar de pilantra, parou de me atender ao telefone. Todos acreditaram em mim e eu decepcionei todos”, afirma, aos prantos. Para ela., fica a certeza de que antes de se relacionar com algu�m na internet � preciso ter cuidado: “Fiquei cega, n�o fiz nenhuma busca na internet, nada. Hoje sei que n�o se pode acreditar em algu�m assim”. O desespero chegou ao extremo quando S., sem dinheiro e com as todas as contas atrasadas, come�ou a passar fome. Orientada pela fam�lia, ela procurou a pol�cia.
Sem solu��o
O caso � investigado pela Pol�cia Civil. Um morador de BH chegou a ser rastreado, mas nem ele nem os comparsas estrangeiros foram presos. Em todo o estado, s�o apenas duas delegacias especializadas em crimes cibern�ticos, ambas na capital. Os crimes no interior s�o apurados nas delegacias de �rea. Em BH, os processos se acumulam em pilhas nas salas de dois delegados.
Especialista em direito virtual, o advogado Alexandre Atheniense diz que a legisla��o evoluiu para punir crimes na rede, depois da aprova��o do Marco Civil, que prev�, entre outras medidas, que a v�tima solicite diretamente ao provedor a retirada de conte�do difamat�rio.
Um falso militar sedutor
Foi por pouco que L., de 51, n�o caiu no conto do vig�rio virtual. O falso militar norte-americano Jefferey Willian, como se apresentou, surgiu na vida dela h� dois meses, tempo suficiente para tentar les�-la com pedido de dep�sitos em contas banc�rias no exterior. A aproxima��o surgiu em um site de conversas. “Ele se mostrou um homem carinhoso, honesto e bem formado. Disse que era vi�vo e que tinha um filho de 5 anos, que estava indo servir na guerra da S�ria, mas que quando voltasse queria vir ao Brasil para ficar comigo”, lembra.
O golpe come�ou a tomar forma quando Jefferey perguntou sobre o patrim�nio de L., divorciada h� 17 anos, que mora com os dois filhos no Bairro S�o Marcos, na Regi�o Nordeste de BH: “Ele passou a perguntar se eu morava em casa ou apartamento, se era meu ou alugado, quanto valia”. Ela, ent�o, estranhou. O homem chegou a enviar uma foto falsa dele e do filho. Dizia o tempo todo pelas mensagens na internet que precisava de L. para ajudar a criar o menino.
“H� tr�s semanas, resolvi pesquisar o nome dele na internet e tudo foi desvendado. Foi um grande susto, porque descobri que aquele homem rom�ntico fazia parte de uma m�fia nigeriana que aplica golpes em mulheres no mundo inteiro”, conta, decepcionada. Contra os scrammers, como s�o chamados, j� haviam den�ncias de transfer�ncias vultosas e de muito preju�zo. “Para mim, foi um al�vio, mas confesso que o processo � muito sedutor. Gra�as a Deus, descobri tudo antes.”
PALAVRA DE ESPECIALISTA:
Roberto Chateaubriand domingues, Psic�logo e presidente do Conselho regional de psicologia
Depend�ncia emocional
O que diz se uma mulher ser� ou n�o v�tima � a fragilidade dela, o quanto ela se entrega e acredita em hist�rias fantasiosas para se sentir desejada. As quest�es de g�nero no Brasil estabelecem uma hierarquia que coloca a mulher em um papel emocionalmente dependente do homem, algo que precisa ser enfrentado. Outro motivo � a constru��o subjetiva da mulher que, quando madura, passa a acreditar que est� fora do mercado, que n�o � desejada, que est� fora dos padr�es de beleza. Essa mulher cria uma fantasia de que a vida se encerrou e fica cada vez mais suscept�vel a cair em meia d�zia de palavras rom�nticas. � como se esse homem a trouxesse de volta � juventude e ela faz tudo para manter essa situa��o, inclusive se desfaz de seu patrim�nio e se endivida. E se j� era uma mulher fragilizada, ao descobrir o golpe ela vai ao ‘subsolo’. Muitas caem em depress�o. Apesar dos casos individuais, a solu��o para esse tipo de comportamento � coletiva e passa pela valoriza��o pessoal.
CUIDADO
Dicas para evitar ser v�tima de crimes na internet
Pesquise sobre a pessoa com que est� mantendo contato. Uma simples busca no Google pode revelar se ela est� envolvida em crimes
Nunca revele dados pessoais a algu�m que voc� n�o conhe�a nem confie, como endere�o e dados banc�rios
N�o se deixe levar por hist�rias dram�ticas que resultem em pedidos de dep�sitos banc�rios
Compartilhe com um familiar ou amigo que est� se relacionando com algu�m na internet
Se for marcar encontros, prefira sempre locais p�blicos e, de prefer�ncia, leve um acompanhante
N�o aceite que a pessoa v� te buscar em casa, nem d� carona na volta
N�o envie fotos �ntimas a pessoas desconhecidas, porque o material pode ser publicado na rede e causar s�rios danos
Se for a festas marcadas por desconhecidos pela internet, leve acompanhantes e n�o aceite caronas na volta pra casa
Fonte: Pol�cia Civil de Minas Gerais