
O lazer para as crian�as se resume a dois computadores com acesso � internet no estreito corredor de acesso a dois banheiros e ao refeit�rio. Para os adultos, fora o televisor instalado na parede, h� pratos, talheres e refei��es em tr�s turnos. O lugar � bonito e funcional. Mas n�o � um lar, � um hotel – edif�cio de 16 andares e 170 apartamentos pensados para estada tempor�ria, que hoje � moradia para cerca de 60 pessoas de 17 fam�lias. Localizado no Bairro S�o Crist�v�o, Regi�o Nordeste de Belo Horizonte, o pr�dio abriga desde 27 de julho moradores dos residenciais Antares e Savana – vizinhos do que sobrou do Viaduto Batalha dos Guararapes, na Avenida Pedro I, na Regi�o de Venda Nova.
O clima entre as fam�lias � de incerteza. Ontem, o prefeito da capital, Marcio Lacerda, informou que n�o h� prazo para a demoli��o da parte do elevado que permanece de p�. Quarenta e seis dias depois da queda da al�a sul, que matou duas pessoas e feriu outras 23, paz e bem-estar ainda s�o artigos raros para muita gente atingida pela trag�dia em plena Copa do Mundo. A transfer�ncia das fam�lias dos tr�s blocos mais pr�ximos � al�a norte, que permanece escorada, foi adotada como medida de seguran�a, segundo a Defesa Civil, em acordo firmado entre a Prefeitura de BH, Minist�rio P�blico e Construtora Cowan. Al�m da acomoda��o no hotel, o pacto prev� alimenta��o, servi�os de lavanderia, transporte escolar para as crian�as e, agora – depois da revolta de alguns –, espa�o apropriado para animais dom�sticos afastados de seus donos.
Apesar da estrutura oferecida, Luis Fabian, de 34 anos, n�o aguentou a vida no hotel. Foram tr�s dias longe de casa desde que recebeu a informa��o de que, para a seguran�a de sua fam�lia, deveria deixar o apartamento comprado na planta em 2002 – endere�o em que viu nascer e crescer os filhos de 10 e 5 anos. Ele revela que viu at� o casamento ser abalado, consequ�ncia da sensibilidade da fam�lia � flor da pele. “Atravessamos uma fase em que tudo estava insuport�vel”, diz.
Numa noite em que o supervisor de log�stica deixou o hotel com os filhos para alimentar os animais de estima��o que ficaram no apartamento, ele ouviu o apelo da filha: “N�o vamos voltar para o hotel n�o, papai”. Ele e a mulher n�o deram conta de ignorar o pedido. Contudo, o cora��o de pai e marido ainda vive apertado: “N�o temos a menor garantia quanto � seguran�a do pr�dio”, diz, apontando a janela de onde, antes do viaduto, se enxergava “uma �rvore cheia de passarinhos”. Hoje, puro concreto.
Luis Fabian tamb�m se mostra revoltado com as mudan�as no tr�nsito em frente aos residenciais, na Rua Doutor �lvaro Camargos, no Bairro S�o Jo�o Batista. “A �ltima mudan�a agora, pouco antes do feriado, foi da noite para o dia. Sem uma faixa, um aviso, sem a menor satisfa��o. � muita falta de respeito e aten��o com a gente”, reclama. A queixa � refor�ada por Nely Miranda, de 55, e Carolina Miranda, de 19. Moradoras do Antares, m�e e filha lamentam o caos na �rea. “Ficou muito perigoso atravessar a rua, andar a p�. Preocupada com o fluxo de ve�culos, a BHTrans se esqueceu dos pedestres”, diz Carolina.
Distante da Regi�o de Venda Nova, no Bairro S�o Crist�v�o, no hotel contratado, a atmosfera n�o � muito diferente para alguns dos abrigados. Uma moradora, que pede para n�o se identificar, fala, por telefone, da depress�o e de rem�dios para dar conta da vida no quarto impessoal, “olhando para as paredes”. “O pior � n�o saber quando e como a gente vai poder voltar para casa”, desabafa.
No andar t�rreo do hotel, duas crian�as brincam com games nos computadores. O casal sem muito assunto mant�m os olhos na TV, tentando se entreter com a programa��o de domingo. Por fim, comenta sobre reuni�o no Residencial Savana e a manifesta��o de moradores e comerciantes do entorno da Avenida Pedro I, marcada para hoje, �s 6h, na barragem da Lagoa da Pampulha. Pai, m�e e dois filhos pequenos, moradores do Antares, tamb�m veem o tempo passar no refeit�rio, em fim do hor�rio do almo�o. Comida de bom tempero, sem grandes destaques: macarr�o, salada, arroz, feij�o e duas op��es de carne: boi e frango.
Da janela de parte dos quartos, avista-se a cracol�ndia do outro lado da Avenida Ant�nio Carlos. Embaixo, na Rua Amadeu Quaglia, o vazio da tarde de fim de semana. Pracinha por ali, s� a dos m�dicos, em frente ao Hospital Belo Horizonte. Pouco a pouco chegam ao hotel alguns abrigados que passaram o dia na casa de amigos e parentes.
Entre eles est�o Natanael Arley, de 37, com a mulher, �rika, de 34. O casal, feliz com a chegada do beb� Thalles, de 4 meses, n�o reclama. Natanael entende que, para a preservar a sa�de mental diante do desgosto com o im�vel que tanto sonhou, “� preciso manter o equilibrio”. Sentimento dividido pela mulher. “Apesar de todo o transtorno, a gente precisa ter calma e paz para seguir adiante. N�o � f�cil. Mas � necess�rio”, diz Natanael.

Saudade Com a mudan�a radical na rotina, o representante comercial sente falta das particularidades de casa: do apartamento de dois quartos, com cerca de 60 metros quadrados, decorado com gosto para a vida em fam�lia; da comida sem hora marcada; dos livros e discos; das miudezas que ele n�o pode levar para os pouco mais de 16 metros quadrados do quarto de hotel. �rika sente falta dos detalhes, das “coisinhas” de mulher.
No quarto do casal, a cama e o ber�o de Thalles tomam conta de quase tudo. No canto, sobra espa�o para um arm�rio com meia d�zia de cabides e um aparador junto � janela que mal d� para um computador. Ainda assim, o casal sorri. Juntos, Thalles e �rika n�o querem pessimismo ou sentimento de derrota que abale a alegria do beb�, presente maior da uni�o.
Mas, para quem est� longe de casa, o tempo se arrasta e a noite � longa. Pela manh�, no caf� da manh� de op��es razo�veis, o clima � de pens�o dividida entre conhecidos. “Ois” e “ol�s” de bom-dia de quem h� tr�s semanas teve a rotina virada ao avesso e perdeu o ch�o de casa. A m�e leva o beb� para pegar o sol t�mido vindo da janela lateral. O pai de semblante fechado desce o elevador com a bolsa pesada da filha. A vida tem que continuar, mesmo que o futuro de cada fam�lia ainda seja um ponto de interroga��o.
ESTRUTURAS ABALADAS
A cronologia do drama dos moradores da Pedro I
Em 3 de julho, a al�a sul do Viaduto Batalha dos Guararapes desabou sobre a Avenida Pedro I, matando a motorista de um �nibus e o condutor de um carro e deixando 23 feridos. Im�veis dos residenciais Antares e Savana, vizinhos ao elevado, tiveram estruturas abaladas.
Tr�s dias depois da queda, o Tribunal de Justi�a embargou o in�cio da demoli��o da estrutura de concreto. Em 7 de julho, depois de garantida a preserva��o da �rea para levantamentos da per�cia, o trabalho come�ou.
Moradores dos pr�dios vizinhos conviveram com barulho e poeira por tr�s dias, at� que a Defesa Civil informou que estava conclu�da a demoli��o dos escombros, restando apenas uma parte isolada para an�lises dos peritos. Uma semana depois, enfrentaram novamente os transtornos para remo��o do restante da estrutura. Defesa Civil e t�cnicos da construtora Cowan realizaram vistorias nos apartamentos para avaliar danos causados pela queda e demoli��o do elevado.
Diante da expectativa de libera��o do tr�nsito na Avenida Pedro I em 22 de Julho, t�cnicos da Cowan informam que queda da al�a sul do viaduto foi causada por erro de c�lculo do projeto. Calculistas contratados pela construtura afirmam ainda que a al�a norte, apesar do escoramento realizado, tamb�m corre risco de desabar.
Defesa Civil Municipal decide pela transfer�ncia de fam�lias dos residenciais Antares e Savana, que poderiam ser atingidos pelos escombros em caso de desabamento. Alunos de uma escola vizinha � al�a norte s�o transferidos para o pr�dio de uma faculdade pr�xima.
A necessidade de demoli��o da al�a norte aumenta o drama dos moradores vizinhos e de quem usa a Avenida Pedro I. No dia 11, liminar determinou que a al�a escorada n�o fosse demolida antes do cumprimento de uma s�rie de exig�ncias. Ontem, o prefeito Marcio Lacerda sinalizou que n�o deve recorrer da decis�o judicial.