
O movimento dos �nibus atesta o ponto de chegadas e partidas. Mas n�o � s�. Esta��es do BRT/Move, como a S�o Gabriel, mais do que uma estrutura de transporte p�blico abrigam um mundo de hist�rias. No bairro da Regi�o Nordeste de Belo Horizonte, o maior terminal do sistema � vivo e, ao longo de 24 horas, ganha diferentes fei��es, com os quase 70 mil passageiros que circulam por l� diariamente. O Estado de Minas acompanhou esse vai e vem: um dia e uma noite na esta��o que desde 8 de mar�o � ponto obrigat�rio para quem usa coletivos na capital. Como bem escreveu Milton Nascimento em Encontros e Despedidas, a plataforma � a vida daquele lugar.
O dia come�a cedo para quem �s 6h j� est� na esta��o – de onde partem a cada dia 37 linhas municipais – pronto para ir ao trabalho, � escola ou a outro compromisso nas primeiras horas. Nas catracas, nas escadas, nas plataformas, nos �nibus que partem, muita gente com o passo apressado se ajeita. Mas, em meio ao frenesi, h� espa�o para o afeto. As amigas Daniele Sarah Oliveira e Isabela Maria de Matos, ambas de 15 anos, n�o se encontravam desde dezembro do ano passado. Ao passar pela catraca, se abra�am para matar a saudade. Na mochila, o material escolar e no fone de ouvido as m�sicas prediletas. As duas s�o vizinhos de bairro, mas todos os dias pegam o BRT/Move para estudar. “Meu bairro n�o tem escola de ensino m�dio”, conta Daniele. Mesmo acordando bem cedo, a jovem encontra tempo para se maquiar e garante que passar o delineador, o p�, sombra e batom n�o leva mais que 10 minutos.

Com tantos rostos diferentes h� quem se destaque, como o aposentado Jo�o Capistrano Rosa, de 75. Na bolsa debaixo do bra�o, leva o amigo fiel de todas as horas. Billy n�o se assusta com tanta gente que passa – vestido de verde-amarelo, o pinscher transportado a tiracolo nem late. Talvez por isso embarque sem problemas. Morador do Bairro Nazar�, usa o Move para ir ao Centro, onde vende laranjas. Com seu fiel escudeiro, j� � conhecido de outros passageiros. Antes de seguir viagem, Jo�o costuma protestar diante dos que n�o embarcam mesmo quando ainda h� espa�o no coletivo. “O �nibus vai vazio. � um monte de menino novo, que n�o d� lugar nem se a pessoa tiver 200 anos. Ningu�m pode obrigar ningu�m a entrar, mas o �nibus n�o � para 45 pessoas em p� e 45 sentadas? Falta uma mente boa. S�o s� 15 minutos, � direto. A pessoa segura e j� apeou.”

Mas alguns t�m mais dificuldade entre o subir e o “apear”. Entre os milhares de passageiros, h� quem dependa dos elevadores para chegar �s plataformas, como a aposentada Maria Rita Santos Vieira, de 56, que anda com aux�lio de muletas. Pre�o das duas pr�teses no f�mur, depois de sess�es de radioterapia e de uma osteoporose. Com ajuda do marido S�lvio Ant�nio Vieira, de 59, ela passa pela esta��o lembrando quando tudo come�ou: o romance iniciado quando a m�e dela a deixou ir � missa em Rubim, no Vale do Jequitinhonha. “N�s nos conhecemos em uma pracinha, depois da igreja. Foi complicado, pois minha m�e n�o aceitava.” Ela tinha 12 anos e ele, 14. Dificuldades superadas, o destino os levou at� S�o Gabriel. O destino e a promessa de que, da adolesc�ncia em diante, iriam sustentar um ao outro vida afora.
Como os deles, os milhares de rostos, tipos e hist�rias fazem da esta��o meio de locomo��o e ponto de diversidade. Se de manh� as pessoas est�o apressadas, � noite o tempo parece passar mais devagar. Embora o movimento n�o cesse, o frenesi se reduz. � o tempo de gente como o pintor Elenilson de Oliveira Novais, de 21. Terno cinza abotoado, camisa branca e gravata vermelha comp�em o visual para visitar pela primeira vez a igreja no Bairro Paulo VI. Como mora em Contagem atravessou a capital para ir � Esta��o S�o Gabriel, de onde seguiria para seu destino.

EXPECTATIVAS E DECEP��ES
Principalmente a essa hora, na falta de lojas ou lanchonetes, vendedores ambulantes s�o a salva��o para quem tem fome. Desde que chegou, �s 20h, Jobi Ferreira do Nascimento contabilizou a venda de 60 pacotes de salgadinhos. Diz n�o se preocupar com a fiscaliza��o. “Tenho contas para pagar. Hoje vendi tudo, gra�as a Deus”, afirma. J� s�o quase 22h quando chega a atendente Cristiane Nascimento, de 29. � um dia diferente. O uniforme de trabalho est� guardado na bolsa. Sapato de salto, blusa de seda estampada e uma briga com o marido – tudo para assistir ao filme 50 Tons de Cinza com as amigas. De volta da sess�o, n�o parece certa de que a empreitada valeu a pena. “Esperava mais. Como li os tr�s livros, queria mais detalhes. O filme s� traz a hist�ria de um dos livros.” Resta esperar pelo �nibus.
Mas nem s� de idas e vindas, expectativas e decep��es se faz o cotidiano do maior terminal do BRT. No fim do dia, um susto: uma funcion�ria da Transf�cil, de 23 anos, � socorrida �s pressas pelos atendentes do Samu. Diante da suspeita de um AVC, o servi�o foi solicitado pela Guarda Municipal, passados mais de 30 minutos dos primeiros sintomas. Tanto seguran�as como guardas se queixam de que o supervisor da esta��o postergou o pedido de ajuda. Depois de um primeiro atendimento, a jovem caminha at� a ambul�ncia e segue at� o hospital. Mais uma partida, esta fora da rotina, que como tantas outras deixa nos que ficaram a curiosidade sobre tantos destinos que partem de S�o Gabriel.
SONHOS Barulho de �nibus chegando e sando comp�e a sonoridade da esta��o. � preciso tempo para apurar os ouvidos para sons mais sutis, como o dos passos. Mais tempo ainda para perceber o que vai pela mente de quem passa pela esta��o ou trabalha por l�.
Enquanto libera a passagem para quem vai aos sanit�rios, o pensamento da controladora de acesso Maria Araujo, de 47, viaja longe. Mais precisamente at� os dois filhos. Liniquer, de 28, � gerente de restaurante em Guarapari, no Esp�rito Santo. Wadson, de 24, joga de zagueiro no Gr�mio de An�polis, em Goi�s. “Um empres�rio o tirou do caminho. Levou o Wadson duas vezes para Alemanha e uma para a Pol�nia. Ele jogava na base do Cruzeiro. L� fora, n�o conseguiu negociar o passe”, diz, sobre o mais novo. Divorciada h� 18 anos, ela se orgulha de ter educado os meninos com seu trabalho. “N�o sonho com muito, sonho com o necess�rio. Se fosse preciso fazer tudo de novo, eu faria.” Nas 12 horas que passa sentada em frente aos banheiros da esta��o, ela n�o tira o sorriso do rosto. � atenciosa com todos e confessa que facilita a vida de quem est� apertado diante da fila para comprar ficha.
Confiss�es, ali�s, est�o espalhadas pela esta��o, mas s� pra quem tem tempo e ouvidos para ouvir. No mezanino, Isaac Victor de Oliveira, de 15, e Arthur Henrique Maciel, de 13, suspiram e falam, em tom de segredo, o que os cora��es adolescentes mal conseguem esconder. O motivo da alegria foi a vis�o de Cindy Ellen, de 15. Embora morem no mesmo bairro, eles s� se encontram na Esta��o S�o Gabriel. Quando ela volta do col�gio, eles est�o indo. “Todo dia a gente espera. Ela � linda demais”, diz Arthur. A dupla ganha o dia quando passa pela garota pelas escadas e recebe um “Oi”.
Tamb�m sonhadora, a estudante Jeane Martins, de 17, pensa em trocar as plataformas da esta��o pelas passarelas. De fato, ela chama a aten��o pelo porte e pelas roupas. Ela revela que j� fez testes em uma ag�ncia de modelos, foi aprovada, mas n�o teve dinheiro para o sonho. “O custo era muito alto e, na �poca, eu trabalhava como menor aprendiz. N�o tinha como pagar.” Por enquanto, desfila seu 1,71 metro, esguia, para pegar o Move e encontrar o namorado, Joaquim Gabriel, de 18. Mais um destino dos quase 70 mil que seguem seu caminho gra�as �s encruzilhadas da maior esta��o do BRT da capital.