
Do alto da pedreira, a Igreja de Nossa Senhora do Perp�tuo Socorro e o cruzeiro de madeira no fim da escadaria do cemit�rio aben�oavam o povo fiel de Cachoeira dos Antunes. As lembran�as desse sossegado distrito de menos de mil habitantes, pertencente ao munic�pio de Rio Manso, na Grande BH, sobreviviam somente na mem�ria dos antigos, pois h� 26 anos a popula��o precisou abandonar suas casas para dar lugar �s �guas da barragem que leva o nome da cidade, respons�vel por abastecer 17% dos consumidores de Belo Horizonte. Por�m, a crise h�drica e o in�cio da esta��o seca, que ontem baixaram as �guas do Sistema Paraopeba pela primeira vez desde 5 de fevereiro, trouxeram as ru�nas do lugarejo � tona, despertando muitas saudades e emocionando gente simples, como o lavrador Ant�nio Jos� da Mota, de 72 anos, que visitou ontem o que restou da terra onde enterrou antepassados e criou os filhos, a pedido da equipe do Estado de Minas. “O que teve aqui foi o fim do mundo. Depois que fui embora, achei que n�o ia ver a cidade nunca mais, mas a seca trouxe uma parte de volta”, disse.
O recuo das �guas do reservat�rio de Rio Manso exp�s os alicerces e parte das estruturas de 10 casas, tr�s currais, dois moinhos e parte do que restou do piso da igreja. Da Cachoeira dos Antunes, uma queda d’�gua que tinha 50 metros e de t�o bela batizou o distrito, apareceu apenas a cabeceira, com corredeiras que n�o t�m mais de dois metros de altura. �s ru�nas s� se chega com autoriza��o da Copasa, pois a estrada de terra de cinco quil�metros fica em �rea de preserva��o do represamento, sob responsabilidade da companhia de abastecimento. Todo o distrito foi desapropriado em 1988 para dar espa�o � represa. Quando a estrada chega ao fim, � o lago que aparece primeiro, dominando o fundo da paisagem, mesmo registrando ontem apenas 53,4% de seu volume total.
Mato adentro, perto da margem, aparecem as primeiras estruturas de tijolos, parte das edifica��es mais altas. Estruturas que s�o aos poucos reconhecidas pelo lavrador Ant�nio da Mota. Os canais de tijolos e pedras que traziam �gua de longe, os espa�os de armazenamento de gr�os e os anteparos de sustenta��o de maquin�rios de dois moinhos s�o as estruturas mais preservadas, apesar dos anos sob a �gua. “Esse moinho era do senhor Valdevino. Ao lado, onde s� sobrou o piso, era a casa dele e da fam�lia. Eram seis filhos que ajudavam no engenho, para fazer pinga e rapadura”, lembra.
Mais adiante, outro moinho, este um pouco menos conservado, esconde uma surpresa. Ainda est� na posi��o original o antigo monjolo. A pe�a de madeira de lei funcionava recebendo �gua numa extremidade, que era dotada de um pequeno reservat�rio. Ao encher, essa ponta pesava e erguia a outra. Quando a �gua esvaziava o reservat�rio, a pe�a ca�a novamente e batia em um pil�o, em um processo cont�nuo que servia para moer gr�os e mandioca. “Daqui sa�a muita farinha. Na minha casa, ainda uso pedras dos moinhos antigos, para fazer moagem el�trica, j� que n�o est� tendo mais �gua para tocar. Nunca mais vi um monjolo funcionando”, conta Ant�nio da Mota.
Um dos s�mbolos do distrito, a Igreja de Nossa Senhora do Perp�tuo Socorro, ainda estava desaparecido. Para chegar ao local onde o lavrador identificou como sendo sua poss�vel localiza��o, foi preciso caminhar oito quil�metros pelo mato, contornando o reservat�rio. Mas Ant�nio n�o desanimou. Cada lembran�a que vinha � mem�ria lhe tornava mais determinado. “Aqui tinha uma pedreira. No meio dela, uma escadaria que as pessoas desciam na prociss�o, rezando. A banda seguia na frente. O Cassiano tocava a clarineta e ia primeiro.”
De repente, o lavrador para. O sorriso indica que encontrou algo. Engasgado, s� aponta para os ladrilhos hidr�ulicos, com belos desenhos geom�tricos. � o piso da antiga igreja. “Aqui, vi muita gente se casar, formar fam�lia, batizei meus filhos, velamos os mortos. Os santos foram retirados antes de a �gua cobrir tudo. Levaram para a igreja de Nova Cachoeira, em Rio Manso”, conta. Mais alguns passos e o lavrador encontra a madeira apodrecida do cruzeiro que despontava do alto da pedreira. “Olha, ali. Olha a escadaria ali”, comemorou, por fim, ao encontrar e depois subir os degraus que ningu�m usa h� pelo menos 26 anos. “A �gua subia 10 cent�metros por dia. Muita gente perdeu cria��es, porque n�o deu conta de tirar. O cobre (dinheiro) das indeniza��es, o advogado levou quase tudo. Comprei um s�tio para minha fam�lia em Souza (distrito de Rio Manso), mas o que sobrou o (Plano) Collor levou embora. Agora, posso ir embora mais tranquilo, porque consegui voltar para minha terra uma �ltima vez”, disse.
Veja a emo��o do ex-morador ao visitar o povoado em que criou os filhos