
Nenhuma outra doen�a foi tema de tantas poesias, m�sicas e livros no meio art�stico e liter�rio dos s�culos 19 e 20. “Chamam-na de doen�a, queixa do peito, fininha, seca, t�sica, magrinha, delicada, toda sorte de eufemismos para n�o lhe mencionarem o nome certo. Como se nele houvesse mesmo perigo de cont�gio”, descrevem Jo�o M�ximo e Carlos Didier, bi�grafos do grande sambista carioca Noel Rosa, que morreu aos 26 anos de tuberculose. Pouco tempo antes de partir, em 1937, o autor de Com que roupa eu vou passaria uma temporada de quatro meses em Belo Horizonte, por prescri��o m�dica, em 1935.
“Convivi por muitos anos com o doutor M�rio, que era o m�dico em contato direto com Noel. Naquela �poca, os pacientes ficavam mais ou menos confinados nos sanat�rios. Para sair, precisavam de autoriza��o. Mas M�rio comentava que Noel Rosa sa�a � revelia para as noitadas. Depois, deixava bilhetes se desculpando em versos, contando aonde tinha ido e a hora em que voltou”, afirma Frederico Ozanam de Fuccio, de 74, contempor�neo de Vaz de Melo. Ele se recorda inclusive de ter visto um desses bilhetes, mas n�o tem seguran�a para garantir se a caligrafia era mesmo do m�sico. “A import�ncia de cuidar de Noel Rosa s� veio � tona anos depois, em conversas entre o pessoal antigo da tisiologia. Ele era mais conhecido no Rio e n�o era essa express�o toda que se tornou depois da morte” completa.
Outra hip�tese � de que o estigma em rela��o aos pacientes com tuberculose e o respeito ao nome do poeta calaram os dois m�dicos que dele cuidaram pessoalmente. Sousa Lima e Vaz de Melo se tornariam amigos, dividindo por 56 anos o consult�rio m�dico. Partilharam tamb�m da total discri��o em rela��o ao paciente famoso. “Nunca soube que Noel vinha a BH para se tratar com o papai”, surpreendeu-se o engenheiro Paulo de Sousa Lima J�nior, de 73 anos. Ele � um dos cinco filhos de Paulo, que se formou em tisiologia em 1927 e morreu em 1997, uma semana antes de fazer 95 anos.

Nascido em 1917, Vaz de Melo tinha 25 anos quando se formou em tisiologia pela Faculdade Nacional de Medicina, no Rio de Janeiro. Morava com a fam�lia no Bairro Floresta e, �s ter�as-feiras, atendia no Sanat�rio Hugo Werneck, bem distante. Envaidecida, Eleonora mostra as fotos da �poca do pai, que receberia honrosos elogios no Livro de Ouro do hospital. “Combatia a insidiosa e inexor�vel peste branca com honestidade e conduta m�dica ilibada”, testemunhou um funcion�rio do servi�o de Transporte. Entre os colegas, receberia o apelido de Rei do Pneumot�rax. “Ele provavelmente produziu mais pneumot�rax que qualquer outro tisio do mundo”, elogiou outra pessoa, por escrito.
Sigilosa ou n�o, a passagem do sambista Noel Rosa por BH foi uma tentativa frustrada de combater a tuberculose, doen�a que o mataria jovem, com mais de 200 composi��es escritas em seus 26 anos. Entre elas, a par�dia de Looking over a four leaf clover, de Mort Dixon, em homenagem � capital mineira. A letra n�o escondia o conv�vio com a fuma�a de cigarros, a cacha�a e as “primas” de Noel. A segunda estrofe da mesma m�sica, n�o oficial, era cantada nos botecos por Noel.
A estada de Noel Rosa em BH n�o durou nem seis meses. Na biografia, Didier reproduz um di�logo entre o compositor e o tio dele M�rio Brown, que tentava convenc�-lo a permanecer por mais tempo: “M�rio Brown (...) chama sua aten��o para o clima, a boa comida, o ritmo tranquilo de Belo Horizonte. Esta cidade tem operado verdadeiros milagres em pessoas doentes do pulm�o. N�o gosta de Belo Horizonte? Noel Rosa respondeu: ‘Sim, mas prefiro viver um ano no Rio do que 10 aqui.’ Deixando essa �ltima frase premonit�ria, Noel foi embora de volta para a Vila Isabel, onde morreria em menos de dois anos.”
MARCAS DO PASSADO
Belo Horizonte
(Noel Rosa - morto de tuberculose aos 26 anos)
Belo Horizonte
Deixa que eu conte
O que h� de melhor pra mim
N�o � o bord�o deste meu viol�o
Nem � a prima que eu firo assim
N�o � a cacha�a
Nem a fuma�a
Que no meu cigarro vi
Belo Horizonte
Deixa que eu conte
Bem mesmo � estar aqui...”

Prontu�rio da epidemia
No domingo, a s�rie “Marcas do passado” mostrou que a tuberculose ajudou a escrever a hist�ria de Belo Horizonte, que nas primeiras d�cadas do s�culo 20 tornou-se conhecida como cidade-sanat�rio. Quase 100 anos depois da epidemia que fez multiplicar hospitais pela capital, a doen�a volta a assustar, com o surgimento de bacilos multirresistente, que matam silenciosamente. Com isso, nos hospitais especializados, que em outros tempos receberam levas de t�sicos vindos de todas as partes do pa�s, o tratamento ainda desafia m�dicos e pacientes, tal como na �poca em que o mal inspirava e matava gera��es de poetas. Doentes vivem em alas de isolamento, onde o acesso � restrito e o uso de m�scaras especiais, obrigat�rio.