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Estado de Minas ONTEM E HOJE

Conto 'A garganta do inferno', de Bernardo Guimar�es, � mais que uma lenda em Lavras Novas

Hist�ria do 'portal' contada pelo autor de Escrava Isaura comp�e um dos maiores tesouros de um lugarejo onde o movimento tur�stico espantou at� o desemprego


postado em 25/10/2015 11:00 / atualizado em 25/10/2015 10:05

Ruas sem calçamento e paisagem dominada pelas casinhas caiadas do passado...(foto: Vera Godoy/EM - 8/12/1989)
Ruas sem cal�amento e paisagem dominada pelas casinhas caiadas do passado... (foto: Vera Godoy/EM - 8/12/1989)

...deram lugar ao vaivém frenético de carros e pedestres que move a economia(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
...deram lugar ao vaiv�m fren�tico de carros e pedestres que move a economia (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

Lavras Novas – O escritor ouro-pretano Bernardo Guimar�es (1825-1884) publicou em 1871 o livro Lendas e Romances. A obra tem tr�s contos, sendo um deles “A garganta do inferno”. O autor de Escrava Isaura (1875) narra uma lenda que tem o distrito como palco. Na frente da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres h� um S marcado no ch�o. A letra, segundo a hist�ria contada por Guimar�es, representa a palavra “segredo”. O mist�rio prov�m da hist�ria da jovem Lina, filha de Gertrudes, que sonhou com um pr�ncipe encantado possuidor de uma imensid�o de ouro. A contragosto da m�e, que imaginou ser o sonho uma tenta��o diab�lica, a jovem Lina seguiu os passos on�ricos e encontrou o jovem, filho do rico guarda-mor.

Lina caiu de amores e passou a viver com o nobre, sem avisar � m�e, que agonizou na espera. O conto relata que a rela��o do casal desanda, e Lina volta para casa. Mas, arrependida do que fez, se joga em um buraco profundo, que ningu�m sabia onde terminava: a Garganta do Inferno. A m�e acompanha a filha e tamb�m pula em dire��o ao desconhecido. Um padre vem de Mariana, exorciza o local e determina que a Garganta do Inferno fosse aterrada, e que em frente fosse erguido o templo de Nossa Senhora dos Prazeres. Coube ao primo de Lina, Daniel, apaixonado pela jovem, cobrir a laje. Nas palavras do escritor, “lavrou toscamente a pic�o a letra S, e cobriu-a de terra. Cremos que quer dizer: segredo. Quem o descobrir�?”

Verdade ou mentira, os moradores de Lavras Novas n�o arriscam. Ningu�m no distrito duvida, por�m, da hist�ria de F�bio Francisco Rosa, de 74 anos. Quando tinha 14, ele passou a se relacionar com uma mulher de 35. Chegaram a morar juntos, mas ela nutria um ci�me doentio. “Um dia, ela colocou formicida no guaran� e me deu. Eu tomei aquilo e desfaleci. Pensaram que eu tinha morrido e me colocaram no caix�o. Passei 20 horas sendo velado, mas acordei e levantei”, relata o aposentado. “Todo mundo saiu correndo. Depois ficaram com medo de mim”, completa. O epis�dio ocorreu h� mais de 50 anos, na �poca que F�bio vivia em Ouro Preto, mas, pouco depois, mudou-se para o distrito. A fama foi junto.

Outra hist�ria curiosa � lembrada por L�dia Oliveira Ribeiro de Carvalho, de 89, uma das mais antigas moradoras do distrito. Ela sempre temeu um cavaleiro misterioso, que, conta-se, surgia � meia-noite pelas ruas. “Ningu�m o via. S� escutava o barulho”, afirma. “Se fosse hoje, com esse cal�amento na rua, ele ia ‘tinir’ direito”, compara, lembrando que no passado os caminhos eram de terra batida.

L�dia � uma, entre as v�rias mulheres de Lavras Novas, que trabalharam nas planta��es de ch�. Come�ou aos 12 anos e recorda que sa�a de casa �s 3h da manh� para ir caminhando at� a lavoura. “Andava descal�a e ganhava uma mixaria”, recorda. A planta��o era de ch�-preto, ou ch�-da-�ndia, como ela chamava. M�e de cinco filhos, av� de 11 netos, bisav� de um bisneto e, como ela diz, mais dois que est�o “na v�spera”, dona L�dia acredita que eles ter�o vida mais f�cil do que em outros tempos. “Tudo melhorou muito, pois antigamente muita gente ficava desempregada”, compara.

 

Carlos de Carvalho começou aos 9 anos a trabalhar com taquara. Já foi mestre, mas hoje não tem mais alunos(foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)
Carlos de Carvalho come�ou aos 9 anos a trabalhar com taquara. J� foi mestre, mas hoje n�o tem mais alunos (foto: Daniel Camargos/EM/D.A Press)

UM LUGAR ONDE SOBRA EMPREGO


Hoje, a m�o de obra � disputada na cidade. Os irm�os Luiz e Liliane Correia Maia trabalham na Pousada Carumb� e garantem que n�o faltam ofertas de servi�o. Ele � cozinheiro; ela, supervisora do restaurante. Os dois poderiam se empregar nos neg�cios da fam�lia, pois os pais s�o donos de um restaurante e t�m nove chal�s para alugar, mas preferem a independ�ncia. Luiz pretende estudar gastronomia em Ouro Preto e, no futuro, ter seu pr�prio empreendimento. Liliane tamb�m quer ter sua pousada pr�pria.

“Aqui � um local muito pr�spero”, diz Luiz, que cozinha desde menino, quando acompanhava a m�e no restaurante, e sofisticou o tempero com o conhecimento aprendido de chefs consultores. “Minhas especialidades s�o arroz negro com camar�o ao molho pesto e frango com quiabo e polenta”, explica. A irm� dele, Liliane, nunca cogitou deixar o distrito. “N�o troco isso aqui por nada. Venho trabalhar caminhando e chego em poucos minutos”, justifica.

O aposentado Jos� Alves tem 71 anos. Recorda-se de quando as ruas eram de terra, sem cal�amento e n�o havia o �nibus que faz a liga��o com a sede de Ouro Preto. “Meu sogro levava balaio para vender em Mariana. Sa�a �s 3h, ia caminhando, e voltava no fim do dia”, relata. O aposentado trabalhou como pedreiro e lembra que emprego, ao contr�rio de agora, era algo raro no distrito. �s mulheres restavam apenas o servi�o na lavoura de ch�, na Fazenda do Manso. “Hoje, todas t�m emprego em pousadas”, compara.

Na manh� de quarta-feira, Jos� Alves conversava com seu xar�, Jos� Rocha Sobrinho, de 76, na pracinha em frente � igreja. Rocha tamb�m est� aposentado, depois de trabalhar como soldador na f�brica de alum�nio, em Saramenha, distrito industrial de Ouro Preto. Durante muitos anos, antes de o turismo eclodir em Lavras Novas, a principal fonte de emprego dos homens eram as f�bricas de l�. Outros, como o pai de Rocha, confeccionavam balaios, que eram usados pelas mulheres para depositar o ch� colhido na lavoura.


Cestaria, artesanato típico do lugar, prosperou no tempo vago deixado pelas entressafras das lavouras(foto: Vera Godoy/EM - 8/12/1989)
Cestaria, artesanato t�pico do lugar, prosperou no tempo vago deixado pelas entressafras das lavouras (foto: Vera Godoy/EM - 8/12/1989)

CESTEIROS
A cestaria � o artesanato t�pico de Lavras Novas. O artes�o Carlos Aur�lio de Carvalho, de 67, come�ou a fazer cestos e trabalhos com taquara aos 9 anos e acredita que a origem da tradi��o � simples: “As pessoas aqui trabalhavam na lavoura, mas a lavoura tem o tempo dela; enquanto aguardavam, faziam os cestos”. Durante 15 anos, Carlos foi o professor do of�cio no distrito, e chegou a vender suas pe�as para lojas como Tok & Stok, mas entende que hoje, com a quantidade de empregos dispon�vel, poucos se interessam pelo of�cio.

O sobrinho de Carlos, o artista pl�stico Adv�nio Lessa, de 34, come�ou com os trabalhos com cestaria, mas foi al�m. Realizou sua primeira exposi��o individual na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, no Pal�cio das Artes, em Belo Horizonte. Adv�nio trabalha apenas com elementos da natureza: cip�s, ra�zes, folhas, caba�as. “Meus trabalhos criam rela��o com o invis�vel, com energias que n�o conseguimos ver, apenas sentimos”, garante.

 

 

A LIVREIRA SEM CHAVE NA PORTA


O ambiente buc�lico e ao mesmo tempo cosmopolita de Lavras Novas atraiu a cidad� do mundo C�ntia Junqueira. A ga�cha saiu de casa aos 16 anos, viajou pela Am�rica do Sul, morou na Europa, rodou por diversos pa�ses e depois foi viver em Pipa, no Rio Grande do Norte. L�, criou o Book Shop, um sebo. Mas ela conta que o forte do local n�o � vender livros e, sim, conhecer pessoas. “Eu tive uma cria��o muito erudita. L� em casa, pod�amos comer arroz e feij�o, mas discut�amos Shakespeare no almo�o”, recorda ela, que diz ter sido salva pelos livros. Ela indica tr�s de sua cole��o: Promessa do amanhecer, de Romain Gary; Cora��es sujos, de Fernando Moraes, e O �ltimo suspiro do mouro, de Salman Rushdie, todos dispon�veis para empr�stimo.

No distrito ouro-pretano desde 2011, C�ntia vive em uma garagem. Na parte da frente est�o as estantes com os livros e os sof�s para receber as visitas. No fundo, em um espa�o ex�guo, a casa dela. “Todo mundo faz lojinha, restaurante... eu gosto de livro”, resume C�ntia, que vende algumas cadeiras que pinta e faz bicos, como reservas para as pousadas vizinhas. Se ela pretende ficar muito tempo no distrito? “Fico enquanto puder n�o ter chave na porta”, afirma.

S�lvia Zica Viana chegou em 1999 e n�o pretende sair. A esposa do ator Jonas Bloch � dona de um bistr� especializado em doces. “Um tio-av� meu morava em Ouro Preto e, por isso, conheci Lavras Novas. N�o sei explicar bem o que me encantou. Foi uma sensa��o de sossego e paz, quase uma m�gica”, arrisca S�lvia. O casal j� teve pousada e comandou, por quatro anos, um grupo de teatro na comunidade.

O bistr� de S�lvia fica na parte nova da cidade, pr�xima ao campo de futebol. � l� que est�o as pousadas e restaurantes chiques. Nos bares da cidade, principalmente no Centro Hist�rico, pr�ximo � igreja, corre a seguinte compara��o com a capital mineira: a �rea pr�xima ao campo seria o Belvedere. Um pouco mais acima, pr�ximo da escola, estaria o Buritis; as ruas do Campo e do Ch� correspondem ao Sion, sendo que o trecho entre o cruzeiro e a igreja � o Centro. Atr�s da igreja, a periferia.

Leia nesta segunda-feira: A santa latifundi�ria


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