
Lavras Novas – Mansinha, Perrengue e Chitada s�o as vacas preferidas de Jos� Correia Maia. “Eu trato delas com sal grosso. Se n�o dou, n�o v�o embora pastar. Ficam a� na porta”, explica o bombeiro hidr�ulico de 61 anos, que trabalha na Prefeitura de Ouro Preto. Os animais protagonizam cena pitoresca. Quando chegam em frente � casa do dono, no fim do dia, batem a cabe�a na porta para “pedir” sal e ra��o. “A cria��o n�o fala, precisa dar um sinal”, entende Jos�.
Ele chegou a morar por alguns anos em S�o Paulo, quando atuou como prensista em uma fabricante de autope�as em Guarulhos, mas voltou para a terra natal ap�s se casar, no in�cio da d�cada de 1980. Em Lavras Novas, segue uma tradi��o iniciada h� d�cadas pelo pai. Tem 12 vacas, que vivem soltas pelas ruas, e se tornaram uma das atra��es do distrito. Tanto que at� as lixeiras s�o representa��es de lata do gado de Jos�.
“Uma vez, a porta estava aberta e a vaca entrou pela cozinha. N�o esbarrou em nada e ainda saiu de r�”, diverte-se ele. A protagonista foi Fuma�a, que j� morreu (vaca boa, rendeu sete crias, como recorda o fazendeiro). O irm�o de Jos�, que mora duas casas ao lado, no Centro Hist�rico de Lavras Novas, � respons�vel por criar sete burros e cavalos que tamb�m circulam pelas imedia��es.
A simplicidade da fam�lia Maia ajuda a formar a am�lgama entre nativos e forasteiros que atrai os turistas a hospedagens de todas as “estrelas”. Desde campings, onde elas s� s�o vistas � noite e a di�ria sai a R$ 30, at� pousadas onde o pernoite pode custar valores na casa dos quatro d�gitos.
O artista pl�stico italiano Paolo Battiston sabe que h� um p�blico disposto a pagar por isso. Natural de Veneza, ele foi convencido pela esposa, Maria Aparecida Santiago, de Belo Horizonte, a se mudar para Lavras Novas h� cinco anos, para constru�rem uma pousada. “Meu p�blico � AAA e casais em lua de mel”, explica Maria Aparecida.
N�o � para menos. Intitulada de pousada, casa de vinhos e galeria de arte, a Canto dos Prazeres tem uma su�te presidencial cujo valor para o casal no feriado de 12 de outubro foi de R$ 3.480. “� o encontro do Mar Adri�tico com as montanhas de Minas”, compara Maria Aparecida, referindo-se � decora��o do local, idealizada por ela e ornada com quadros do marido.
A pousada tem oito quartos, sendo o maior com duas lareiras, banheira de hidromassagem e quatro travesseiros com pena de ganso acomodados na su�te de 200 metros quadrados. O casal �talo-brasileiro faz parte da �ltima leva que aportou no sop� da Serra do Trov�o. A pousada deles n�o aceita grupos nem menores de 18 anos. O investimento, segundo a copropriet�ria, foi superior a R$ 5 milh�es.
J� o engenheiro metal�rgico Niveo Roberto Campos, de 68, foi um dos primeiros forasteiros a chegar a Lavras Novas, em 1986. O sogro dele trabalhou na constru��o de barragens para alimentar de energia el�trica a f�brica de alum�nio em Saramenha, distrito industrial de Ouro Preto, na d�cada de 1940. “Ele frequentava muito este lugar e fez amizade com o pessoal. Minha esposa ficou com uma mem�ria de inf�ncia, al�m de ser madrinha de uma mo�a daqui”, destaca N�veo.
O contato facilitou a compra da casa, perto da igreja. N�veo acredita que as festas que a fam�lia fazia na rua durante o r�veillon contribu�ram para criar a fama do lugar. “Uma vez, minha mulher estava no supermercado, na sa�da de Belo Horizonte, e uma pessoa disse para ela: ‘Vou passar o r�veillon em Lavras Novas. Fiquei sabendo que tem uma mulher doida que faz uma festa na rua’”. A esposa de N�veo ouviu calada. S� quando a “convidada” a encontrou na porta de sua casa, constatou quem era a “doida”.
N�veo tamb�m incentivou um compadre a comprar uma casa na cidade. Este trouxe outro e a corrente foi continuando. Depois de quase 30 anos, o engenheiro domina bem o dialeto t�pico do distrito. “Aqui, o pessoal n�o fala doente. Diz desinsarado. Tamb�m n�o fala nora. � genra”, diverte-se. Bom contador de hist�rias, N�veo se lembra de uma boa, dos tempos em que o lugarejo ainda n�o havia sido invadido pelos turistas, mas por um momento acreditou ser palco de um conflito internacional. “Durante a Guerra do Golfo, havia uma tens�o muito grande com o notici�rio na televis�o. Nunca tinha aparecido um helic�ptero por aqui e, logo quando a situa��o estava bem tensa l� no Golfo, pousou um no campo de futebol do distrito. O pessoal saiu assustado de casa dizendo: ‘O Saddam Hussein vem matar a gente’.”

LUCRO L�QUIDO E EM CAIXAS
Cl�udio Alves Viana, o Claudinho do bar que leva seu nome, tem um indexador interessante para calcular o impacto do turismo em Lavras Novas. Em um dia de semana modorrento, a venda de cerveja n�o passa de tr�s caixas. Nos fins de semana, principalmente quando h� um feriado pr�ximo, como ocorreu em 12 de outubro, o mercado enlouquece: 20 caixas de cerveja evaporam somente no domingo. Quem visita Lavras Novas n�o pode deixar de comer o sandu�che de p�o, lingui�a, queijo e tomate, vendido por R$ 6,50 no bar. �, provavelmente, a melhor rela��o custo/benef�cio/sabor do distrito.
A reboque dos turistas que chegavam, a possibilidade de ganhar dinheiro com o movimento atraiu muita gente. Nascido em Conselheiro Lafaiete, distante 50 quil�metros do distrito, Rafael Frederico Rodrigues visitava Lavras Novas para praticar rapel. “H� 10 anos n�o tinha nada de ecoturismo aqui”, lembra-se ele, que decidiu deixar o emprego em empresa mineradora em Congonhas e come�ou a promover passeios pelas cachoeiras com uma Volkswagen Bras�lia adaptada com pneus de jipe. Fez tanto sucesso que ampliou a frota para oito quadriciclos, tr�s motocicletas de trilha e dois utilit�rios 4x4. Al�m da empresa de Rafael, hoje outras duas oferecem os servi�os de aluguel e acompanhamento por trilhas e cachoeiras.
Os primos Itamar Ant�nio Carvalho e Leonardo Pedro Bispo s�o s�cios em uma ag�ncia para receber turistas, acompanhando-os em trilhas e caminhadas. Itamar � t�cnico em turismo e meio ambiente e Leonardo est� fazendo faculdade de turismo. Nascidos no distrito, eles se gabam de serem os �nicos nativos no ramo.
Para quem gosta de caminhar, eles indicam tr�s passeios indispens�veis. O primeiro � a Cachoeira dos Pocinhos, com uma caminhada em trilha de dificuldade moderada, a apenas 2,2 quil�metros do Centro Hist�rico. Outra op��o � assistir ao p�r do sol na Serra do Trov�o, ou, como os nativos chamam, Serra do Bui�i�, uma refer�ncia a um andarilho que vivia por aqueles lados. A caminhada � de 40 minutos e a altitude, de 1,6 mil metros. Por fim, o passeio mais longo, que leva um dia inteiro caminhando, para conhecer a Represa do Cust�dio e as cachoeiras dos Tr�s Pingos, Namorados e Prazeres. O percurso total � de 22 quil�metros.

DOS HIPPIES PARA OS NOVELEIROS
O casal de namorados Wederson Gon�alves e Cristina Malta � f� das quedas d’�gua do distrito. No �ltimo feriado, levaram a cadela Bela, uma labra-lata (como definem a ascend�ncia da mistura de labrador com vira-lata) para tomar banho na �gua gelada da Cachoeira dos Namorados. “Viemos s� passar o dia, pois � muito perto de Belo Horizonte. S� uma hora e meia de viagem”, explica Wederson.
Gente de longe, como a peruana Yana Herrera, de Lima, aproveita a proximidade e o movimento para faturar. A jovem, de 20 anos, est� morando em Belo Horizonte e foi pela segunda vez a Lavras Novas. Lamenta n�o ter tempo para desbravar melhor o distrito. “Conheci muito pouco, mas achei massa”, resumiu. Yana vende bijuterias e bolsas de l� peruanas para pagar o cursinho onde se prepara para o Enem e o curso de psicologia. Divide a barraca montada no disputado gramado com a artes� Adriana Maria Souza, que tamb�m parte de BH para Lavras Novas nos feriados. “O p�blico aqui mudou muito. Antes, tinha um pessoal que gostava mais do estilo hippie. Hoje, o pessoal que vem aqui s� compra aquilo que est� na novela”, define Adriana.
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