Mariana – A batida dos sinos da Catedral da S� convidando os marianenses para a missa em homenagem �s v�timas do rompimento das barragens da Samarco imprimiu uma trilha barroca para um desastre que abate todos os moradores. A primeira cidade de Minas Gerais segue atordoada com a trag�dia, que completa 10 dias hoje. Hist�rias de muita dor e sofrimento somam-se a relatos de her�is an�nimos, abnegados volunt�rios, autoridades atarantadas e uma chaga que demorar� muitos anos para cicatrizar e tem textura ocre da lama com rejeitos de minera��o. O Estado de Minas reuniu hist�rias que contam um pouco do turbilh�o que passa pela cidade, fundada no s�culo 17.
(foto: Rodrigo Clemente/EM/DA Press)
"MO�O, PEDE PARA ELES FECHAREM A JANELA" Os �ltimos dias s�o de muito sofrimento para Rosa Maur�lia Gomes (foto), de 77 anos. Moradora de Bento Rodrigues, ela conseguiu sair de casa, que estava na parte alta do distrito, na Rua Carlos Pinto, mas n�o teve tempo de fechar a janela. Quando soube que a reportagem do EM havia estado l� e visto a casa dela e observado que a janela havia ficado aberta, ela pediu: “Mo�o, se voc� voltar l�, pede aos bombeiros para fechar a janela. � s� empurrar. Se eles puderem travar com um pedacinho de pau, eu agradeceria muito”. Rosa � uma dos mais de 600 moradores que sa�ram de casa sem tempo de pegar documento e objetos pessoais e deixaram toda a hist�ria para tr�s. “L� era um lugar bom demais, com o povo unido. Pena que acabou”, lamenta. Com quase 80 anos, ela n�o sabe onde ir� morar. Passa as tardes sentada na cal�ada, em frente ao Hotel Provid�ncia, com outros moradores � espera de uma not�cia que d� algum sentido � vida daqui para frente.
(foto: Rodrigo Clemente/EM/DA Press)
"TODOS FORAM HER�IS" Quando recebeu um telefonema e soube que a barragem do Fund�o havia estourado, o caminhoneiro Ant�nio Pereira Gon�alves (foto) saiu em alta velocidade de Mariana at� o distrito. “Conseguimos salvar duas pessoas que estavam afundando na lama. Uma senhora e uma crian�a. Fizemos uma corrente, com os bra�os dados e eu gritava para as pessoas deitarem no ch�o e n�o pisarem no barro”, recorda Ant�nio. At� agora, Ant�nio, que tem familiares em Bento, n�o sabe quem ajudou a salvar. “Eles estavam todos imundos de lama”, recorda. Por�m, faz quest�o de dizer que n�o foi her�i. “Todos de Bento foram her�is. Pelo tamanho do desastre, o n�mero de v�timas foi pequeno”, acredita. Ontem, Ant�nio, que � conhecido por todos de Bento como Da Lua, foi um dos seis eleitos entre os moradores para formar uma comiss�o de negocia��o com a Samarco e reivindicar os direitos coletivos. Os moradores querem que uma nova Bento Rodrigues seja constru�da e v�o escolher o local adequado.
(foto: Rodrigo Clemente/EM/DA Press)
EX�RCITO DO BEM A cabeleireira Concei��o Santana � uma entre os milhares de moradores de Mariana que se tornaram volunt�rios para tentar diminuir o sofrimento das v�timas. Desde o �ltimo domingo, ela deixou de lado o sal�o de beleza e passou a dar expediente na Arena Mariana, ajudando separar as roupas doadas. “Eu n�o conseguia mais ouvir as not�cias em casa. Aqui eu me sinto �til e que estou ajudo. Chego em casa muito cansada, mas a sensa��o de ter feito algo bom recompensa”, avalia Concei��o. O representante comercial Ladislau Miranda Rodrigues (foto) tamb�m decidiu ajudar e encheu sua Kombi com doa��es de Lagoa da Prata, Centro-Oeste do estado, e chegou ontem a Mariana para entreg�-las. “Isso � o m�nimo que podemos fazer”, explicou, enquanto descarregava a Kombi lotada de garrafas de �gua mineral.
(foto: Rodrigo Clemente/EM/DA Press)
DEPEND�NCIA DA MINERA��O Moradora de Bento Rodrigues, Luciene Lu (foto) sentiu de perto os efeitos mais nocivos da atividade miner�ria, mas defende a minera��o. “Dependemos dela para sobreviver. Quase todo mundo em Bento trabalha em empresa ligada � Vale ou � Samarco”, explica Luciene, que era servente em uma subesta��o da Samarco (que est� embaixo da lama).O marido dela � mec�nico em uma empresa terceirizada na Vale e a renda da fam�lia chega a quase R$ 2,5 mil por m�s. “� muito dif�cil arrumar emprego assim com carteira assinada. Enquanto existir min�rio, tem que minerar”, acredita Luciene, que diz n�o sentir raiva, mas sim tristeza. “Por n�s, que perdemos tudo, e pelas pessoas que perderam familiares”, afirma. Para conseguir dormir ap�s a trag�dia, Luciene precisa tomar rem�dios, mas nem assim escapa dos sonhos. O �ltimo foi que espregui�ava no sof� de casa, rec�m-comprado. “N�o tem nem um m�s que ele chegou. Paguei s� uma presta��o e ainda faltam oito (de R$ 173)”, pondera.
(foto: Rodrigo Clemente/EM/DA Press)
LAMA LEVOU O DINHEIRO Um dos moradores mais velhos de Bento Rodrigues, Jos� Caetano (foto), de 79 anos, n�o teve tempo de voltar para buscar nada ap�s o rompimento da barragem. O �nico objeto que trouxe foi um chicote. “Escutei o barulho do pessoal correndo e achei que algum avi�o estava caindo. Depois pensei que era briga. Fui l� dentro (de casa), peguei o chicote e sa� na rua para separar a confus�o”, recorda Jos�. Quando escutou o que as pessoas gritavam se deu conta de que a barragem havia rompido e correu para a parte alta do distrito. O lamento de Jos� � que o dinheiro que guardava embaixo da cama (R$ 2.410) foi embora com a lama. “Vem um mo�o de Belo Horizonte para cobrar uma presta��o e eu n�o terei como pagar”, diz Jos�, que depois pensa um pouco e completa: “Mas tamb�m se ele for em Bento n�o vai achar nada”.
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
FUGA DESPESPERADA DA ESCOLA Se hoje � poss�vel sorrir porque os 50 alunos que estavam na Escola Municipal Bento Rodrigues est�o a salvo, � porque a inspetora Geizibel Aparecida Nunes Moreira (foto), de 31 anos, e a secret�ria M�rian Guimar�es, de 36, arriscaram a vida pelos estudantes. As duas, funcion�rias da escola, foram as �ltimas a sair, depois de garantir que n�o havia mais ningu�m no pr�dio destru�do. O aviso de que as barragens haviam rompido veio pelo marido da diretora da escola. Imediatamente, as duas funcion�rias e a diretora se dividiram para retirar os alunos, de 12 a 15 anos e do ensino de jovens e adultos (EJA). “Os alunos come�aram a se juntar dentro da sala, sem saber o que fazer e eu s� disse: N�o junta n�o, corre”, lembra Geizibel. “Sou devota de Nossa Senhora Aparecida e acho que ela nos salvou. Estava passando na hora na porta da escola um �nibus de linha comum. Os alunos entraram todos nesse �nibus”, conta Geizibel.
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
"BARULHO DA LAMA PARECIA TURBINA DE AVI�O" “Somos muito amigas e uma gritava para a outra correr. Cinco minutos a mais tinha morrido todo mundo”, conta a secret�ria M�rian Guimar�es (foto) sobre a amiga Geizibel. Elas entraram no carro da diretora e, depois, decidiram seguir com os estudantes no �nibus. “Foi Deus, porque se o rompimento tivesse sido de manh�, quem estaria na escola seriam as crian�as e ficaria mais dif�cil sa�rem. Mas � claro que a gente iria sair carregando todas”, diz. M�riam conta que a intui��o falou mais forte e o grupo acabou indo por um lado da cidade que os manteve a salvo. Num determinado ponto, todos desceram do �nibus e subiram mais de tr�s quil�metros de morro a p�. Assim que olharam para tr�s, o barro j� tinha levado at� o telhado da escola. “O barulho da lama parecia uma turbina de avi�o. Fomos subindo, subindo at� n�o escutar mais. S� � noite fomos descendo e ficamos todos juntos a madrugada toda”, conta.
Trag�dia em Mariana
Entenda como aconteceu o maior desastre ambiental do estado