
“Nossa rela��o com o rio � bem mais antiga. Sempre estivemos aqui. Hoje somos 450 pessoas e n�o usamos o leito apenas para o banho, para retirar o alimento do dia a dia. H� quest�es culturais e religiosas. E agora? Os krenak est�o tristes, porque o Uatu Nek morreu”, desabafa Itamar. Ele e sua gente ocupam uma �rea de 4,9 mil hectares quadrados em Resplendor, no Leste de Minas, a 500 quil�metros de Belo Horizonte.
Itamar � professor e diretor da escola que funciona na tribo. Na �ltima semana, deu uma tarefa aos alunos: fazer um desenho ou uma reda��o sobre o Uatu. Alice, a filha, usou v�rios l�pis coloridos para tra�ar o largo leito, o pared�o de pedras pr�ximo ao rio e algumas esp�cies de animais e plantas que vivem no curso d’�gua. “Antes da lama, tinha muito bok (peixe), rokrok (gar�a), rimbom (capivara), pomba (pato)... Tinha bicho que ia beber �gua. Ia gundhum (tatu), ia gran (cobra)”, conta a menina.
A lama de min�rio que devastou a vida aqu�tica no Uatu mudou a rotina dos krenak. “Nossa alimenta��o vai ter de mudar, porque nosso principal prato � o peixe. Agora temos medo de comer at� animais que vivem na terra, como tatu, pois n�o sabemos se beberam da �gua com min�rio”, justifica Adauto, um dos caciques da tribo.
At� a rotina da confec��o das armas usadas na ca�a deixou de ser a mesma. O material do arco e da flecha � retirado de uma esp�cie de �rvore que, na aldeia, s� � achada nas ilhas do Doce. “N�o estamos indo l�, porque temos medo do contato com a �gua suja”, explica Itamar. Os rejeitos despejados nas margens tamb�m mataram plantas medicinais usadas pelos �ndios. “N�o encontramos mais ervas-cidreiras, usadas para febres”, reclama o cacique, enquanto percorre uma das margens.
Na caminhada, Adauto avista, do outro lado do leito, os trilhos por onde as locomotivas da Vale puxam, todos os dias, centenas de vag�es abarrotados com min�rio de ferro. Na semana em que houve o rompimento da barragem da Samarco, empresa que tem a Vale como uma das controladoras, os krenak fecharam a ferrovia por tr�s dias.
A estrada de ferro corta a terra ind�gena entre o leito e o pared�o desenhado por Alice. Na parte externa da rocha, h� pinturas rupestres. Na interna, imensas cavernas. “Quem causou essa trag�dia tem que resolver o problema. A vida precisa voltar ao longo do Uatu. Temos esperan�a de t�-lo de volta, como era antes”, deseja Itamar.
COMBATE A liga��o dos krenak com o Uatu come�ou antes da chegada das caravelas comandadas por Cabral. Por s�culos, eles ocuparam parte do que hoje � Minas Gerais e o Esp�rito Santo. Foram combatidos por europeus e bandeirantes.
Nem mesmo o governo deu tr�gua. No fim da d�cada de 1970, por exemplo, o regime militar expulsou os �ndios da �rea e construiu uma pris�o a cerca de 500 metros do rio. “Quando o povo voltava, o governo expulsava novamente. At� que em 1979 houve uma grande enchente. A for�a d’�gua derrubou parte (dos im�veis) que constru�ram aqui. Os militares desistiram. Foi assim que n�s voltamos. O rio nos trouxe de volta. Agora, queremos trazer a vida de volta no Uatu”, planeja Itamar.